Primando pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e, sobretudo, pelo princípio da individualização da pena, a CGU (Controladoria-Geral da União) criou ferramenta para o cálculo da multa prevista no artigo 6º, inciso I, da Lei nº 12.846/ 2013, referente à responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração pública, nacional ou estrangeira, ou seja, à Lei Anticorrupção.
Dentre os atos lesivos à Administração, o legislador dedicou atenção especial às licitações e aos contratos, tipificando (artigo 5º, inciso IV) as seguintes condutas: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo.
Sucede que a individualização da pena pela sua dosimetria não é tarefa simples para o operador do Direito. Exige não só conhecimento técnico e jurídico, mas também sensibilidade às circunstâncias do caso concreto. É, sem dúvidas, tarefa complexa.
De tal sorte, a calculadora de Multa de Procedimento Administrativo de Responsabilização (PAR) se apresenta como instrumento de muita utilidade para a prática do Direito Administrativo Sancionador, inclusive para fins de maior controlabilidade, considerando que nela foram inseridos os seguintes critérios: parâmetros do Decreto nº 11.129/2022, referente à regulamentação da Lei Anticorrupção; agravantes e atenuantes previstos, respectivamente, nos artigos 22 e 23 da lei; limites mínimo e máximo da multa; e julgamento conforme Portaria nº 19/2002, referente ao procedimento de julgamento antecipado de PAR.
No nosso sentir, a aplicação de multa em PAR — sem a utilização da multicitada calculadora — sinalizará relevante indício de que o ato sancionador carece de motivação, leia-se também fundamentação, razão pela qual anulável.
Por oportuno, frise-se que o simples preenchimento dos parâmetros da calculadora não deverá ser suficiente para que o ato sancionador (no caso, a multa) seja considerado fundamentado. É dizer, se o campo da vantagem indevida auferida for preenchida com o valor de R$ 1 milhão, tal valor deve objeto de motivação explícita, cuja conclusão pressupõe rigorosa observância aos postulados do contraditório e da ampla defesa.
Nessa senda, a CGU editou, ainda, manual intitulado “Sugestão de escalonamento das circunstâncias agravantes e atenunantes” com orientações para a devida utilização da calculadora de multa de PAR.
Por exemplo, no que se refere ao critério “interrupção no fornecimento de serviço público ou na entrega de bens ou serviços essenciais à prestação de serviços públicos”, assim se escalonou: i) se não houver interrupção no fornecimento do serviço público, o percentual deverá ser zero; ii) se houver interrupção no fornecimento de serviço público por período de até 1 (uma) semana ou com impacto na circunscrição de vila ou povoado, deverá ser de 1% (um por cento); iii) se houver interrupção no fornecimento de serviço público por período de até duas semanas ou com impacto em toda circunscrição de cidade com até quinhentos mil habitantes, deverá ser de 2% (dois por cento); iv) se houver Interrupção no fornecimento de serviço público por período de até três semanas ou com impacto em toda circunscrição de cidade com mais de quinhentos mil habitantes ou Estado, deverá ser de 3%; e v) se houver interrupção no fornecimento de serviço público por período superior a quatro semanas ou com impacto na circunscrição de dois ou mais Estados ou cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser de 4%.
Percebe-se, pois, que a discricionariedade por parte da Administração na dosimetria da multa em PAR deverá se tornar mais transparente, e consequentemente mais suscetível de controlabilidade, inclusive na seara jurisdicional sob o prisma da legalidade, o que contribuirá para a busca da tão almejada segurança jurídica inerente ao Estado democrático de Direito.
É louvável, portanto, a criação da CGU. Logo, espera-se que a calculadora de multa de PAR seja amplamente difundida e aplicada pela Administração, o que não vem ocorrendo, no entanto, com sua irmã mais velha: a calculadora de penalidade administrativa contra servidores públicos.
Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração, sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).
Raphael Guimarães é advogado e sócio do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados, com larga experiência na área de contratação pública.