Ana Beatriz Fernandes Peres: RET em condomínio de lotes

Nos termos do artigo 28 da Lei nº 4.591/64, denominada Lei de Condomínio em Edificações e Incorporações Imobiliárias, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de fazer construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. Ou seja, em síntese, a incorporação imobiliária clássica pressupõe a constituição de condomínio edilício [1].

O artigo 68 da mesma lei determina que a atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento ou loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas, caracteriza também incorporação imobiliária. Neste caso, trata-se da figura da incorporação de casas, ampliando a figura clássica de incorporação para determinar que a incorporação imobiliária pode consubstanciar-se tanto em edifício quanto em casas[2].

Noutro ponto, regido sob a Lei nº 6.766/79, a Lei de Parcelamento de Solo Urbano, o loteamento configura-se pela subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos, modificação ou ampliação das vias existentes. Nessa legislação, o loteador ficou de fora da categoria de incorporadores e, portanto, não está suscetível ao seu regime.

Ademais, a Lei nº 13.465/2017 alterou o artigo 1358-A do Código Civil, para regularizar o condomínio de lotes, outra figura que corresponde a nada mais que um condomínio edilício, cujas unidades autônomas são terrenos aptos a serem edificados por seus adquirentes [3]. Ainda, diferente do loteamento, nele há regime de condomínio, com áreas comuns, das quais os condôminos possuirão frações ideias.

Note-se que a entrega do condomínio de lotes não exige a entrega de uma unidade pronta, e sim, de um lote apto a construção, nesse tocante, a figura assemelha-se ao loteamento.

Após, com o advento da Lei nº 14.382/2022, houve, para que não restassem dúvidas, a equiparação do condomínio de lotes ao condomínio edilício [4], objeto da incorporação imobiliária clássica, sendo, então, ambos suscetíveis ao regime da incorporação imobiliária e, consequentemente, da adesão ao Regime Especial de Tributação.

O RET é aplicável às incorporações imobiliárias, em caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador perante os adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação. É o que se extrai do artigo 1º da Lei nº 10.931/04.

Para cada incorporação submetida ao RET, a incorporadora ficará sujeita ao pagamento equivalente a 4% (quatro por cento) da receita mensal recebida, a qual corresponderá ao pagamento mensal unificado de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

Para muitas incorporadoras a adoção ao regime é muito benéfica. Apenas para fins comparativos, “uma incorporação imobiliária tributada no lucro presumido paga entre 5,93% e 6,73% de tributos federais sobre o faturamento. No lucro real a tributação fica, grosso modo, entre 33,25% e 43,25% do lucro do empreendimento” [5].

Feitos tais esclarecimentos, no início deste ano, a Receita Federal, na Solução de Consulta nº 24/2023, direcionada ao Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), exarou entendimento tornando nebulosa a temática acerca da aplicação do RET em condomínio de lotes.

Na consulta, a Receita determinou:

“A partir de 28 de junho de 2022, o parcelamento do solo mediante loteamento caracteriza a incorporação imobiliária, para fins de adesão ao Regime Especial de Tributação (RET) instituído pelos artigos 1º a 10 da Lei nº 10.931, de 2004, desde que sejam atendidos os requisitos da legislação de regência, entre os quais se destaca a vinculação da atividade de alienação de lotes integrantes do loteamento à construção de casas isoladas ou geminadas, promovida por uma das pessoas indicadas no artigo 31 da Lei nº 4.591, de 1964, ou no artigo 2º-A da Lei nº 6.766, de 1979. SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 196, DE 5/08/2015 [6].

Não se pode olvidar que o condomínio de lotes, em sua essência, não tem por finalidade a entrega de casas, e sim a entrega de lotes aptos a construção. Quem efetivamente construirá no lote é o adquirente. A equiparação ao condomínio edilício já restava sedimentada desde o advento da Lei nº 13.465/2017.

Entretanto, na contramão da referida lei, a resolução parece vincular o RET apenas a incorporação clássica, edilícia (do artigo 28 da Lei nº 4.591/64) ou a incorporação de casas, isoladas ou germinadas (do artigo 68 da Lei nº 4.591/64), deixando de fora, por consequência, o condomínio de lotes.

Com isso, em que pese a vigência das Leis nº 13.465/2017 (que alterou o conceito de incorporação imobiliária) e nº 14.382/2022 (que equiparou o condomínio edilício ao condomínio de lotes), a Solução de Consulta parece confundir conceitos e institutos gerando forte insegurança jurídica aos incorporadores de condomínio de lotes, com o receito de autuação pela Receita Federal.

Em tempos nebulosos, as empresas precisam buscar soluções jurídicas, contábeis e negociais para reduzir o risco de uma autuação surpresa. Nesta senda, utilizar instrumentos intrínsecos a atividade de incorporação imobiliária, configura-se uma boa medida preventiva.

Cumpre rememorar que é de praxe no mercado imobiliário a constituição de Sociedades de Propósito Específico (SPE) ou de Sociedades em Conta de Participação (SCP) para facilitar o processo de construção de novos empreendimentos.

A Sociedade de Propósito Específico (SPE) é pessoa jurídica com a finalidade única de executar um determinado empreendimento ou desenvolver um projeto específico [7]. Em contrapartida, a SCP (sociedade em conta de participação) não possui personalidade jurídica e consubstancia-se, basicamente, na união de duas ou mais pessoas para determinado fim. Nesta, em regra, há a figura do sócio ostensivo, que se obriga perante terceiros. Ainda, ambas as sociedades podem ser constituídas por prazo determinado ou indeterminado.

As SPEs são consideradas um instrumento imprescindível de planejamento tributário, seu uso não se trata apenas de um planejamento tributário por conta da segregação dos empreendimentos, mas também da segurança obtida para investidores e sócios por meio da independência patrimonial [8].

Na mesma linha, rememora-se que o artigo 1º da Lei nº 10.931/2004 dispôs expressamente que o incentivo fiscal do RET tem sua vigência enquanto não cessarem os direitos de crédito ou obrigações do incorporador perante os adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação.

Em complemento à legislação, a Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa nº 1.435/2013, que revogou a Instrução Normativa nº 934/2009 e introduziu novos requisitos adicionais para adesão ao RET.

Ocorre que a norma instituidora do RET não prescreve em nenhum de seus dispositivos sobre o término da vigência do benefício fiscal. Diante dessa lacuna, torna-se nebuloso o que configura a conclusão do empreendimento, para fins de vigência do RET, utilizar-se-á o fim do patrimônio de afetação, a constituição do condomínio, a entrega das unidades imobiliárias ou dos lotes aptos a construção [9].

Sem dúvida, o receio da Receita ao posicionar-se de forma restritiva a aplicação do RET respalda-se na utilização indevida de seus benefícios por mais tempo do que, de fato, durou a atividade de incorporação, gerando, por consequência, prejuízos ao órgão arrecadador.

Aos incorporadores, faz-se necessário adotar medida preventivas: a previsão de prazo determinado para entrega das áreas comuns do condomínio de lotes, inclusive, com fixação de prazo de tolerância, em equivalência a incorporação imobiliária clássica, além da constituição da SPE ou SCP com prazo determinado, com devida previsão do prazo no estatuto, em caso de SPEs, soam bons instrumentos a evidenciar a natureza jurídica de incorporação no condomínio de lotes e a regularidade da incorporadora, constituindo defesa em caso de injusta autuação pela Receita Federal.


[4] §2º. Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes: I – o disposto sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação urbanística; e II – o regime jurídico das incorporações imobiliárias de que trata o Capítulo I do Título II da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o empreendedor ao incorporador quanto aos aspectos civis e registrários.

Consultor Júridico

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