Gabriel Frias: Desafios e missões da advocacia criminal

Muito antes de adentrarmos os muros de uma faculdade de Direito, o Direito Penal, talvez muito mais que qualquer outra área jurídica, já ocupa grande espaço no imaginário dos estudantes, e mesmo daqueles, jovens ou adultos, que sequer escolheram fazer do Direito sua opção de vida e carreira.

Isso porque, em que pese a complexidade e vastidão do universo jurídico, a multiplicidade e riqueza de áreas e questões de que se ocupa, o Direito Penal, e a Justiça e advocacia criminais por extensão, ocupam-se de fenômenos que atraem especial atenção, curiosidade ou mesmo perplexidade das pessoas, leigas ou não em assuntos jurídicos.

O Direito Penal assim lida, inevitavelmente, com assuntos e demandas de alta complexidade pois há sempre, subjacente a qualquer caso e independente de gravidade ou repercussão, o peso da culpa, da condenação e, mesmo da privação do sagrado direito à liberdade, justa ou injustificadamente. É aqui, pois, evocando a célebre e famosa alegoria de Thémis, símbolo da Justiça e do Direito, onde se espera e se deve exigir da balança a mais correta e precisa demonstração de equilíbrio, uma análise e avaliação cuidadosa e especialmente justa, sobretudo quando se impõe o uso da espada.

Aliás, oportuna a evocação da mitologia, pois revela que, desde muito cedo, nossa cultura e civilização sempre buscaram construir um imaginário e um repertório simbólico sobre o Direito e a Justiça. Contudo, da mesma forma, tal aproximação, entre mito e Direito, também nos expõe a riscos e armadilhas e não seria impropriedade ou exagero dizer que o Direito Penal, bem como a justiça e a advocacia criminais, por extensão, estão envoltas por uma série de mistificações, estereótipos, temores e até mesmo preconceitos.

Por isso tudo, cumpre-nos primeiramente dizer a que e a quem serve a advocacia: à proteção e salvaguarda de direitos e à defesa de todo e qualquer cidadão ou cidadã que esteja em situação de ameaça a seus direitos e liberdades.

Desde a moderna instituição de um sistema de justiça criminal, pautado não mais no arbítrio, na vingança privada e na autoridade absoluta, mas orientado por parâmetros de legalidade sob o crivo do império da lei, o primado do Estado de Direito e da democracia, vivemos a tentativa de se estabelecer limites, controles e freios à atuação investigatória/acusatória e à ação punitiva do Estado.

Assegurar a todo acusado a plena garantia do exercício do direito de defesa é um termômetro de civilidade e de maturidade institucional democrática de qualquer Estado e sociedade. Embora modernamente estabelecidos tais limites e orientações em nossas leis e códigos, a observância e cumprimento de tais balizas depende e demanda sempre a vigilância e atuação aguerrida e empenhada daqueles que se dedicam em dar voz e fazer ouvir e valer a defesa de um cidadão, inocente ou culpado.

Trata-se do sagrado direito do devido processo, fruto de uma longa evolução histórica e jurídica, uma conquista civilizacional da qual não podemos abrir mão. Uma garantia estampada e asseguradas em nossas modernas constituições a qual se desdobra um intrincado sistema não apenas de normas, mas também de princípios, que devem orientar e balizar a correta e justa aplicação da lei penal. Esse é, pois o cerne da atuação da advocacia, e, especialmente da advocacia criminal: a defesa de direitos e a aplicação justa da lei.

Mas, importante que também se esclareça que a advocacia criminal não visa apenas a atender a quem se acusa, mas a todos aqueles de que dela se socorrem. Desse modo, a atuação do advogado criminal também envolve o atendimento a vítimas oferecendo desde assessoramento prévio ou consultivo, orientações jurídicas, encaminhamento de demandas e ações, e mesmo atuação em todas as fases de um procedimento policial ou judicial, ao lado da acusação, porém com o foco na defesa dos direitos e interesses individuais.

Com a complexização da vida e da sociedade moderna, promovida e impulsionada sobretudo pelo avanço cada vez mais rápido tecnologia, com o surgimento e disseminação de diversas novas ferramentas de pesquisa, informação e comunicação, também o cenário da atuação da advocacia criminal torna-se crescentemente complexo, uma vez que tais avanços fazem surgir a todo momento, não apenas novos tipos penais e modos de práticas de velhas ou novas formas delitivas, como leva também ao aprimoramento dos aparelhos de repressão/atuação estatal, com incremento de mecanismos e procedimentos de investigação e apuração, cuja utilização, apesar de inegáveis ganhos, também deve estar adstrita e limitada às balizas da legalidade e do devido processo.

Contudo, ao lado de todos os desafios já inerentes e intrínsecos ao exercício da nossa profissão, fato é que nos últimos anos assistimos a um gradual e progressivo agravamento dessas adversidades, motivado e estimulado sobretudo pela espetacularização do direito, pela crescente exposição pública e exploração midiática, por enxurradas de desinformação e sensacionalismo que criam um ambiente ainda mais hostil, adverso e resistente à atuação e exercício da advocacia, isso sem falar nas diversas mudanças e reformas legislativas muitas vezes equivocadas, confusas ou até mesmo contrárias ao modelo acusatório consagrado e assegurado em nossa legislação.

É no exercício da advocacia criminal e na aplicação da justiça criminal, portanto, que excessos e violações, tornam-se, infelizmente, mais severas e mais comuns, inclusive pelo fato de recaírem sobre aqueles a quem antecipadamente já se olha com menor disposição e empatia. Também aqui os impactos são mais duros, afinal, as consequências recaem sobre a dimensão da liberdade e dos direitos fundamentais.

Ainda, carregamos dos últimos anos de crises institucionais um processo de recrudescimento da atuação dos órgãos, policiais e judiciais, e instâncias estatais de justiça, que muitas vezes leva a uma equivocada interpretação, flexibilização ou mesmo violação de garantias e princípios para o alcance de objetivos específicos a qualquer custo ou para a simples satisfação da opinião pública, ainda que ao sacrifício da legalidade.

Nesses momentos de crise e de fragilização da institucionalidade e do Direito, o direito penal é, sem dúvida, a primeira trincheira a ser atacada, o primeiro dique se romper, desencadeando uma enxurrada cujos efeitos logo e inevitavelmente se alastram e se irradiam para demais setores, pois se nem as garantias e limites mais sagrados são respeitados, tudo o mais também pode ser questionado e descumprido. Portanto, se a advocacia criminal já é em tempos de normalidade um lugar de resistência, em momentos de fragilidade institucional, torna-se um verdadeiro e essencial espaço de luta permanente a exigir cada vez mais de todos nós, combatividade, firmeza, além de permanente estudo, atualização e aprofundamento atuando, em todas as fases da persecução penal — do inquérito aos recursos.

Por tais razões é que podemos afirmar que a advocacia é certamente uma atividade essencial à própria sociedade, já que atua, inclusive, como um agente de controle externo da atividade judicial/estatal. No âmbito criminal tal papel se mostra indispensável como garantia primeiramente ao acusado/investigado ou mesmo à vítima do exercício de seus direitos, e de fiscalização da atuação do Estado, mas, também essencial a toda a sociedade a quem, certamente, também importa e interessa a segurança de um sistema de justiça criminal digno de credibilidade, confiança e respeito, enfim, a tranquilidade de que injustiças, abusos ou ilegalidades não serão praticadas e, se o forem, sempre haverá ali quem se insurgirá. Nada disso se faz nem se alcança sem a participação e colaboração essencial dos advogados.

Essa é, pois, nossa vocação, nosso compromisso, nossa paixão e nossa trabalho.

Gabriel Frias Araújo é advogado, professor e mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor