O fato de o denunciado ser delegado ou agente da Polícia Federal não justifica a violação da garantia constitucional à intimidade e dos sigilos das comunicações para buscar a identificação do autor da denúncia anônima.
Assim, a 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro determinou o trancamento de um inquérito policial que apurava a suposta prática de calúnia por parte de um denunciante anônimo contra dois delegados e dois agentes da PF.
Na denúncia anônima enviada à PF e ao Ministério Público Federal, o homem alegou que os policiais haviam praticado os delitos de homicídio, omissão de socorro, prevaricação e condescendência criminosa. Ele narrou, por exemplo, a suposta intervenção de um dos delegados para acobertar um assassinato cometido por colegas da corporação.
A Corregedoria Regional da PF do Rio de Janeiro considerou que o relato não era razoável. Mais tarde, foi instaurado o inquérito contra o denunciante, para investigar a suposta apresentação de informações ou provas falsas de forma consciente.
A identidade do denunciante foi obtida a partir da análise dos metadados dos arquivos encaminhados. Sua defesa alegou à Justiça que tal medida configura quebra de sigilo e violação do direito ao anonimato garantido pela Lei 13.608/2018 para as pessoas que noticiam fatos possivelmente criminosos às autoridades.
Os advogados Marcio Cavalcante e Danielle Soares, do escritório Marcio Cavalcante Advocacia e Consultoria, também apontaram que não houve lesão à honra dos policiais federais, porque o conteúdo da denúncia anônima sequer foi divulgado. Por fim, argumentaram que o investigado não teve a intenção de caluniar.
O juiz Márcio Muniz da Silva Carvalho lembrou que a finalidade da lei de 2018 é a proteção da identidade do informante, para garantir sua segurança e incentivar o uso da denúncia anônima.
O magistrado explicou que tal mecanismo é usado justamente para que a população “não se veja repreendida ou ameaçada por conta da delação”. Assim, “a identificação do denunciante anônimo atenta contra a própria ideia de denúncia anônima”.
Por fim, ele lembrou que os policiais federais ficam naturalmente expostos à fiscalização pública. “É ônus do cargo público estar constantemente sujeito ao controle da sociedade”, assinalou.
De acordo com Cavalcante e Danielle, “é importante considerar que qualquer arbitrariedade que consiste na tentativa de identificação do denunciante,atenta contra a ideia de proteção e estímulo à delatio criminis inqualificada [nome oficial da denúncia anônima], que é um instrumento muito útil à polícia judiciária”.
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Processo 5058100-82.2023.4.02.5101