A Transparência Internacional – Brasil publicou em 31 de julho de 2023 o relatório da pesquisa 10 Anos de Lei Anticorrupção no Brasil: A Percepção dos Profissionais [1], feita entre 12 e 28 de julho.
Apesar de eventual viés [2] — principalmente porque a pesquisa levou em consideração o porte das empresas e não necessariamente a atividade econômica desempenhada e/ou sensibilidade regulatória à corrupção [3] —, os resultados trazem conclusões interessantes:
1) imaturidade dos sistemas de integridade das empresas e falta de vigor no balizamento de comportamentos dos agentes (91% dos entrevistados) [4];
2) efeitos positivos das operações anticorrupção (impacto nos sistemas de integridade de 93% dos entrevistados e diminuição da sensação de impunidade para 83% deles);
3) hoje, estagnação e queda do enforcement dos órgãos de investigação para 72% dos entrevistados [5]; e
4) importância da moldura legal (uma mudança na Lei das Estatais enfraqueceria o compliance para 71% dos entrevistados e a entrada no Brasil na OCDE poderia elevar os padrões gerais de compliance para 87% deles).
Analisando tais conclusões, a nosso ver, há a seguinte conjuntura: do lado regulatório, a percepção de uma institucionalidade frouxa (reforçada pela memória das operações anticorrupção que aqueceram este mercado) e, do lado dos agentes privados, há certa reatividade do setor de compliance (que nas propostas de amadurecimento repete as primeiras linhas de qualquer cartilha de governança [6]).
Isto é, é inegável que houve aprendizagem em nada desprezível [7], mas o setor parece depender de choques para avançar — como se fosse necessária uma externalidade, uma outra operação lava jato [8] ou a entrada do Brasil na OCDE [9].
Os sinais que permitem uma conclusão nesse sentido estão exatamente no fato de medidas como autorregulação e de auditorias (internas) — que dependem da iniciativa e engajamento da empresa [10] e do ambiente de negócios[11] — figurarem bem abaixo da mediana no que diz respeito ao amadurecimento dos sistemas de integridade; isto ainda reforçado pelo significativo número de entrevistados que não responderam ou não sabiam sobre o que mais colaboraria para tal amadurecimento (19%). Um dos sintomas disso seria a pesquisa não mencionar, por exemplo, a importância estratégica da cadeia de valor como medida para o amadurecimento do ambiente.
Além disso, a complexidade regulatória com multiplicidade de regramentos [12] e de autoridades (por exemplo, a Controladoria-Geral da União (CGU), Banco Central do Brasil (BCB), Comissão de Valores Mobiliários (CVM), apenas para permanecer em nível federal) é um fator relevante e estaria embutido no que seria a rubrica “custo Brasil” [13]. De um lado, isso mantém o compliance ocupado com “reports” e reduzido a uma função cartorial e, de outro lado, impossibilita a adesão de pequenas e médias empresas (PMEs) [14], o que de fato é uma causa para a permanência da alegada “imaturidade” do ambiente como um todo.
Ao lado das PMEs e em posição análoga à da União em relação às empresas de grande porte, temos os Municípios. Entendemos que estes entes federativos podem ser estratégicos na implementação local de práticas de integridade através de regulamentação local da Lei Anticorrupção pois, ao fazê-lo, trazem as PMEs para o compliance.
Assim, a análise crítica dos dados produzidos pela pesquisa nos subsidia com pistas, ideias e conjecturas que podem nos guiar de modo decisivo nestes próximos dez anos de vigência da Lei Anticorrupção, construindo um ambiente que qualifica as relações entre Estado e empresas.
Referências
ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO. Roadmap for the OECD accession process of Brazil. Disponívem em <https://www.oecd.org/latin-america/Roadmap-OECD-Accession-Process-brazil-EN.pdf> Acesso em 06 ago 2023.
LIMA, Márcia. “O uso da entrevista na pesquisa empírica”. In ABDAL, Alexandre et al. (Orgs.). Métodos de pesquisa em Ciências Sociais: Bloco qualitativo. São Paulo: Sesc/CEBRAP, 2016, pp. 24-41.
TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL & QUAEST. 10 anos de Lei anticorrupção no Brasil: Percepção dos profissionais. Julho de 2013. Disponível em <https://comunidade.transparenciainternacional.org.br/10-anos-lei-anticorrupcao> Acesso em 06 ago 2023.
WARDE, Walfrido; SIMÃO, Valdir Moisés. Leniência – Elementos do Direito da Conformidade. São Paulo: Contracorrente, 2019.
André Jorgetto é advogado, graduado em Direito pelo Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (FD/USP), graduando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma instituição (FFLCH/USP) e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP.