O tribunal mais alto da União Europeia decidiu nesta terça-feira (10) por uma grande vitória na campanha de anos do bloco para regular a indústria da tecnologia, ao recusar recursos de multas aplicadas contra a Apple e o Google em dois casos históricos.
No caso da Apple, o tribunal apoiou uma ordem da União Europeia de 2016 para que a Irlanda cobrasse 13 bilhões de euros (cerca de R$ 80,1 bilhões) em impostos não pagos pela empresa. Já o Google teve negado um pedido para anular uma decisão da comissão de 2017 de multar a empresa em 2,4 bilhões de euros (R$ 14,8 bilhões) por dar tratamento preferencial nos resultados de busca da empresa em detrimento dos concorrentes.
As decisões, emitidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, foram vistas como um teste importante dos esforços na Europa para reprimir as maiores empresas de tecnologia do mundo. Apple e Google têm sido alvos frequentes dos reguladores da UE, e as empresas têm lutado contra os casos por anos.
Os órgãos reguladores determinaram que a Apple fez acordos ilegais com o governo irlandês que permitiram à empresa pagar uma quantia ínfima em impostos sobre seus negócios europeus em alguns anos.
A Apple venceu uma decisão anterior para anular a ordem, decisão que foi contestada pela Comissão Europeia, o braço executivo da UE, junto ao Tribunal de Justiça. À medida que o caso tramitava pelo processo de apelação, os 13 bilhões de euros foram colocados em uma conta de depósito. Com a decisão dessa terça-feira, o dinheiro agora será liberado para a Irlanda, uma injeção considerável no tesouro do país.
A Apple disse que a decisão efetivamente permitiu que a União Europeia impusesse um imposto duplo sobre a renda da empresa que já é tributada nos Estados Unidos.
“Este caso nunca foi sobre quanto imposto pagamos, mas para qual governo somos obrigados a pagá-lo”, afirmou a Apple em um comunicado na terça-feira. “A Comissão Europeia está tentando mudar retroativamente as regras e ignorar que, conforme exigido pela lei tributária internacional, nossa renda já estava sujeita a impostos nos EUA.”
No caso do Google, a empresa já havia recorrido da decisão em 2021, mas também havia perdido. Após a nova recusa nesta terça, a companhia emitiu um comunicado em que disse estar “desapontada” com a decisão. A empresa informou que já havia ajustado seus produtos para cumprir a decisão de 2017, incluindo novos designs para direcionar os consumidores a sites rivais de comparação de preços, mas parte dos concorrentes apontaram que as mudanças do Google não foram suficientes.
“Nossa abordagem funcionou com sucesso por mais de sete anos, gerando bilhões de cliques para mais de 800 serviços de comparação de preços”, disse o Google no comunicado.
Quando a União Europeia penalizou a Apple e o Google, os casos representaram uma mudança significativa na forma como a indústria de tecnologia era regulamentada. Até então, governos ao redor do mundo haviam adotado uma abordagem de não-intervenção na supervisão tecnológica, enquanto Apple, Google, Amazon e Facebook —agora renomeado Meta— cresciam em tamanho e remodelavam a forma como as pessoas vivem, trabalham, compram e se comunicam.
Os casos ajudaram a estabelecer a União Europeia e sua chefe antitruste, Margrethe Vestager, como a mais agressiva vigilante da indústria de tecnologia do mundo. Outros países seguiram o exemplo da Europa para intensificar o escrutínio das práticas comerciais do setor, particularmente nos Estados Unidos.
No entanto, anos depois, os casos também simbolizam o ritmo lento do sistema regulatório da UE e levantaram questões mais amplas sobre se as autoridades podem acompanhar o setor de tecnologia em rápida evolução.
Os dois casos abordam questões legais diferentes. O ação contra o Google é com base na lei antitruste, enquanto o processo contra Apple se centra na capacidade da União Europeia de intervir em áreas de política tributária em uma de suas nações membros.
Vestager comemorou as decisões do tribunal nesta terça-feira. Ela disse que ficou tão surpresa com a decisão da Apple que chorou porque a comissão havia perdido o recurso anterior. Ela acrescentou que o caso do Google deveria ser lembrado por iniciar uma nova era da lei antitruste para a economia digital, fornecendo um modelo para outros reguladores.
“Este caso marcou uma mudança crucial na forma como as empresas digitais eram regulamentadas e também percebidas”, afirmou. “Antes deste caso, a crença predominante era que as empresas digitais deveriam ser deixadas para operar livremente.”
O caso da Apple colocou a Irlanda na posição incomum de coletar relutantemente 13 bilhões de euros da gigante tecnológica. O governo irlandês disse em um comunicado na terça-feira que não deu tratamento fiscal preferencial à Apple, mas observou que já havia feito mudanças em suas leis tributárias. “O caso da Apple envolveu uma questão que agora é apenas de relevância histórica”, disse o governo.
OUTROS QUESTIONAMENTOS JURÍDICOS
Apple e Google estão enfrentando escrutínio legal adicional em outros continentes, além da Europa. Nesta semana, o Google enfrenta no tribunal federal dos EUA acusações antitruste apresentadas pelo Departamento de Justiça, que afirmou que a empresa abusou de seu domínio no setor de publicidade digital.
No mês passado, um juiz federal decidiu em um caso separado que o Google agia como um monopólio na busca na internet porque havia manipulado o mercado de motores de busca. Em dezembro, um júri federal disse que a gestão do Google da loja de aplicativos Google Play também havia violado as leis antitruste.
A Apple também enfrenta um processo antitruste do Departamento de Justiça sobre suas políticas para o iPhone.
GOOGLE RECORRE CONTRA OUTRAS MULTAS
Na Europa, o Google está apelando de outros dois casos antitruste além do caso de compras. Em 2018, os reguladores multaram a companhia em 4,34 bilhões de euros (R$ 26,74 bilhões) por violar as leis antitruste para fortalecer seu sistema operacional Android. Em 2019, a empresa foi multada em 1,49 bilhões de euros (R$ 9,18 bilhões) por práticas comerciais desleais no mercado de publicidade digital.
Folha Mercado
Receba no seu email o que de mais importante acontece na economia; aberta para não assinantes.
A Apple também enfrenta acusações da UE relacionadas à sua gestão da loja de aplicativos e políticas no mercado de streaming de música.
O prolongado processo de apelação da União Europeia tem atraído críticas de grupos de defesa dos direitos dos consumidores e empresas rivais que argumentam que o ritmo lento ajudou as duas gigantes da tecnologia a solidificar suas posições dominantes no mercado.
A União Europeia está tentando acelerar seu tratamento de casos de concorrência. Em 2022, o bloco aprovou uma lei chamada Lei dos Mercados Digitais, que aumenta a autoridade dos órgãos reguladores para multar grandes plataformas tecnológicas e forçá-las a mudar suas práticas comerciais.