Constitui crime de estupro, punido com reclusão de seis a dez anos, constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (CP, artigo 213).
Constranger significa forçar, coagir qualquer pessoa, homem ou mulher, a submeter-se à prática de ato libidinoso, não importando se a vítima tem nenhuma, pouca ou grande vivência sexual. Se menor de 14 anos, o crime será mais grave, estupro de vulnerável, com pena privativa de liberdade de oito a 15 anos.
Conjunção carnal é a relação sexual completa, mediante cópula vagínica. A conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso forçado pode caracterizar estupro, excluídas apenas palavras ou escritos eróticos, que não se equiparam a atos. A vítima pode ser obrigada tanto a agir ativa, como ser constrangida a praticar sexo oral no delinquente, quanto passivamente, quando obrigada a permitir que seus seios ou órgão genital sejam apalpados, ou a submeter-se a coito anal.
O ato libidinoso pode também manifestar-se sem o contato de órgãos sexuais, como por exemplo, mediante inserção de objetos na vagina da vítima. Se a vítima for constrangida a praticar atos libidinosos em si própria, como masturbação ou penetração de objetos lascivamente em si mesma, também haverá estupro. O estupro pode ser praticado mediante violência física ou psicológica, a chamada grave ameaça, atuando sobre o psíquico da vítima com força intimidadora para reduzir sensivelmente sua capacidade de querer.
O mal prometido pode ser dirigido contra a própria vítima ou contra terceiros (prometer que vai matar a vítima ou seus familiares, ou humilhá-los gravemente em público). Com a evolução tecnológica, muitos criminosos têm adotado uma nova modalidade de crime sexual, o chamado estupro virtual. O delinquente faz contato com a vítima por meio da internet, usando as redes sociais. Pode tanto conquistar aos poucos, sua confiança, simulando relações amistosas, como ameaça-la já no primeiro contato.
A ameaça é feita virtualmente, muitas vezes dizendo ter foto comprometedora da vítima, a qual muitas vezes lhe foi cedida de boa-fé por ela própria. Para dar credibilidade à ameaça do delinquente, após algum tempo uma outra pessoa (em geral, a mesma usando perfil diferente) faz contato com a vítima dizendo que tomou conhecimento da existência da sua imagem íntima e que ela já é de domínio público.
Quando a vítima já está aterrorizada, é feita a chantagem, obrigando-a, mediante a grave ameaça de exposição pública, a praticar sexo consigo mesma, masturbando-se, fazendo-se penetrar lascivamente objetos ou praticando algum ato sexual com terceiros. Esse comportamento hediondo também é considerado estupro, na forma do art. 213 do CP. É a chamada autoria indireta ou mediata, na qual o sujeito serve-se de outra pessoa sem condições de reagir ou discernir para, em seu lugar, praticar a ação delituosa. Mesmo sem realizar os atos materiais de execução (não é o estuprador que realiza os atos sexuais na vítima), ele é considerado o autor da infração.
Quem convence uma criança a se matar, não pratica induzimento ao suicídio, mas homicídio, pois usou alguém privado de discernimento para realizar a ação homicida desejada. Quem constrange a vítima e terceiros ao ato sexual, para satisfação da própria lascívia, é considerado pela legislação penal como o próprio autor do estupro. No caso do estupro virtual, a gravidade da ameaça exercida sobre a vítima e terceiros, faz com que autem não como autores, mas meros instrumentos comandados pelo estuprador, autor indireto do crime. Transformam-se em longa manus para satisfação da perversão mental de um sádico.
Tema também polêmico se refere à caracterização da grave ameaça. Na hipótese de simulação de arma de fogo, por exemplo, quando o agente, fingindo estar armado, constrange a vítima a atos sexuais contra sua vontade. Alguns tribunais equivocadamente chegam a desclassificar o crime de estupro para o de importunação sexual — artigo 215-A, CP, in verbis: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro” — Pena: reclusão, de um a cinco anos, se o ato não constituir crime mais grave.
Na realidade, mesmo não estando efetivamente armado e a vítima não ter sido exposta a uma situação de perigo real, a ameaça deve ser considerada grave, pois teve a capacidade de influir na vontade da vítima e submetê-la ao ato sexual forçado.
Os crimes são bem distintos. No estupro (CP, artigo 213), a vítima é constrangida, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ela se pratique a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Por sua vez, na importunação sexual (CP, artigo 215-A), embora o ato libidinoso seja praticado sem a anuência da vítima, não há o emprego de violência ou grave ameaça.
A simulação de arma é grave ameaça, configurando meio idôneo e apto a provocar intimidação. Desta forma, não é imprescindível a existência de risco objetivo e concreto à vítima para que a ameaça se configure como grave.
Esse é o entendimento consolidado do STJ (Superior Tribunal de Justiça) no que tange ao conceito de grave ameaça no crime de roubo: “É pacífico o entendimento deste Tribunal de que a simulação de emprego de arma de fogo configura grave ameaça, elementar do crime de roubo” [1]. O mesmo Tribunal, em julgado de lavra do ministro Rogério Schietti Cruz, define ameaça como “a intimidação de outrem, que, na hipótese de crime de roubo, pode ser feita com o emprego de arma, com a sua simulação, ou até mesmo de forma velada” [2].
No momento do crime, a vítima não possui mecanismos de verificação de autenticidade da arma portada pelo agressor, situação que por si só é suficiente para eliminar sua resistência aos atos libidinosos, configurando a elementar da grave ameaça trazida no texto do artigo 213. CP. Arrematando a questão, em recente julgado, o STJ decidiu que “A simulação de arma de fogo pode sim configurar a grave ameaça para os fins do tipo do artigo 213 do Código Penal” [3].
Em outro caso, dois adultos, um de gênero masculino, o outro feminino, visando à recíproca satisfação sexual, passaram a tirar fotos da genitália da filha menor do adulto do gênero feminino. Posteriormente, o do gênero masculino passou a exigir que a mãe se fotografasse tocando as partes íntimas da filha e lhe enviasse as imagens por celular. Depois de descoberta a abjeta interação lasciva do casal com a infante, o Ministério Público ofereceu denúncia assim discorrendo: “durante vários momentos do diálogo mantido entre os adultos, são enviadas fotos, pela mãe da menor ao denunciado, nas quais o órgão genital da criança é exibido. Não obstante, a pedido do denunciado, a mãe chega a fazer sexo oral na própria filha, filmando e enviando o arquivo para ele” [4].
O adulto do gênero masculino foi processado e condenado em 1ª instância pela prática dos delitos contidos no artigo 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente [5] e 217-A do Código Penal (estupro de vulnerável). Em sede recursal, o Tribunal de Justiça manteve a condenação. Em habeas corpus impetrado no STJ, a defesa do adulto do gênero masculino alegou atipicidade da conduta invocando, como principal argumento, o fato de não ter mantido contato físico com a vítima.
De acordo com os argumentos da defesa, a ausência de contato físico entre o adulto e a menor impossibilitou a prática da conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, motivo pelo qual sustentaram a absolvição do agente do crime de estupro de vulnerável.
Acertadamente a tese defensiva não foi acolhida pelo STJ. Conforme se verifica no texto do artigo 217-A, CP, a prática do delito se configura com qualquer ação libidinosa, não sendo exigido o contato físico entre o agressor e a vítima. Nesses casos, o simples ato de olhar a vítima nua com o objetivo de satisfazer a própria lascívia já é suficiente para a caracterização do crime de estupro ou estupro de vulnerável.
“Na prática de atos libidinosos, a vítima também pode desempenhar, simultaneamente, papeis ativo e passivo. Nessas duas condutas — praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso é dispensável o contato físico de natureza erótica entre o estuprador e a vítima.” [6]
No mesmo sentido, Rogério Sanches: “De acordo com a maioria da doutrina, não há necessidade de contato físico entre o autor e a vítima, cometendo o crime o agente que, para satisfazer sua lascívia, ordena que a vítima explore seu próprio corpo (masturbando-se), somente para contemplação (tampouco há que se imaginar a vítima desnuda para a caracterização do crime” [7].
Quanto à desnecessidade de contato físico entre agressor e vítima para o cometimento do crime de estupro, assim entende o STJ: “Em situações excepcionais, tem-se que o crime de estupro pode se caracterizar, inclusive, em situações nas quais não há contato físico entre o agente a vítima” [8]. “A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração de ação penal para apuração do delito de estupro de vulnerável. Segundo a posição majoritária na doutrina, a simples contemplação lasciva já configura o ato libidinoso descrito nos artigos 213 e 217-A do Código Penal, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido” [9].
Conforme pode ser verificado nos ensinamentos doutrinários e nas decisões de nosso Tribunal Superior, a objetividade jurídica dos crimes contra a dignidade sexual vai muito além da violação física dos corpos das vítimas. O fato da pessoa da vítima (interação do físico, mental e intelectual) ser utilizada como meio de satisfação da lascívia do agente, já configura o delito sexual.
Nesse sentido, prescinde-se do contato físico entre o autor e a vítima, e até mesmo da vítima em si própria, vez que é plenamente admitida a contemplação lasciva como meio de ação para o delito. Nesses casos, bastaria que a vítima expusesse partes de seu corpo ou ficasse em posições eróticas a mando do agressor para que o estupro se consumasse. No caso sob análise, o adulto do gênero masculino, mesmo não tendo contato físico com a vítima menor de 14 anos, agiu asquerosamente em conluio com a mãe da menor para que a lascívia de ambos fosse satisfeita, razão pela qual a condenação por estupro de vulnerável permaneceu.
Fernando Capez é procurador de Justiça do MP-SP, mestre pela USP, doutor pela PUC, autor de obras jurídicas, ex-presidente da Assembleia Legislativa de SP, presidente do Procon-SP e secretário de Defesa do Consumidor.