A rivalidade político-partidária gera um ambiente propício à troca de críticas, do qual o Poder Judiciário deve se mantar afastado, desde que não haja abusos. Porém, por entender que a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) extrapolou limites ao postar nas redes sociais fotomontagem de Manuela d’Ávila com chifres na cabeça, com a inserção da expressão “esquerda genocida”, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a condenou a indenizar a ofendida em R$ 20 mil por dano moral.
O desembargador Túlio de Oliveira Martins classificou de fake news a postagem da parlamentar assumidamente bolsonarista. “A ampla circulação de imagens fraudulentas e notícias falsas com nítido potencial de enganar os cidadãos que a visualizaram deve ser sancionada pelo Judiciário e, no caso, considerando o conteúdo da publicação, percebe-se que o intuito da ré era influenciar negativamente o pensamento dos cidadãos contra a demandante utilizando-se de uma montagem fotográfica.”
Relator da apelação interposta por d’Ávila, Martins votou pela reforma sentença do juiz Juliano da Costa Stumpf, da 2ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, que julgou a ação improcedente. “Entre adversários políticos, críticas, mesmo que ácidas e severas, fazem parte da disputa eleitoral e não justificam a intervenção do Poder Judiciário. Entretanto, tal liberdade não pode servir de salvaguarda para a disseminação de discursos de ofensa à imagem de uma das partes”, frisou o desembargador.
Em sessão telepresencial realizada na quinta-feira (13/4), os desembargadores Jorge Alberto Schreiner Pestana e Marcelo Cezar Müller seguiram o relator. Filiada ao Partido Comunista do Brasil, a recorrente exerceu mandatos de deputada federal e estadual, sendo candidata à vice-presidente da República nas eleições de 2018, na chapa de Fernando Haddad (PT). Conforme o colegiado, “no caso em tela, a montagem extrapolou o bom senso crítico e desvirtuou a imagem da autora de forma intencional”.
Também consta do acórdão que, ao expor fatos e publicar opiniões, qualquer pessoa deve ter o cuidado de não cometer abusos, tais como emitir afirmações de caráter injurioso ou inverídicas que venham a ofender a honra ou macular a imagem das pessoas. Segundo a autora, ela sofreu danos morais com a violação do direito à sua imagem, não podendo a conduta de Zambelli ser alcançada pela imunidade parlamentar por não possuir relação com o exercício do mandato.
Referência ao aborto
A fotomontagem foi postada por Zambelli no Instagram, Facebook e Twitter. Ela fez referência à decisão da Suprema Corte da Colômbia que julgou procedente o pedido de declaração da inconstitucionalidade do crime de aborto. Para a parlamentar, a sua publicação não produziu o alegado dano moral, possuindo natureza análoga a uma charge com o propósito de denunciar, criticar e satirizar. A deputada federal justificou que apenas respondeu às manifestações políticas da autora sobre a legalização do aborto.
O juiz reconheceu na sentença que a veiculação da imagem da autora nas redes sociais mantidas pela ré caracteriza ato ilícito, “na medida em que desnecessária a manipulação de sua imagem para o exercício do legítimo direito de crítica em relação à posição assumida pela ré diante de decisão de Corte Suprema sul-americana”. Porém, Stumpf julgou a demanda improcedente sob a fundamentação de que Manuela d’Ávila não produziu “demonstração mínima de prejuízo ou dano à sua imagem e reputação”.
Apelação Cível 5028378-47.2022.8.21.0001