Grando e Vargas: Simples Nacional e os agentes autônomos

Recentes decisões judiciais vêm permitindo que sociedades de agentes autônomos de investimentos (AAIs) possam optar pelo Simples Nacional como regime de tributação. Embora a Receita Federal tenha posição contrária sobre a matéria, o Judiciário tem reconhecido a diferenciação das atividades dos AAIs daquelas exercidas pelos agentes de investimentos em aplicações financeiras.

O Simples é disciplinado pela Lei Complementar 123/06, prescrevendo no artigo 3, §4º, inciso VIII, vedação de opção ao regime pela sociedade que exerça atividade de banco comercial, de investimentos e de desenvolvimento, de caixa econômica, de sociedade de crédito, financiamento e investimento ou de crédito imobiliário, de corretora ou de distribuidora de títulos, valores mobiliários e câmbio, de empresa de arrendamento mercantil, de seguros privados e de capitalização ou de previdência complementar.

Segundo interpretação da Receita, essas atividades exteriorizam prática de distribuição de valores imobiliários, preenchendo o conceito do Cnae 6612-6/05, cuja atividade estaria vedada ao Simples por disposição do Anexo VI, da Resolução CGSN nº 140, com redação atualizada até a Resolução CGSN n. 143/2018.

A Receita também baseia sua interpretação no artigo 17, I, da LC 123/06, dispositivo que veda acesso ao regime do Simples por sociedade que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, gerenciamento de ativos (asset management) ou compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring) ou que execute operações de empréstimo, de financiamento e de desconto de títulos de crédito, exclusivamente com recursos próprios, tendo como contrapartes microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive sob a forma de empresa simples de crédito.

Ocorre que, mesmo tendo o legislador se preocupado em afastar do Simples Nacional as atividades relacionadas ao mercado financeiro, a melhor análise das atividades exercidas pelos AAIs os diferencia das pessoas jurídicas que distribuem títulos e valores imobiliários.

A atividade dos AAIs é regulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e, principalmente, pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que, no uso de suas atribuições previstas no artigo 8º, inciso I e no artigo 16, incisos I e III, da Lei 6.385/76, editou a Resolução CVM n. 16/2021 para regulamentar a profissão — em substituição à antiga Instrução CVM n. 497/2011.

Os agentes autônomos de investimentos são pessoas físicas que atuam como prepostos e sob a responsabilidade dos integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários (artigo 1º, §1º, Resolução CVM nº 16/2021), em especial, das corretoras de títulos e valores mobiliários (CTVM). Como opção, podem também exercer as atividades sob a forma de sociedade simples ou firma individual, desde que constituídas exclusivamente para esse fim (artigo 8º, incisos II e III, Resolução CVM nº 16/2021).

Para que possam exercer as atividades, os AAIs devem estar registrados perante a CVM, desde que previamente credenciados (artigo 4º a 8º, da Resolução CVM nº 16/2021) pela Associação Nacional das Corretoras e Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários, Câmbio e Mercadorias (Ancord).

O ponto de destaque e de relevante afastamento daqueles que praticam distribuição de valores mobiliários é o fato de as atividades serem eminentemente comerciais: de prospecção e captação de clientes; de recebimento e registro de ordens; e de prestação de informações acerca dos produtos e serviços oferecidos pelas corretoras (conforme incisos I, II e III, do §1º, do artigo 1º, da Resolução CVM nº 16/2021).

Tais atividades são realizadas pelos AAIs em prestação de serviços contratados pelas corretoras. No caso, o AAI é remunerado pela corretora contratante, sendo a remuneração fruto das comissões recebidas da corretora, em contraprestação pelas transações efetuadas pelo investidor que foi por eles aproximado e que adquiriu os serviços de coleta, intermediação e custódia de valores de terceiros que é prestado pelas corretoras.

Disso se depreende que a atividade do AAI é materialmente idêntica à desempenhada por qualquer outro agente colaborador que aproxima os potenciais interessados no produto e/ou serviço oferecido por determinado fornecedor, estabelecendo o contato entre essas duas partes para que fechem o negócio.

Sobre o ponto, é preciso esclarecer que o AAI deve exercer apenas as atividades taxativamente previstas no artigo 1º, §1º, da regulamentação da CVM, sob pena de descaracterização da profissão. Nesse sentido, não há, na atividade profissional dos AAIs, qualquer intermediação ou distribuição de títulos e valores mobiliários como a realizada por uma corretora, no sentido técnico do termo. Os AAIs apenas aproximam os investidores interessados das instituições financeiras integrantes do sistema de distribuição de títulos e valores mobiliários para que, querendo, contratem os seus serviços.

É por esse motivo que a própria Resolução CVM nº 16/2021 prescreve, no artigo 18, vedações ao AAI no que toca à prática de atividades que seriam próprias de corretoras e/ou distribuidoras de títulos e valores mobiliários — na mesma linha vai também o artigo 2º, inciso V, da Resolução nº 2.838/2001, do Banco Central do Brasil. O intuito da CVM é justamente delimitar estritamente as atividades dos AAIs, a fim de impedir que atuem como verdadeiros distribuidores de títulos e valores mobiliários.

Para que fique claro: as corretoras e as distribuidoras de títulos e valores mobiliários são instituições financeiras que têm como atividade principal a intermediação de operações nos mercados regulamentados de valores mobiliários, como é o caso dos mercados de bolsa e de balcão (organizado ou não). Esse serviço consiste na execução de ordens de compra e de venda de valores mobiliários, mas também podem se incluir, entre as atividades por elas oferecidas, a disponibilização de informações de análise e consultoria de investimentos (atividades típicas de consultores e analistas de investimentos, regradas pela Resolução CVM nº 19 /2021 e Resolução CVM nº 20/2021, respectivamente), a administração de carteiras de valores mobiliários e fundos de investimentos (atividade típica de administradores/gestores de carteira, regrada pela Resolução CVM nº 21/2021), a prestação de serviços de custódia, entre outras.

É evidente, portanto, que o impedimento previsto no artigo 3º, §4º, inciso VIII, da LC nº 123/06 não se aplica às sociedades de AAI, que podem ser enquadradas, para fins de tributação, ao regime do Simples Nacional.

Pautando-se pela regra jurídica segundo a qual os benefícios fiscais precisam ser interpretados literalmente, seja pela própria disposição do § 2º, do artigo 17, da LC 123/06, que afirma a possibilidade de opção ao Simples por sociedade de micro ou de pequeno porte que exerça outras atividades que não tenham sido objeto de vedação pelo regime favorecido, o Judiciário tem passado a se inclinar favoravelmente a essa opção por parte de sociedades de AAIs.

Vale referência a decisão do TRF-2, na APC 0006925-13.2018.4.02.5101, enquadrando o AAI na previsão de opção ao Simples Nacional pela regra do artigo 18, §5-F, da LC 123/06.

Com isso, considerando que a tributação de receita bruta pelo Simples Nacional, em comparação com lucro presumido ou real de sociedades de AAIs, tende a ser bastante menor, o pleito judicial para essa autorização surge como alternativa para aqueles que estejam dentro dos limites de faturamento anual do regime favorecido.

Consultor Júridico

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