Imagine a seguinte situação. Você se envolve em acidente de trânsito, não sabe certamente se estava certo ou errado, precisa consultar eventuais testemunhas, ver eventuais vídeos, bem como consultar sua seguradora para saber se o seguro estava em vigência para eventual pagamento de vítimas.
Mas é surpreendido nesse interim com uma citação de processo judicial, tornando você réu de processo em decorrência do referido acidente de trânsito. O questionamento deste artigo é eventual obrigatoriedade de no processo judicial fazer a denunciação da lide da seguradora, mesmo sem ter elementos necessários sobre o evento danoso, bem como eventual certeza sobre a vigência da cobertura securitária. Ou seja, há litisconsórcio passivo necessário, com obrigação de denunciação da lide da seguradora no processo?
Veja que a questão importante: se for denunciação da lide necessária, você deve fazer no prazo prescricional, inclusive com risco de denunciando de forma indevida ficar com risco de eventual condenação nessa lide secundária criada (denunciada e denunciado). Iremos analisar adiante essa problemática.
Prescrição de um ano da citação
Iniciamos discorrendo sobre eventual obrigatoriedade de denunciação. Há fundamento possível de que o prazo de prescrição para a denunciação da lide seria da citação do segurado, com prazo de um ano (CC, artigo 206, §1º, II), lembrando que a positivação da denunciação da lide nessa hipótese é prevista no artigo 125, II do CPC.
Assim, entendimento do STJ sobre o tema:
“AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2085067 – PR (…) AÇÃO DE REGRESSO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SEGURO. PRESCRIÇÃO ÂNUA. TERMO INICIAL. CITAÇÃO DO SEGURADO. CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. ‘Segundo o Código Civil, e nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, nos casos de seguro de responsabilidade civil, a prescrição será contada da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador'” (artigo 206, §1º, inciso II, alínea a). Precedentes. (AgInt no REsp 1.246.263/RS, relator ministro MARCO BUZZI, 4ª TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe de 27/11/2019). 4ª TURMA do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, 26 de setembro de 2022.
Não concordamos com referido entendimento (mesmo sendo ele o majoritário no STJ), pois cria ele hipótese de “litisconsórcio passivo necessário”, com riscos de sucumbência para o denunciante na lide secundária. Adiante aprofundaremos o tema, mas seguimos demostrando também outros entendimentos sobre o assunto.
Prescrição de um ano da condenação (actio nata)
Há também fundamento de que eventual prazo de prescrição da cobertura securitária deve ser computado a partir da data do trânsito em julgado da sentença indenizatória — sendo esse fundamento pela não obrigação de denunciação da lide no processo originário, seria isso a incidência do princípio da actio nata ao caso, segundo o qual inicia-se o prazo prescricional a partir do momento em que se verifica a efetiva lesão ao direito material (trânsito em julgado da sentença condenatória na ação de indenização) e não da data em que o segurado foi citado, pois “à época da citação existia tão somente uma expectativa de direito e não uma condenação efetiva”.
Decisões de tribunais acerca do tema:
Tratando-se de ação de cobrança do segurado contra a seguradora, com intuito de ser ressarcido pelo pagamento de indenização a terceiro (vítima de acidente de trânsito), incide o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo 206, §1º, II, do Código Civil, tendo-se neste caso como termo inicial a data do trânsito em julgado da sentença condenatória que fixa, definitivamente, o quantum da obrigação patrimonial devida ao terceiro.
Prescrição não evidenciada no caso concreto
A parte autora foi condenada em ação indenizatória ajuizada pela família da vítima fatal de acidente de trânsito, motivo pelo qual faz jus ao reembolso dos valores despendidos, nos termos do contrato de seguro, observados os limites expressos para cada rubrica contratada. O capital segurado deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a contar do início da vigência do seguro (3/4/2007), com a incidência de juros de 1% ao mês desde a citação da demandada, porquanto a obrigação da ré é contratual. Reformada a sentença, a parte ré deve arcar com a totalidade das custas judiciais e com honorários advocatícios ao patrono da parte autora, fixados em 10% do valor da condenação. Deram provimento ao apelo. Unânime. (TJ/RS, Apelação Cível nº 70067050898, 6ª Câmara Cível, relator desembargador Alex Gonzalez Custodio, Julgado em 19/5/2016).
1. Tratando-se de ação de cobrança do segurado contra a seguradora, com intuito de ser ressarcido pelo pagamento de indenização a terceiro (vítima de acidente de trânsito), incide o prazo prescricional de um ano, previsto no artigo 206, §1º, II, do Código Civil, cujo termo inicial é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória que fixa, definitivamente, o quantum da obrigação patrimonial devida ao terceiro. Precedentes. Prescrição não evidenciada no caso concreto. Apelação provida em parte. (TJ/RS, Apelação Cível nº 70055045637, 12ª Câmara Cível, relator desembargador Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 19/3/2015).
Apelação cível. Seguros. Ação de cobrança. Seguro de vida e invalidez. Prescrição ânua caracterizada. Prescreve em um ano a ação do segurado contra o segurador, contado o prazo do dia em que o segurado tiver conhecimento do fato gerador da pretensão. Inteligência do artigo 206, §1º, II, b, do Código Civil. Licitude da negativa. Apelo não provido. (Apelação Cível nº 70074783424, 6ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 28/9/2017).
No mesmo sentido, decisões do STJ acerca do tema:
Recurso Especial. Seguro. Veículo. Ação regressiva. Prescrição. Termo inicial. Nas ações regressivas de segurado contra seguradora, o termo inicial do prazo prescricional ânuo é a data do trânsito em julgado da sentença, que fixou definitivamente o quantum da obrigação patrimonial devida ao terceiro. Inteligência do artigo 178, §6º, II, do Código Beviláqua. (STJ, REsp 869.465/MS, relator ministro Humberto Gomes De Barros, 3ª Turma, julgado em 6/3/2008).
“(…) 1. Não há falar em violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil quado o Tribunal resolve todas as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. 2. Nas ações regressivas de segurado contra seguradora, o termo inicial do prazo prescricional ânuo é a data do trânsito em julgado da sentença, que fixou definitivamente o quantum da obrigação patrimonial devida ao terceiro. Inteligência do artigo 178, §6º, II, do Código Civil de 1916. Incidência da Súmula 83/STJ. 3. A alteração do entendimento da decisão agravada acerca do termo inicial da prescrição fixado na origem, demandaria a revisão dos fatos e provas, providência vedada pela Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno não provido”. (STJ AgInt no AREsp 882.301/SC, relator ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 16/09/2016).
Prescrição de um ano data do pagamento
Há fundamento também (artigo 206, §1°, inciso II do Código Civil), que o prazo prescricional de um ano poderá ser contado a partir da data do pagamento da indenização em favor do terceiro. Verifica-se que, com esse fundamento, o prazo prescricional se dá “da data que este indeniza, com a anuência do segurador” (texto legal).
Ressalta-se que para que haja o pagamento dos valores, é fundamental a anuência da Seguradora, conforme determina o artigo 787, §§1º e 2º do Código Civil:
“Artigo 787. No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro.
§1º Tão logo saiba o segurado das consequências de ato seu, suscetível de lhe acarretar a responsabilidade incluída na garantia, comunicará o fato ao segurador.
§2º É defeso ao segurado reconhecer sua responsabilidade ou confessar a ação, bem como transigir com o terceiro prejudicado, ou indenizá-lo diretamente, sem anuência expressa do segurador.”
De acordo com o dispositivo legal, o prazo prescricional se dá “da data que este indeniza, com a anuência do segurador”. Assim, não há que se falar em prescrição enquanto não houver o pagamento (artigo 206, §º, II).
Sobre o tema, destaca-se que é entendimento do STJ que o prazo prescricional se dá a partir do pagamento da indenização:
“Agravo interno no agravo em recurso especial. Seguro. Ação regressiva. Prazo prescricional. Termo inicial para a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao seu segurado. Agravo não provido. 1. Segundo a jurisprudência do STJ, o termo inicial do prazo prescricional do direito de a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao segurado é a data em foi efetuado o pagamento da indenização securitária. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (…) Entretanto, esta Corte já se manifestou no sentido de que o termo inicial para o prazo prescricional do direito de a seguradora pleitear a indenização do dano causado por terceiro ao seu segurado é a data em foi efetuado o pagamento da indenização securitária, pois é a partir desse momento que há a sub-rogação desse direito”. (STJ, AgInt no AREsp n° 1.013.889/RJ (2016/0295302-0), ministro relator Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 9/3/2017).
Recurso Especial. Seguro. Veículo. Ação regressiva. Prescrição. Termo inicial. Nas ações regressivas de segurado contra seguradora, o termo inicial do prazo prescricional ânuo é a data do trânsito em julgado da sentença, que fixou definitivamente o quantum da obrigação patrimonial devida ao terceiro. Inteligência do artigo 178, §6º, II, do Código Beviláqua. (STJ, REsp 869.465/MS, relator ministro Humberto Gomes De Barros, 3ª Turma, julgado em 6/3/2008).
“(…) 1. Não há falar em violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quado o Tribunal resolve todas as questões pertinentes ao litígio, afigurando-se dispensável que venha examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes. 2. Nas ações regressivas de segurado contra seguradora, o termo inicial do prazo prescricional ânuo é a data do trânsito em julgado da sentença, que fixou definitivamente o quantum da obrigação patrimonial devida ao terceiro. Inteligência do artigo 178, §6º, II, do Código Civil de 1916. Incidência da Súmula 83/STJ. 3. A alteração do entendimento da decisão agravada acerca do termo inicial da prescrição fixado na origem, demandaria a revisão dos fatos e provas, providência vedada pela Súmula n. 7/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (STJ AgInt no AREsp 882.301/SC, relator ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 16/9/2016).
Nossos tribunais também já decidiram que o termo inicial da prescrição corresponde às datas em que foram realizados os pagamentos da indenização:
“Seguro – Responsabilidade Civil – Regressiva de cobrança -Acordo celebrado pela autora segurada – Desembolso e postulação de ressarcimento da Seguradora ré – Alegação de falta de anuência da seguradora aos acordos – Falta que implicaria descumprimento a condição prevista na apólice – Falta de cobertura securitária para indenização por danos morais. Sentença de improcedência Recurso parcialmente provido. 1. Pronuncia-se a prescrição em relação à cobrança regressiva do valor de R$ 11.200,25, pago em 17/12/03, mais de um ano antes do ajuizamento da ação regressiva, superado pois o prazo prescricional da ação regressiva. 2. Não há prescrição a reconhecer, no alusivo ao valor de R$ 200.000,00, pago em agosto, setembro, outubro e novembro de 2005, ajuizada que foi a ação em 3/4/06 (CC, 206, par. Io., II, ‘a’). 3. O termo inicial da prescrição, em casos como o presente, corresponde as datas em que pagas as indenizações objeto do pedido regressivo. 4. É puramente potestativa e, pois, inválida, a cláusula que subordina a eficácia de acordo entre o segurado e terceiro, lesado, à prévia e expressa anuência da seguradora. 5. Não pode a seguradora recusar-se ao reembolso sob fundamento de que não ter sido notificada da demanda anterior, se não traz um único e convincente elemento indicativo de que, tivesse havido sua convocação, o resultado da demanda anterior seria diverso. 6. Se a apólice de seguro cobre qualquer modalidade de ‘danos pessoais’ ou ‘danos corporais’, sem expressa, clara e destacada advertência de que não abrange os danos morais, estes não podem ser excluídos, em face do princípio da boa-fé objetiva. Danos morais inscrevem-se entre os danos pessoais”. (TJ/SP – Apelação 0075834-34.2008.8.26.0000; 29ª Câmara de Direito Privado; relator desembargador Reinaldo Caldas; data do julgamento: 15/9/10).
Acidente de veículo — Regressiva — Litisconsórcio necessário com a seguradora da ré — Questão decidida em decisão saneadora, irrecorrida — Preclusão — Prescrição do pedido de regresso — Inocorrência — Termo inicial da contagem que corresponde à data do pagamento da indenização pela seguradora ao segurado — Triênio não transcorrido — Improvimento. (TJ/SP – Apelação 9231187-45.2007.8.26.0000; 26ª Câmara de Direito Privado; relator desembargador Vianna Cotrim; data do julgamento: 27/10/10).
Considerações finais
Em breve artigo publicado sobre o tema foi possível constatar que o tema não é pacífico nos tribunais. Não sendo pacífico, surge insegurança e pode criar a figura do litisconsórcio passivo necessário, que de acordo com nosso entendimento é incorreto.
Em breve considerações finais, entendemos que:
1) De acordo com o artigo 206, §1º, é delimitado dois termos iniciais distintos aplicáveis aos seguros de responsabilidade civil, podendo ser a data em que o segurado é citado para responder à ação de indenização, ou a data que este indeniza o terceiro, com anuência do segurador.
1.1) A relação segurado-seguradora constitui hipótese de litisconsórcio passivo facultativo, ou seja, pode o segurado valer-se da denunciação da lide em sede de contestação, contudo, o não exercício desta faculdade não impede o direito regressivo por ação própria. Assim, é lícito ao segurado, a seu critério, acionar a seguradora após eventual condenação por meio de ação de regresso.
2) Nos termos da lei, o prazo prescricional da pretensão do segurado somente pode ter início quando surgir a pretensão exercitável para seguradora, o que ocorre apenas na data em que efetuado o pagamento da indenização.
Mas o principal desse tema é que a relação segurado-seguradora constitui hipótese de litisconsórcio passivo facultativo, ou seja, pode o segurado valer-se da denunciação da lide em sede de contestação, mas o não exercício desta faculdade não impede o direito regressivo por ação própria.
Determina o artigo 125, II, §1º do CPC:
“Artigo 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:
II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.
§1º O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.”
Deste modo, é licito ao segurado, a seu critério, acionar a seguradora após eventual condenação por meio de ação de regresso. A respeito da prescrição na hipótese, o dispositivo é expressamente claro, pois entende que o prazo prescricional pode ter início “da data que este indeniza, com a anuência do segurador”.
Ressalta-se que o Código de Processo Civil resguarda a possibilidade de ação de regresso quando a denunciação da lide for indeferida, não promovida, ou não permitida, hipótese na qual não há razão para definir a citação do segurado como termo inicial da prescrição. Tanto o é, que a própria legislação delimita o pagamento da indenização ao terceiro como marco para cômputo do prazo prescricional.
Deste modo, é admitida a propositura de ação própria para o exercício do direito de regresso, sendo que a denunciação da lide consiste em faculdade do réu em ação de acidente de trânsito, e não obrigatoriedade.
Bruno Augusto Sampaio Fuga é advogado, professor, doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2020), pós-doutorando pela USP, membro titular efetivo da Academia de Letras de Londrina (PR), mestre em Direito pela UEL (linha de Processo Civil), pós-graduado em Processo Civil (2009), pós-graduado em Filosofia Jurídica e Política pela UEL (2011), coordenador da Comissão de Processo Constitucional da OAB Londrina, membro do IBPD e IAP, conselheiro da OAB Londrina e editor-chefe da Editora Thoth.
Aniele Pissinati é advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho (Ematra/Londrina) e em Direito Agrário e do Agronegócio pela Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), membro do Grupo de Estudos sobre Transformação do Direito do Trabalho na Sociedade Pós Moderna e Seus Reflexos no Mundo do Trabalho da Universidade de São Paulo (GDTRAB/USP) e Mestre em Ciência Animal – Produção Animal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).