Tanto na constituição da empresa, quanto em eventual adequação ou atualização societária e/ou documental durante sua atividade, os respectivos documentos inerentes à sua existência como o contrato social e acordo de sócios devem refletir de forma personalizada as características do negócio, bem como os interesses das partes envolvidas.
Além da boa estruturação e elaboração do contrato/estatuto social da empresa, é altamente recomendado que os sócios disponham de um acordo de sócios/acionistas. Referido documento possibilita que os sócios determinem todas as regras e obrigações entre si, bem como para com a sociedade, elencando todas as particularidades do negócio, de forma mais detalhada. Particularidades estas que nem sempre cabem ao contrato/estatuto social, em razão de sua publicidade obrigatória.
Acerca dos referidos documentos e a liberdade de pactuação de dispositivos que reflitam a realidade da sociedade, oportuno mencionar trecho da obra de Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede:
[…] “Facilmente se percebe que os atos constitutivos amoldam-se ao princípio da legalidade, inscrito no artigo 5º, II, da Constituição: estamos obrigados a fazer o que a lei determina e a deixar de fazer o que a lei proíbe, mas, visto pelo ângulo oposto, somos livres para fazer, ou não, o que não é proibido, nem é determinado, por lei. Abre-se, assim, um amplo espaço para a autonomia privada, ou seja, para que os particulares (os sócios) possam estabelecer parâmetros facultativos para a sociedade e, mesmo, para a atividade negocial que ela desenvolverá. Essa possibilidade dá ao ato jurídico uma importância ainda maior: ele pode (e deve) traduzir os elementos específicos daquilo que convencionaram os sócios, traduzindo em regras (cláusulas ou artigos) o que acordaram. Assim, somando o obrigatório com o facultativo, o ato constitutivo define a infraestrutura jurídica da pessoa, incluindo normas para as relações entre os sócios, os atos que as pessoas (sócios, administradores, prepostos e a sociedade em si) podem praticar e os que lhe são vedados, o funcionamento da organização etc.” […] (MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda Cotta. Manual de redação de contratos sociais, estatutos e acordos de sócios. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 32-33.)
Na composição societária de uma empresa, é comum que a distribuição do capital social seja diferente entre os sócios, dessa forma, poderá ser configurada a existência de um sócio majoritário, o qual possui a maior participação no capital social e de um sócio minoritário, o qual possui menor participação no capital social.
Inicialmente, é importante diferenciar os poderes econômicos dos poderes políticos em uma relação societária. Enquanto o primeiro está relacionado à participação dos sócios nos resultados da sociedade (lucros ou prejuízos), o segundo se relaciona ao poder de aprovação de matérias e assuntos societários.
Assim, não necessariamente os poderes econômicos e políticos seguirão o mesmo caminho, já que contratualmente ou mesmo por dispositivos legais, pode haver a equiparação de direitos políticos entre sócios com participações societárias distintas, sem que isso afete a desigualdade da participação dos mesmos nos resultados da sociedade (poder econômico).
Não obstante às disposições obrigatórias e de praxe para o registro da empresa, determinadas pelo artigo 1.054 do Código Civil, as quais evidentemente devem se adequar à realidade da empresa e dos sócios que a compõem, é fundamental que os documentos contenham cláusulas e disposições que visem resguardar o funcionamento da relação societária conforme desejado pelos sócios. Sendo assim, a proteção do sócio minoritário poderá servir para esta finalidade, uma vez que em muitos casos este poderá ser facilmente dominado por sócio(s) majoritário(s), que exerça(m) o controle da sociedade.
Nessa perspectiva, no que tange à referida proteção do sócio minoritário, há cláusulas pertinentes que podem ser utilizadas com este intuito, conforme elencado a seguir:
1. Cláusula de Unanimidade e/ou quóruns qualificados e Poder de Veto
Inicialmente, em relação ao quórum de deliberações societárias, o Código Civil em seu artigo 1.010, somado ao artigo 1.076, disciplina que a maioria de votos, ou seja, 50% + 1 do capital social, contabilizados mediante valor das cotas de cada sócio, seria suficiente para aprovação de qualquer matéria.
Contudo, os sócios podem optar por pactuar de outra forma, que melhor se adeque à respectiva realidade da empresa. A opção pela cláusula de unanimidade ou de quórum qualificado, vincula as decisões societárias mais importantes à unanimidade ou maioria qualificada dos sócios, ou seja, para que determinada matéria possa ser aprovada, deverá contar com votação mais expressiva do que a maioria do capital.
A alteração dos quóruns para deliberação sobre todas ou algumas matérias garante aos minoritários mais poder político, ao não se sujeitarem, necessariamente, aos interesses do majoritário.
Quanto ao direito de veto, este permite que os sócios minoritários tenham o poder de vetar deliberações específicas decididas pelos sócios majoritários, nos termos estipulados entre estes no contrato social e/ou acordo de sócios.
Em ambas as disposições, é crucial a especificação de quais matérias serão abrangidas pelos referidos dispositivos, com o devido planejamento, correndo-se o risco fazer com que as atividades da empresa “travem” diante de determinados conflitos se não forem bem adaptadas à realidade dos sócios e da sociedade.
2. Tag along
Com previsão legal no artigo 254-A da Lei das Sociedades Anônimas (6.404/76) – LSA o Tag Along consiste em um direito de saída ou venda conjunta. Nos casos de obtenção de ações do sócio majoritário ou da soma de ações equivalente à participação majoritária, o adquirente/comprador das cotas deve oferecê-las aos minoritários o respectivo valor equivalente ou, no mínimo, 80% do valor pago por ação integrante do bloco de controle.
Tal mecanismo jurídico possibilita que o sócio minoritário não seja prejudicado caso os majoritários resolvam alienar suas participações societárias à terceiros, vez que poderão exigir que suas participações sejam obrigatoriamente alienadas em conjunto com os majoritários, evitando, assim, tornarem-se sócios de pessoas indesejadas e/ou perderem oportunidade de realizarem uma boa venda de suas participações.
Em suma, a cláusula, tal qual prevista pela LSA, possibilita que o sócio minoritário tenha o direito de receber a mesma proposta (ou no mínimo 80% do valor) oferecida ao sócio/acionista majoritário por suas quotas/ações, em caso de alienação destas.
A regra do referido dispositivo, contudo, pode ser alterada por vontade das partes via Contrato/Estatuto Social ou Acordos de Sócios/Acionistas, podendo incluir mais peso à participação dos sócios minoritários.
Apesar de prevista pela Lei das Sociedades Anônimas, referida cláusula também se aplica em relação às Sociedades Limitadas.
Na prática, referido direito concedido aos minoritários viabiliza sua retirada da sociedade caso discorde com a modificação do controle societário, podendo receber, portanto, valor compatível ao ofertado pela maior parte das cotas.
3. Lock-up
Considerada amplamente vantajosa em cenários nos quais a empresa possui sócios que são indispensáveis para bom desenvolvimento do objeto social, ou possuem um know how específico sobre determinada questão inerente à aquela atividade empresarial, a cláusula de lock-up é uma ferramenta a ser utilizada para garantir que durante determinado período, será vedada a entrada de qualquer terceiro na empresa bem como a transferência de ações entre os próprios sócios, sendo nula qualquer transação nesse sentido.
Os sócios ficam igualmente impedidos de se retirarem da sociedade antes do prazo estabelecido ou até que seja atingida determinada meta, visando proteger a empresa.
4. Direito de fiscalização
O direito de fiscalização da administração é fundamental para o sócio minoritário, sobretudo para aquele que não faça parte da administração, sem prejuízo de sua previsão legal no artigos 1.020 e 1.021 do Código Civil, este deve estar elencado de forma detalhada no contrato/estatuto social e/ou acordo de sócios/acionistas.
Quanto ao tema, Fábio Ulhôa Coelho adverte que o acesso aos livros da sociedade e às demonstrações contábeis, previstos no Código Civil, nem sempre são suficientes para controlar a “[…] economicidade e regularidade dos atos praticados na gerência da sociedade” [1].
Nesse sentido, o autor aponta que “O sócio minoritário, portanto, deve assegurar, por via contratual, que lhe seja enviada, todo mês, cópia do extrato bancário das contas de depósito em nome da sociedade, dos contratos […]” [2] e demais documentos referentes aos negócios sociais. Concerne, portanto, de mecanismo fundamental a ser adotado pelo minoritário, concedendo-lhe acesso às referidas informações que considere pertinentes.
Assim, de acordo com a realidade de cada negócio, o sócio minoritário, que não faça parte da administração da sociedade, poderá exigir documentos específicos, relevantes para averiguação da regularidade dos negócios, o que poderá ser feito através de inclusão de cláusulas que especifiquem quais são esses documentos.
5. Direito de retirada
O direito de recesso/retirada está previsto nos artigos 1.029 e 1.077 do Código Civil e no artigo 137 da Lei das S.A. Referido direito dá ao sócio, caso seja sua vontade, a possibilidade de se retirar da sociedade mediante o reembolso do valor correspondente às suas ações/cotas, nos casos em que discorde das deliberações realizadas sobre determinadas matérias.
Entretanto, referente aos dispositivos legais que tratam acerca do direito de retirada, há certas divergências. Tal controvérsia se dá em razão de o artigo 1.029 Código Civil no capítulo de Sociedade Simples prevê que qualquer sócio pode retirar-se, sem motivo especifico e justificado da sociedade com prazo indeterminado, desde que notifique os demais sócios.
Porém, o artigo 1.077, também do Código Civil em seu capítulo específico da Sociedade Limitada dispõe que o sócio poderá se retirar quando discordar de alteração contratual deliberada pela vontade da maioria e nos casos de fusões e/ou incorporações.
Outrossim, a Lei das Sociedade Anônimas, elenca outras possibilidades, como direito de recesso em ocasiões de desacordo em relação à distribuição de dividendos/lucro.
Ou seja, apesar de haver previsão legal do referido direito, em caso de omissão do contrato/estatuto Social, há mais de uma possibilidade a ser aplicada ao caso concreto, possibilitando eventual prejuízo para a empresa ou para o sócio retirante.
A mitigação dessas controvérsias pode ser atingida mediante a elaboração de bons contratos/estatutos sociais, e, ainda, de acordos de sócios, com as disposições cabíveis acerca da referida matéria, criando-se regras claras e próprias para a realidade da sociedade.
6. Direito de preferência
O direito de preferência preserva aos sócios a preferência em casos de aumento ou subscrição do capital social da empresa, ou na venda das cotas/ações por um dos sócios.
Na aplicação desta cláusula, deve-se prever que o sócio, o qual tem a intenção de vender as suas cotas/ações, notifique os outros sócios, os quais vão deter o direito de adquiri-las, se manifestado o devido interesse.
Embora esta seja uma exigência legal nas Sociedades Limitadas, é fundamental que haja a criação de regras específicas nos documentos societários da sociedade, vez que a lei não se aprofunda no tema, podendo gerar imbróglios entre os sócios.
7. Cláusula de antidiluição – full ratchet clause
Trata-se de um mecanismo de proteção antidiluição, que impede que um investidor, sócio ou acionista tenha sua importância na empresa reduzida devido aos aumentos posteriores no capital social, inferiores aqueles inicialmente realizados pelo participante. Na eventual ocorrência da referida situação, poderá ser exigida a compensação para que a situação seja igual à anterior.
Porém, o direito de preferência não garante a proteção nos casos em que a diluição seja ocasionada pela diminuição do valor patrimonial das cotas/ações.
8. Sucessão por morte/interdição judicial
Por fim, a cláusula de sucessão por morte ou interdição judicial disciplina como ocorrerá, no âmbito da sociedade, a destinação das cotas/ações do sócio falecido.
Caso o contrato social seja omisso quanto à matéria, as cotas do sócio que vier a falecer serão liquidadas. A sucessão por morte pode gerar graves problemas. Caso sejam liquidadas as cotas do sócio majoritário, ocorrerá a descapitalização da empresa, inviabilizando a manutenção de sua atividade. E em caso de sucessão do sócio majoritário pelo herdeiro, há o risco de o sucessor ser estranho à atividade da sociedade empresária, não dispondo dos conhecimentos e habilidades para prosseguir com as incumbências do sócio falecido/interditado.
Assim, objetivando evitar ao máximo os transtornos acima elencados, é recomendada a utilização de cláusula que regule a matéria em eventual ocorrência, estipulando por exemplo, o pagamento dos haveres aos sucessores dos sócios majoritários de forma parcelada e preferencialmente a longo prazo, bem como a possibilidade de o pagamento dos haveres ocorrer com bens que não sejam essenciais à atividade da empresa.
No que tange à entrada de herdeiros na sociedade, nas hipóteses em que o herdeiro é totalmente alheio as responsabilidades a serem assumidas, é fundamental a disposição contratual para nomeação do novo administrador, ou que, no falecimento de sócio majoritário, seja imposta a nomeação de administrador alheio ao capital social, visando facilitar o período de transição.
Além disso, outra disposição pertinente a ser introduzida nos documentos pactuados entre os sócios, beneficiando todo o quadro societário e a empresa em si, é a cláusula de mediação e arbitragem. Referida cláusula possibilita que os eventuais conflitos que não possuem previsão no contrato social ou acordo de sócios sejam solucionados mediante um procedimento privado, alheio ao poder judiciário, mas que possui a mesma validade.
Na arbitragem são as partes envolvidas no imbróglio que elegem um ou mais árbitros, que sejam imparciais e possuam experiência na área da referida matéria a ser solucionada, para analisar e julgar o caso concreto. As maiores vantagens da utilização da arbitragem são, a celeridade e sigilo do procedimento bem como a possibilidade de escolha de árbitros que possuam experiência e tecnicidade acerca da questão.
Estas são, portanto, algumas das alternativas para que o sócio minoritário possa ter mais garantias em suas relações com seus sócios, não dispensando a aplicação de outras mais, aplicáveis de acordo com cada caso.
Ressalta-se que, a eventual aplicação ou não das referidas cláusulas elencadas acima depende da negociação e pactuação entre os sócios, adequando-as de forma que possibilite a boa consecução do negócio. É essencial a análise do que é aplicável ou não à realidade da sociedade, proporcionando equilíbrio entre os interesses particulares e da empresa, para que os referidos mecanismos sejam explorados da forma mais proveitosa possível.
Assim, ser sócio minoritário de uma sociedade nem sempre significará ser controlado por sócios majoritários, o que dependerá de documentos criados sob medida para a realidade da sociedade, de modo a contemplar o desejo dos contratantes.
Antônio de Pádua Faria Júnior é advogado no escritório Pádua Faria Advogados, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (Ibet), LLC em Direito Empresarial pelo Insper e mestre em Direito pela Unesp, atuante.
Maria Eduarda Romeiro é estagiária no escritório Pádua Faria Advogados e graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Franca.