Alexandre Pimentel: Neocolonização de dados e ameaça algorítmica

A associação da tecnologia ao capitalismo converteu empresas provedoras de aplicações de Internet atuantes na área do comércio eletrônico e, sobretudo, as gestoras de redes sociais e pesquisas de conteúdos na rede, como as norte-americanas Google, Facebook, Instagram, Twitter, WhatsApp, Microsoft, Apple, Amazon, Uber, Airbnb, assim como a russa Telegram e as chinesas TikTok, Baidu, Alibaba, Tencent (WeChat), Huawei, Meituan Dianping e outras organizações do gênero, em poderosas e hegemônicas corporações de governança privada controladoras de dados pessoais de bilhões de usuários, incluindo dados sensíveis, e que estão a pôr em risco as próprias bases de sustentação da ideologia neoliberal do mundo ocidental, ao tempo em que, na China, acentuam os poderes de vigilância empresarial corporativa e, igualmente, do capitalismo digital estatal [1].

O processamento dessa infinita quantidade de dados, ou “onda de informações” confere aos sistemas de IA (inteligência artificial), em razão de suas panópticas onipresenças em nossas vidas, uma verdadeira e superpoderosa onisciência informacional, que é obtida através de uma mineração e interação constante dos dados representativos dos nossos pontos de preferências.

Por isso, com total razão, Krauze conclui que “estamos diante de um novo poder tecnocrático que aspira à onipresença e onisciência. Que decide por nós tanto nos aspectos de nossa vida pessoal como na gestão dos assuntos públicos que a democracia deposita em nós a respectiva decisão para cada cidadão” [2].

O poderio dessas plataformas digitais é tão grande que elas foram alçadas à condição de verdadeiros líderes globais, que impõem comportamentos humanos através de uma verdadeira governança cibernética privada [3].

Ana Frazão e Ana Medeiros, a propósito, detalham que essa governança é feita sob o falso argumento de representarem plataformas abertas de interação social, promotoras de novas oportunidades relacionais, e que idealizam comunidades democráticas, mas, na verdade, isso não passa de uma falácia que escamoteia um engenhoso sistema de controle social, posto que “[…] as plataformas normalmente impõem regras de moderação”. E controlam o ambiente em rede, porque adotam “[…] políticas sobre o que pode ou não ser publicado, assim como mecanismos que assegurem a efetividade de tais políticas. Daí a conclusão de que, em casos assim, tais agentes constituem estruturas de governança privada” [4].

Acerca do poderio das empresas que comandam as aplicações de internet, Morozov demonstra que “nos primeiros seis meses de 2017, quatro grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos  Alphabet (Google), Amazon, Microsoft e Facebook  viram suas ações nas bolsas de valores alcançarem um valor maior que o PIB da Noruega, um país rico em petróleo” [5].

E por conta dessa excessiva concentração de poder em monopólios corporativos tecnológicos, que atuam regidos apenas pelo paradigma do laissez-faire, isto é, pelo dogma do “deixar-fazer”, que simboliza o ultraliberalismo econômico, no qual os mercados devem funcionar livres de qualquer regulamentação estatal, faz com que o panorama atual mais se assemelhe a uma espécie de feudalismo digital pragmático (tecnofeudalismo) que põe em risco a cultura democrática, porquanto “Extremamente tecnocrata em seu âmago, essa corrente sustenta que a democracia talvez tenha tido a sua época […]” [6].

Pixabay

Com efeito, há uma concentração de poderes informacionais sob o controle de poucas corporações digitais, que cresce constantemente na exata proporção do aumento e do acúmulo de informações pessoais e que denuncia um sério risco de consolidação irreversível de monopólios e oligopólios empresariais eivados por um neoautoritarismo desregulamentado que, em seu conjunto, instauram uma nova fase pós-colonial da qual advém um neocolonialismo de dados que impõe uma adesão coercitiva massiva dos indivíduos ao sistema de governança digital [7].

A neocolonização de dados caracteriza-se como um sistema de arregimentação individual baseada na imposição de uma irrenunciável convivência humana grupal-digital. Nesse sistema os indivíduos são impelidos a concordar com os termos e condições de uso das aplicações de Internet, sob pena de não serem admitidos na comunidade digital, pois quem não está no mundo digital, simplesmente, está excluído das relações sociais.

A limitação de acesso à Internet pelas pessoas de baixa renda no Brasil bem retrata o abismo da exclusão digital e de como o sistema de neocolonização de dados faz adeptos e os domestica, pois vários pacotes de dados que são oferecidos pelas operadoras de telefonia garantem o acesso ilimitado às aplicações que monopolizam as redes sociais, como Facebook, WhatsApp etc., porém com curtíssima capacidade de acesso a outras aplicações [8].

Assim, quando os dados são consumidos, os usuários ficam impedidos de acessar outros espaços distintos, mas navegam “livremente” nessas redes sociais e, nelas, são panopticamente controlados e modulados. Decerto, navegam, apenas, dentro das bolhas das aplicações de Internet nas quais são aprisionados.

Em suma, conclui-se que, lamentavelmente, o modelo de sociedade digital constituído na atualidade está dividindo a sociedade, acentuando as diferenças sociais, incluindo as de gênero, étnicas, etárias e sexuais, tudo como consequência de uma eficaz modulação comportamental que denuncia o excesso de concentração de poder cibernético nas mãos de poucos, sem qualquer precedente na história da humanidade, fato que exige uma urgente regulamentação sobre a atuação das plataformas digitais no território brasileiro.

Alexandre Freire Pimentel é professor doutor da Unicap (Universidade Católica de Pernambuco), da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e desembargador do TJ-PE (Tribunal de Justiça de Pernambuco).

Consultor Júridico

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