Adalberto Arruda: Decisão do STF sobre exportação de açúcar aos EUA

O caso em questão envolve o controle de constitucionalidade sobre questões relevantes que podem ter um grande impacto econômico e social, especialmente na região Nordeste do país. No caso, trata-se do julgamento do Recurso Extraordinário RE 100.7860/SP [1] que julgará a constitucionalidade e legalidade do artigo 7º da Lei 9.362/96, que pode afetar diretamente as empresas produtoras de açúcar situadas no sudeste do país.

Reprodução

Neste contexto, a apreciação deste recurso pelo plenário do STF, sob o prisma da repercussão geral firmada no Tema 971 [2], implica que a decisão tomada terá efeito vinculante em todos os casos semelhantes em todo o país. Dessa forma, a decisão tomada pelo STF neste caso pode ter um impacto significativo nas relações sociais, políticas, jurídicas ou econômicas entre as empresas produtoras de açúcar e outras partes interessadas. Portanto, a análise desse recurso pelo STF pode envolver não apenas questões jurídicas, mas também questões econômicas e sociais que afetam diretamente a região Nordeste do país e as empresas envolvidas.

No caso, cuida-se de discussão sobre o leading case que trata, na espécie, de participação exclusiva de empresas produtoras de açúcar das regiões Norte e Nordeste do Brasil na denominada “cota americana”, que consiste em um volume de açúcar destinado ao mercado preferencial dos Estados Unidos. Assim, a continuidade da adoção desse critério legal e exclusivo para a participação de empresas do setor sucroalcooleiro situadas nas regiões nortista e nordestina na denominada “cota americana” pode trazer benefícios para o desenvolvimento dessas regiões e para as populações locais. Com efeito, ao receberem tarifas reduzidas para exportação de açúcar aos Estados Unidos, essas empresas têm a oportunidade de aumentar suas receitas e investir em melhorias em suas operações e na capacitação de seus trabalhadores. Além disso, essa medida pode ajudar a fortalecer a economia das regiões menos desenvolvidas do país, contribuindo para a redução das desigualdades sociais. 

Ao discutir a constitucionalidade de dispositivo da Lei 9.362/96, as empresas produtoras de açúcar da região sudeste parecem evidenciar nos seus argumentos que a regra do artigo 7º da referida lei que estabelece a participação exclusiva de empresas produtoras de açúcar das regiões Norte e Nordeste na “cota americana” é inconstitucional, pelo que levanta questões sobre a livre concorrência e isonomia. A livre concorrência é um princípio fundamental da economia de mercado e da Constituição, que visa garantir a igualdade de oportunidades entre os agentes econômicos e a eficiência na alocação de recursos. E mais, argumentam ainda que ao restringir a participação de empresas produtoras de açúcar da região sudeste na “cota americana”, a mencionada lei pode estar ferindo esse princípio da livre concorrência e da isonomia, já que estaria beneficiando exclusivamente empresas de determinadas regiões do país. Além disso, a exclusão dessas empresas da “cota americana” pode ser considerada uma barreira ao comércio e à exportação de açúcar, o que pode prejudicar o desenvolvimento econômico e social do país como um todo.

Por outro lado, a referida lei que estabelece a participação exclusiva de empresas produtoras de açúcar das regiões Norte e Nordeste na “cota americana” também tem como objetivo promover o desenvolvimento dessas regiões e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Nesse sentido, é preciso ponderar os diferentes interesses envolvidos e encontrar um equilíbrio que leve em conta tanto a livre concorrência quanto a promoção do desenvolvimento regional e a redução das desigualdades. Analise-se, pois, que a Constituição de 1988 representou um grande avanço em relação às constituições anteriores do país, ao estabelecer uma série de direitos e garantias fundamentais e ao reconhecer a necessidade de desenvolvimento regional e redução das desigualdades sociais e regionais como objetivos fundamentais da República.

Por isso é que a Constituição conferiu papel de maior destaque à questão do desenvolvimento regional, reconhecendo a necessidade de políticas públicas que visem a reduzir as disparidades econômicas e sociais entre as diferentes regiões do país. É importante ressaltar que, para atingir esses objetivos, não é possível tratar desiguais com as mesmas regras de igualdade, o que poderia impedir a implementação de políticas públicas necessárias para a promoção do desenvolvimento regional. Neste sentido, é fundamental compreender que o desenvolvimento nacional não se limita a uma mera questão econômica, mas abrange também aspectos sociais, políticos e ambientais, devendo ser equilibrado e justo para todas as regiões do país, especialmente as menos desenvolvidas.

Com efeito, a Constituição estabelece como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a promoção do desenvolvimento nacional. Para tanto, são previstos diversos instrumentos e políticas públicas que visam à redução das desigualdades regionais e à promoção do desenvolvimento integrado e sustentável em todo o território nacional. E mais, é importante ressaltar ainda que o desenvolvimento nacional não pode ser pensado apenas em termos de regiões consideradas economicamente fortes ou hegemônicas, como as regiões sul e sudeste do país. É fundamental que sejam adotadas estratégias e instrumentos viáveis de promoção especial de regiões menos desenvolvidas, como é o caso do Nordeste, que ainda enfrenta desafios significativos em termos de desenvolvimento econômico e social.

Assim, é necessário que as políticas públicas sejam orientadas pela promoção do desenvolvimento equilibrado e justo de todas as regiões do país, de forma a garantir o interesse nacional de desenvolvimento integrado e sustentável. Isso implica em adotar medidas específicas para a redução das desigualdades regionais, a melhoria das condições de vida da população e a promoção do desenvolvimento socioeconômico e ambiental em todas as regiões do país.

No contexto do desenvolvimento nacional insculpido na CF/88, diversos dispositivos constitucionais destacam a importância do desenvolvimento regional equilibrado e da integração econômica nacional, que são deveres atribuídos à União. Sob essa perspetiva, o artigo 43 da Constituição é um exemplo claro da responsabilidade da União em promover a redução das desigualdades regionais e a implementação de políticas públicas efetivas e eficazes para esse fim. Esse dispositivo prevê a necessidade de uma ação articulada da União em termos administrativos, com o objetivo de reduzir as disparidades regionais no país. Além disso, a Constituição também prevê a possibilidade de utilização de incentivos, como isenções e reduções de tributos e juros favorecidos, para promover o desenvolvimento das regiões menos desenvolvidas. Essas medidas são essenciais para estimular o crescimento econômico e social nessas regiões e, assim, reduzir as desigualdades regionais e sociais.

Também aqui há de se aplicar a CF/88 quando tutela o desenvolvimento regional equilibrado e da redução das desigualdades sociais e regionais. No caso, o artigo 163, inciso VII, da CF/88, por exemplo, prevê que as instituições oficiais de crédito devem harmonizar suas funções com o desenvolvimento regional, enquanto o §7º do artigo 165, estabelece a diretriz do Plano Plurianual de reduzir as desigualdades inter-regionais com base em critérios populacionais. Além disso, o inciso VII, do artigo 170, da CF/88, ao tratar da política econômica e financeira do país, inclui a redução das desigualdades regionais e sociais como um dos objetivos a serem alcançados. É importante ressaltar que tais dispositivos não são meras declarações de intenções, mas sim deveres impostos à União, que deve implementar políticas públicas efetivas e eficazes para promover o desenvolvimento regional equilibrado e a redução das desigualdades sociais e regionais.

Como se vê, por longo tempo, a preocupação com o desenvolvimento regional e a redução das desigualdades entre as diversas regiões do país não é algo novo, sendo que o Brasil já vem adotando políticas de desenvolvimento regional há mais de cinco décadas. É importante destacar que essas políticas são fundamentais para assegurar que todas as regiões do país possam crescer de maneira justa e equilibrada, combatendo assim a concentração de renda e de poder econômico em poucas regiões. Na sua essência, os “incentivos fiscais especiais”, como mencionados no exemplo da reserva da “cota americana” para exportação de açúcar apenas para produtores do Nordeste e Norte, são uma importante ferramenta para estimular o desenvolvimento regional, uma vez que podem atrair investimentos e gerar empregos nessas regiões. 

Conclui-se que a redução das desigualdades regionais é um dever constitucional da União, conforme estabelecido na Constituição, e que essa política integrativa da nação brasileira é fundamental para garantir o desenvolvimento sustentável e equilibrado do país. A utilização de “incentivos fiscais especiais” é uma ferramenta importante para a redução das disparidades regionais e deve ser aplicada de forma racional e eficaz. Cabe ao STF, como guardião da Constituição, garantir a aplicação dessas políticas públicas e a promoção da justiça e patriotismo em prol do desenvolvimento nacional.

Adalberto Arruda Silva Júnior é advogado do escritório Nelson Wilians Advogados, filial Recife, engenheiro florestal e ex-membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/PE.

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor