Advogados trabalhistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico afirmam que a suspensão de processos em fase de execução determinada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, gera segurança jurídica e privilegia os princípios da ampla defesa e do devido processo legal.
O andamento das ações foi paralisado por Toffoli nesta quinta-feira (25/5). A decisão refere-se aos casos que discutem se empresas que pertencem ao mesmo grupo econômico do empregador condenado também devem ser incluídas, já na fase de execução, no polo passivo da ação.
Ainda não há um número certo de quantos processos serão suspensos. No entanto, levantamento feito em 2022 pela empresa de jurimetria Data Lawyer indica que cerca de 60 mil ações que tramitam no Judiciário trazem o termo “grupo econômico” e podem acabar afetadas pela decisão.
A vice-presidência do Tribunal Superior do Trabalho já havia suspendido, em maio do ano passado, o trâmite de recursos extraordinários sobre o tema, mas desembargadores dos Tribunais Regionais do Trabalho continuavam analisando casos, o que, na visão dos advogados, trazia insegurança jurídica ao tema.
Os especialistas ouvidos pela ConJur dizem que parte do problema relacionado ao tema envolve a violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Isso porque há casos em que empresas são obrigadas a pagar condenações antes que possam se defender e, muitas vezes, sem que haja qualquer relação com os trabalhadores que moveram os processos.
“Há situações em que a empresa pertence efetivamente a um grupo e, portanto, já tem ciência daquele processo, apesar de não ser a empregadora direta da parte autora. Ainda assim, se beneficiou, mesmo que indiretamente, do trabalho do autor. Há, no entanto, situações inconcebíveis, em que uma empresa, já durante a execução, é chamada para pagar a conta de um empregador com o qual nunca teve relação societária e nunca se aproveitou do trabalho do autor”, afirma Ana Amélia Camargos, professora da PUC-SP e presidente da Academia Paulista de Direito do Trabalho.
Segundo ela explica, o Código de Processo Civil determina que quem deve pagar a conta precisa ter a garantia da ampla defesa no debate do mérito e na elaboração dos cálculos, o que nem sempre acontece na prática.
“Tal determinação tem o objetivo de criar segurança jurídica para as partes envolvidas na relação econômica. A garantia não acarreta prejuízos ao empregado. Conseguir a quitação de uma dívida jurídica desrespeitando o devido processo legal e a ampla defesa viola os princípios constitucionais, situação que gera grande insegurança jurídica”, opinou ela.
O parecerista e consultor trabalhista Ricardo Calcini também considera a decisão benéfica. “É um precedente histórico e de grande repercussão prática na Justiça do Trabalho. Isso porque é muito comum que essa discussão seja trazida pelos reclamantes em processos que não tiveram satisfeitos, voluntariamente, os seus créditos pelas empresas devedoras principais.”
Ana Luísa Tiveron Rodrigues, do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados, também considerou a decisão benéfica, pois ela acredita que a inclusão das empresas apenas na fase de execução, sem manifestação prévia, causa prejuízos e dificulta a defesa.
“A inclusão apenas na fase de execução causa prejuízo às empresas, que não têm ao seu alcance todos os mecanismos de defesa dos quais poderia se valer se tivesse participado da fase cognitiva do processo, oportunidade em que poderia arguir todas as matérias de fato e de direito que entendesse pertinentes, produzir todas as provas que julgasse relevantes, participar de audiências, ouvir as partes e as testemunhas, além de contestar todos os pleitos formulados pela parte autora.”
Em muitas ocasiões, continua a advogada, a condenação da executada ocorre à revelia, e a parte incluída no polo passivo não tem nenhuma oportunidade de se insurgir contra as cobranças.
“A decisão, considerando a importância do tema que está sob discussão, é relevante, traz segurança e sinaliza para a comunidade jurídica que o Supremo está preocupado com o assunto, além de acender uma expectativa de que a corte decida pela impossibilidade de inclusão das empresas apenas na fase de execução, preservando os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.”
Para Hugo Luiz Schiavo, sócio do AC Burlamaqui Consultores, a decisão de Toffoli funciona como uma boa solução para a quantidade de demandas envolvendo as execuções.
“A inclusão de empresas, em execução, limita a defesa de terceiros estranhos ao feito e, em alguns casos, acarreta também graves constrições patrimoniais. É importante que o STF não demore a julgar o mérito do tema para que a jurisprudência seja estabilizada.”
A decisão
A decisão de Toffoli foi tomada no RE 1.387.795, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.232) em setembro do ano passado. Na ocasião, no entanto, não houve a suspensão dos processos que tramitam nacionalmente.
Agora, os casos estão paralisados até que o Supremo decida sobre o tema. O caso concreto envolve pedido da Rodovias das Colinas S.A. A empresa diz que o Supremo deve pacificar a questão para evitar insegurança jurídica.
Segundo Toffoli, o tema é discutido há mais de duas décadas na Justiça do Trabalho e, de fato, causa insegurança tanto para as empresas quanto para os trabalhadores que provocam o Judiciário.
“Esse cenário jurídico, em inúmeros casos de execução trabalhista, tem implicado constrição do patrimônio (não raras vezes de maneira vultosa) de empresa alheia ao processo de conhecimento que, a despeito de supostamente integrar grupo econômico, não tenha tido a oportunidade de ao menos se manifestar”, disse o ministro na decisão.
A suspensão atinge principalmente os casos em que uma empresa foi condenada, mas não foram encontrados bens ou dinheiro para quitar a dívida. Isso não é pouca coisa: cerca de 49% dos processos julgados pela Justiça do Trabalho não são finalizados por falta de pagamento, segundo o relatório “Justiça em Números 2021”, do Conselho Nacional de Justiça.
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RE 1.387.795
Tema 1.232