Eduardo Ariente: Desafios jurídicos do desenvolvimento científico

A inovação geralmente é vinculada à engenharia, física, biologia, ciências farmacêuticas, computação e ao empreendedorismo tecnológico. Porém, conforme pretendemos demonstrar, os juristas são fundamentais no suporte à criação de novos ou aprimorados produtos, serviços e processos. Nesse sentido, traçaremos os fundamentos do Direito da Inovação e discutiremos de que maneira as assessorias jurídicas poderiam desempenhar um papel mais determinante na realização desses objetivos.

Inovações demandam contínuos aperfeiçoamentos, que as organizações buscam para sobrevivência no mercado, redução de custos, eficiência, vantagens competitivas em face dos concorrentes, melhor atendimento a consumidores e cidadãos [1]. No caso brasileiro, elas estão cada vez mais associadas ao crescimento econômico [2], necessário para o Estado poder cumprir os direitos sociais previstos na Constituição de 1988.

Nos processos inovativos, diferentes saberes  técnicos, científicos, mercadológicos, gerenciais e jurídicos  costumam ser necessários [3]. Os profissionais do Direito são, certamente, integrantes da inteligência coletiva exigida nas organizações inovadoras.

O fundamento dessa nova área de pesquisa reside nos artigos 218 e 219, 219-A e 219-B da Constituição, com a regulamentação da Lei nº 10.943/04 [4]. Conforme se pode perceber, seus propósitos transcendem as fronteiras das disciplinas jurídicas tradicionais. Além de conhecimentos sobre contratos, transferência de tecnologia e aspectos societários, a atividade inovativa demanda dos operadores do Direito tanto algum domínio sobre os aspectos regulatórios (consumidor, proteção de dados, trabalho, ambiental, empresarial, sanitário, urbanístico, concorrencial), quanto dos instrumentos de incentivo (Propriedade Intelectual, Lei do Bem, Lei da Informática, Fundos Setoriais, Compras Públicas, recursos de Agências de fomento à pesquisa, de Investidores-Anjo e programas voltados a pequenas empresas) [5]. Tal campo de pesquisa busca reunir essas diversas perspectivas de forma mais coerente e sistemática [6].

A missão de inovar também nos demanda refletir acerca do sistema normativo e das assessorias jurídicas. Convém, por exemplo, reconhecer que o emaranhado normativo brasileiro, especialmente o regulatório, o tributário [7], e as suas obrigações acessórias [8] tornam o progresso tecnológico mais tormentoso. A simplificação do Direito, eliminando obrigações inadequadas e desnecessárias, com maior preocupação sobre a eficiência e controle sobre os resultados, certamente favorecerá a inovação e reduzirá a chamada “insegurança jurídica”.

Para ilustrar essa questão, o antigo diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) assim declarou:

“Pode haver outras atividades que rendam para a empresa mais ganho e mais prosperidade do que fazer pesquisa, que é algo intrinsecamente arriscado e de retorno incerto. A complexidade fiscal do Brasil, por exemplo, faz com que advogados tributaristas e contadores muito provavelmente sejam mais valiosos para uma empresa do que um engenheiro, um químico, um físico ou um biólogo. Eles ajudam a companhia a seguir regras fiscais complexas, minimizando gastos com impostos e riscos de multas.” [9]

Quanto às assessorias jurídicas, parece fundamental que os seus membros compreendam bem a função social, os modelos de negócio e as formas pelas quais as organizações a que estão vinculados se relacionam com as demais entidades públicas e privadas. Ao menos nos projetos inovativos de maior envergadura, costuma-se estabelecer parcerias entre governos, empresas e universidades (Tríplice Hélice), como também valorizar ideias, recursos e experiências de outras organizações (Inovação Aberta) [10].

Parece claro também que os profissionais do Direito precisam participar mais ativamente das decisões mais relevantes das instituições. As consultorias jurídicas que trabalham fundamentalmente como revisoras de contratos e subscritoras de pareceres distantes dos problemas cotidianos, talvez não atendam às exigências das organizações que desejam inovar. Juristas sem a devida consciência dos  seus papéis nesse processo, da necessária agilidade operacional e de alguma flexibilidade de entendimento, podem ser fatores de ineficiência organizacional, prejudicar oportunidades de financiamentos e de alianças estratégicas.

Em suma, o Direito da Inovação emerge como um campo de investigação que possui como principal missão promover os avanços científicos e tecnológicos. A inovação é um processo multifacetado complexo, que exige dos profissionais do Direito habilidade para navegar por instrumentos de incentivo e regulatórios, tendo em vista não apenas o fortalecimento econômico das firmas e melhores serviços públicos, mas principalmente, a melhoria da qualidade de vida da população.

 


[1] OECD/Eurostat (2018), Oslo Manual 2018: Guidelines for Collecting, Reporting and Using Data on Innovation, 4th Edition, The Measurement of Scientific, Technological and Innovation Activities, OECD. Publishing, Paris/Eurostat, Luxembourg; FAGERBERG, Jan; MOWERY, David; RICHARD, Nelson (ed.). Oxford Handbook of Innovation. Oxford: Oxford University Press, 2005

[2] DOWBOR, Ladislau. O Capitalismo se Desloca: Novas Arquiteturas Sociais. São Paulo: Sesc, 2020; MAZZUCATO, Mariana. The Entrepreneurial State: Debunking Public x Private State Myths. London: Anthem Press, 2013.

[3] ARIENTE, Eduardo. Curso de Direito da Inovação. Belo Horizonte: D’Plácido, 2023.

[4]  BRASIL. Lei nº 10.973/04 Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências.

[5] Sobre instrumentos de incentivo, ver MOREIRA FILHO, Aristóteles. Direito da Inovação: tributação, tecnologia e desenvolvimento. São Paulo: Quartier Latin, 2023.

[6] ARIENTE, Eduardo. Curso de Direito da Inovação. Belo Horizonte: D’Plácido, 2023

[10] Ver ainda HILL, Linda. Collective Genius. Harvard Business Review, June 2014, CHESBROUGH, Henry. Open innovation: researching a new paradigm. Oxford: Oxford University Press, 2006

Eduardo Ariente é doutor em Direito pela USP, advogado e professor universitário.

Consultor Júridico

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