Por constatar falta de razoabilidade na decisão contestada, o desembargador Flávio Oliveira Lucas, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, derrubou neste sábado (29/4), em liminar, a ordem de suspensão do aplicativo de mensagens Telegram em todo o país.
Na mesma decisão, o magistrado manteve a multa pelo descumprimento da decisão que determinou à empresa o fornecimento dos dados de membros de dois grupos de propagação de ideias neonazistas. A sanção é de R$ 1 milhão por dia de atraso ou 5% do faturamento do grupo econômico no Brasil no último ano — o que for menor.
A suspensão das atividades do Telegram no país havia sido estipulada na última quarta-feira (26/4) pelo juiz Wellington Lopes da Silva, da 1ª Vara Federal de Linhares (ES).
Após recurso da empresa, o relator do caso no TRF-2 levou em conta que a decisão afetou a liberdade de comunicação de milhares de pessoas não relacionadas aos autos. O magistrado ainda destacou a impossibilidade de verificar se o Telegram de fato não possui os meios para cumprir a ordem judicial e fornecer todos os dados solicitados.
Para Lucas, não se pode dizer que a postura da empresa foi colaborativa, mas também não é possível afirmar que houve inércia. Parte das informações foi enviada dentro do prazo — ou seja, o Telegram ao menos “buscou verificar se suas informações haviam atendido à demanda”.
Quanto à multa, o desembargador indicou que “está, a princípio, adequada à envergadura e capacidade econômica da empresa impetrante”. Para ele, apenas a turma criminal que analisará o caso pode avaliar a proporcionalidade e adequação da sanção.
Críticas
Apesar da decisão, Lucas criticou o modelo de negócio do Telegram. Conforme ele, o aplicativo tem uma proposta de maximizar a privacidade do usuário e minimizar a coleta de dados. Porém, isso o torna “um campo fértil ao anonimato almejado não apenas por aqueles que pretendem preservar sua privacidade, mas também outros que tenham pretensões ilícitas e logicamente desejem realizá-las na mais completa clandestinidade”.
Na sua visão, a empresa não pode “oferecer ao público em geral, à guisa de lucrar, um produto que possa servir a praticas criminosas sem que se forneça às autoridades incumbidas das investigações mínima possibilidade de acesso ao corpo de delito”.
O Telegram alegou que é impossível localizar os grupos neonazistas somente pelo seu nome ou seus usuários e que o único dado exigido para cadastro na plataforma é o número de telefone.
De acordo com o desembargador, seria “inadmissível” eximir a empresa de qualquer solicitação judicial voltada à identificação de autores de práticas de crimes por meio do aplicativo, “ainda mais quando se trata de uma opção consciente da empresa em atuar dessa maneira e que eventualmente lhe serve inclusive como propaganda em relação a seus aplicativos concorrentes”.
Histórico
A investigação que resultou na suspensão do Telegram teve início a partir do massacre ocorrido em duas escolas de Aracruz (ES), em novembro do último ano. Um garoto de 16 anos matou a tiros três professoras e uma aluna, além de ferir outras 12 pessoas.
A Polícia Federal passou a apurar uma possível corrupção de menor de idade para induzi-lo a praticar o atentado, por meio do compartilhamento de material racista e antissemita e de instruções para ataques terroristas pelo Telegram.
Dados do celular do autor do massacre mostraram que ele integrava grupos extremistas no aplicativo, que divulgavam tutoriais de assassinato e fabricação de explosivos, vídeos de mortes violentas, ódio a minorias e ideias neonazistas. Por isso, a PF pediu à empresa a quebra do sigilo dos dados cadastrais dos usuários do canal e do chat antissemitas frequentados pelo menor.
No último dia 19, o juiz da 1ª Vara Federal de Linhares determinou que o Telegram entregasse as informações em até 24 horas. A empresa respondeu dentro do prazo, mas o magistrado entendeu que as informações eram insuficientes, pois continham apenas os dados do administrador de um dos grupos.
Em sua defesa, o Telegram alegou que não era possível obter os dados, pois os grupos foram encerrados há alguns meses. O juiz não se convenceu, determinou a suspensão do aplicativo até a entrega dos dados de todos os integrantes dos grupos e aumentou a multa por descumprimento.
A empresa, então, impetrou mandado de segurança e reiterou que os grupos foram removidos da plataforma antes do cumprimento da ordem judicial. Também afirmou que, quando um grupo ou canal é deletado, todos os membros são removidos e o acesso às mensagens e aos arquivos deixa de existir.
Além disso, o Telegram explicou que não coleta outros dados além do número de telefone para identificar os usuários. Por fim, alegou que precisaria dos links dos grupos para poder identificá-los, mas a decisão judicial mencionou apenas seus nomes.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 5005459-94.2023.4.02.0000