As medidas protetivas de urgência da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), entre as quais a proibição de aproximação do agressor da vítima, exigem um contexto de violência com base no gênero. Porém, ainda que a pessoa ofendida não esteja abarcada por essa condição, ela não está desamparada pelo acervo jurídico brasileiro, podendo contar com a proteção da medida cautelar do artigo 319, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP).
Com base nesse entendimento, sem que ainda haja sequer inquérito policial instaurado, o juiz Alexandre Torres de Aguiar, da 1ª Vara Criminal de São Vicente (SP), aplicou a medida cautelar do CPP para proibir um homem de se aproximar de um vizinho de condomínio. A pessoa contra a qual foi aplicada a restrição é acusada de agredir com chutes um aposentado de 75 anos e dois cachorros da vítima. Câmeras de segurança do edifício registraram o ato de violência.
Aguiar estabeleceu em 50 metros a distância mínima a ser mantida pelo acusado da vítima. Em caso de descumprimento, o agressor terá a prisão preventiva decretada, conforme advertiu o juiz. A decisão foi tomada após a advogada do idoso, Tatiana La Scala Lambauer, requerer “a concessão de medida protetiva da lavra das que são concedidas a qualquer pessoa que se encontre na iminência de sofrer violência”.
Embora não tenha sido mencionado qualquer dispositivo legal no pedido, a citação de “medida protetiva” motivou o promotor Marcelo Perez Locatelli a associá-la à Lei Maria da Penha. O representante do Ministério Público sustentou que ao caso deveria ser aplicada a cautelar do artigo 319, III, do CPP, cujo efeito é análogo. Quanto ao pleito de abertura de inquérito para apurar os crimes supostamente cometidos pelo acusado, ele disse que requisitará à Polícia Civil a investigação do caso.
O julgador observou que a Lei Maria da Penha protege a mulher da violência cometida com base no gênero, mas reconheceu o cabimento da cautelar do CPP, diante do noticiado pela advogada. “Não se verificam presentes os pressupostos para aplicação da Lei Maria da Penha. Entretanto, considerando as peculiaridades do presente caso, há indícios nos autos suficientes para se concluir, ao menos em juízo de cognição sumária, que a conduta do agressor significa um constante risco à integridade física e moral da vítima”.
Tudo filmado
Após voltar de um passeio com os seus dois cães, o idoso foi chutado pelo vizinho e ameaçado. O acusado também desferiu pontapés nos cachorros, conforme filmagens de câmeras do edifício. Segundo a vítima, não houve qualquer justificativa para o ataque, que começou na porta do condomínio e prosseguiu até o elevador, apesar da intervenção do porteiro.
“As cenas causam indignação. O idoso também foi ameaçado de morte nesse dia. Ele está extremamente apavorado com a situação, evitando sair do apartamento, com sua rotina totalmente alterada, temendo encontrar o agressor e sofrer novas agressões. A vítima não sabe o porquê do ódio do acusado, que anuncia aos quatro ventos ser policial aposentado”, detalhou Tatiana Lambauer.
Segundo a advogada, em tese, foram cometidos os crimes de ameaça e de maus-tratos a animais, além da contravenção penal de vias de fato, por não terem sido produzidas lesões corporais no idoso.
Após a obtenção da gravação das câmeras, Tatiana requereu à Justiça a instauração de inquérito policial e a imediata aplicação de medida de proteção ao cliente. A manifestação favorável do MP e a decisão do juiz ocorreram na última quinta-feira (20/7). Nessa mesma data, o julgador determinou a intimação com urgência do acusado sobre a proibição de se aproximar da vítima.
Processo 1009147-09.2023.8.26.0590