Em 2000, uma decisão em um caso antitruste nos Estados Unidos contra a Microsoft ajudou a estabelecer as regras de concorrência para o gigante digital da época.
Na ocasião, um juiz federal afirmou que a Microsoft havia abusado do poder de monopólio de seu sistema operacional Windows e ordenou que a empresa fosse dividida.
A divisão foi revertida com uma apelação, mas as principais resoluções jurídicas foram mantidas. E a Microsoft foi proibida de impor contratos restritivos a seus parceiros da indústria e obrigada a abrir parte de sua tecnologia para terceiros —impedindo a empresa de controlar a internet sozinha.
Mais de duas décadas depois, uma decisão em outro caso antitruste, agora contra o Google, promete estabelecer novas regras para a indústria de tecnologia. O juiz Amit P. Mehta, do Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito de Columbia, concluiu na segunda-feira (5) que o Google violou as leis antitruste ao sufocar rivais com o seu mecanismo de busca na internet para proteger seu monopólio.
A derrota do Google pode ter grandes consequências para a concorrência. Reguladores dos EUA também acusaram a Apple, a Amazon e a Meta de violar as leis antitruste ao favorecer seus próprios produtos nas plataformas que administram e também adquirir rivais menores.
A decisão contra o Google, e as possíveis punições a serem definidas por Mehta, provavelmente pesarão fortemente nesses casos, incluindo um segundo processo contra o Google por sua estratégia de anúncios, que está programado para ir a julgamento no próximo mês.
“(A decisão é) um indicativo do que outros tribunais podem fazer”, afirmou Rebecca Haw Allensworth, professora de direito da Universidade Vanderbilt que estuda a legislação antitruste. “Você também pode esperar que outros juízes leiam esta resolução e sejam influenciados por ela.”
A influência do caso antitruste da Microsoft foi relevante na decisão contra o Google. No julgamento de 277 páginas de Mehta, a Microsoft apareceu em 104 páginas, tanto como um rival do Google quanto como um precedente legal. O Google disse que vai apelar da decisão.
Após anos sem ser muito aplicado, os casos de antitruste decolaram nos últimos anos, primeiro sob a administração Trump e depois sob o presidente Joe Biden. Os chefes deste setor no Departamento de Justiça e na Comissão Federal de Comércio, Jonathan Kanter e Lina Khan, processaram outros gigantes da tecnologia sob alegações de que são monopólios envolvidos em comportamento corporativo ilegal.
Todos esses casos dependem do Ato Antitruste Sherman, do século 19, que torna ilegal para um monopólio engajar-se em condutas corporativas para frustrar a concorrência. Mas essa lei, projetada para empresas como a Standard Oil, enfrenta o desafio contínuo de ser aplicada em um ambiente industrial diferente para a nova tecnologia de sua época. E ambas as agências testaram a lei aplicando novos argumentos legais quando se trata dos gigantes da tecnologia.
Sem um caso de destaque, “a lei estagnará”, disse Kanter em um discurso em 2022. “O Congresso projetou a lei antitruste para ser aplicada nos tribunais.”
Nos anos 1990, a Microsoft era a plataforma digital dominante, com seu software Windows controlando a experiência dos usuários em mais de 90% dos computadores pessoais. Hoje, o Google tem um domínio comparável na busca na internet.
Isso mudou para a Microsoft depois que um juiz decidiu que ela era um monopólio. Os reguladores haviam movido a ação depois que o gigante do software lançou uma campanha para tentar esmagar uma empresa iniciante, a Netscape, empresa que se tornou famosa pelo navegador de internet.
A Microsoft intimidou os fabricantes de PCs com contratos que efetivamente os impediam de oferecer o navegador Netscape. No final, a Microsoft foi proibida de restringir, em seus contratos, a liberdade dos fabricantes de PCs de oferecer outros softwares, e foi forçada a abrir parte de sua tecnologia. O tempo, dinheiro e atenção da administração gastos, bem como a opinião pública adversa, alguns especialistas em antitruste dizem, tiveram um efeito dissuasor, moderando o comportamento da empresa.
Isso impediu a Microsoft de controlar o desenvolvimento da internet, disse Fiona Scott Morton, professora de economia na Escola de Administração da Universidade de Yale.
“O objetivo é abrir um caminho para a inovação futura”, disse Fiona.
Na segunda-feira, Mehta concluiu que o Google havia violado a lei por meio de seus acordos exclusivos com a Apple, outros fabricantes de dispositivos e empresas de navegadores para tornar o motor de busca do Google a seleção automática.
Mehta elogiou a empresa por sua habilidade de engenharia e investimento em busca. “(Mas o Google) tem uma vantagem importante, em grande parte invisível, sobre seus rivais: distribuição padrão.”
A decisão contra o Google é significativa porque “aplica às grandes plataformas de tecnologia a noção de que, embora você possa ser dominante, não pode abusar dessa dominância”, disse Bill Baer, ex-alto funcionário antitruste do Departamento de Justiça.
Folha Mercado
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Ao contrário da Microsoft, o Google é uma empresa 100% de internet com um modelo de negócios muito diferente, dependendo principalmente de publicidade em vez de licenciamento de software.
No caso do Google, assim como no da Microsoft, o tribunal concluiu que os contratos excluíam ilegalmente os rivais. Os acordos do Google ofereciam pagamentos generosos aos parceiros da indústria em vez de ameaças. O Google pagou a empresas de smartphones e fabricantes de navegadores mais de US$ 26 bilhões em 2021, segundo depoimento no tribunal, para configurar seu software para ser o padrão em consultas de busca.
No caso do Google, os dados foram descritos como um ativo vital. Quanto mais consultas de usuários passam pelo motor de busca, mais dados são coletados e depois aproveitados para melhorar os resultados de busca, atraindo ainda mais usuários e gerando mais dados.
“Em cada estágio do processo de busca, os dados dos usuários são uma entrada crítica que melhora diretamente a qualidade”, afirmou Mehta.
Os acordos de distribuição multibilionários do Google garantiram que a empresa tivesse uma enorme vantagem de dados na busca, afirmou o governo. No processo também foi apresentado estudos em economia comportamental que concluíram que as pessoas raramente mudavam as configurações automáticas, mesmo que fazê-lo não fosse uma tarefa técnica assustadora. O comportamento do consumidor não era forçado, mas fortemente direcionado pelo poder das configurações padrão.
Em sua decisão, Mehta apontou para “o poder das configurações padrão”. Ele citou e concordou com uma testemunha especialista do governo: Antonio Rangel, professor de neurociência, biologia comportamental e economia no Caltech, que testemunhou que a “grande maioria” das buscas era feita por hábito.
No tribunal, o Google rebateu e disse que seu motor de busca era o líder porque era um produto superior; que os dados eram importantes, mas o software inteligente era sua verdadeira vantagem; e que seus contratos eram acordos livremente firmados por seus parceiros da indústria.
Mas o Google teve dificuldade para justificar de forma convincente por que pagava tanto para obter distribuição preferencial se seu software de busca era claramente a melhor tecnologia. Esses pagamentos faziam sentido, insistiu o governo, para garantir que o Google fosse o vencedor, com seu monopólio.
“É assim que o governo contou o seu ponto de vista, e é bastante convincente”, disse Herbert Hovenkamp, especialista em antitruste da Escola de Direito Carey da Universidade da Pensilvânia.
Agora, Mehta decidirá quais medidas corretivas serão ordenadas para abrir o mercado de busca para maior concorrência e novos personagens interessados em entrar neste mercado.
Mesmo antes de sua decisão, especialistas em antitruste fizeram uma série de recomendações. Elas vão desde proibir o Google de firmar acordos exclusivos para distribuição de busca e compartilhar seus dados de busca com concorrentes até separar o navegador Chrome do Google ou seu sistema operacional móvel Android.
“Este é o primeiro caso significativo de monopolização contra uma das empresas digitais dominantes — é superimportante nesse sentido”, comentou Nancy Rose, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts.