Nos últimos dias, uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) com forte impacto na Justiça do Trabalho causou grandes debates e discussões acadêmicas. Isso porque o ministro Dias Toffoli suspendeu, em todo o território nacional, o andamento das execuções envolvendo o reconhecimento de grupo econômico na fase de execução.
O leading case discute a possibilidade de inclusão no polo passivo da lide, na fase executiva trabalhista, de empresa integrante de grupo econômico que não tenha participado do processo de conhecimento.
Em decisão monocrática, apreciando o Tema 1.232 da Tabela de Repercussão Geral do STF, o ministro assim justificou sua decisão [1]:
“Convém ressaltar, de pronto, que o tema é objeto de discussão nas instâncias ordinárias da Justiça do Trabalho há mais de duas décadas, ocasionando, ainda hoje, acentuada insegurança jurídica. A par disso, não se pode olvidar que o deslinde da controvérsia por esta Suprema Corte terá repercussão direta no âmbito de incontáveis reclamações trabalhistas, acarretando relevantes consequências sociais e econômicas.
(…) Não me parece prudente manter a atuação cíclica da máquina judiciária no tocante às demandas que veiculem matéria semelhante à dos presentes autos até que a Corte se pronuncie em definitivo sobre a questão.
Ante o exposto, com fundamento no art. 1.035, § 5º, do Código de Processo Civil, determino a suspensão nacional do processamento de todas as execuções trabalhistas que versem sobre a questão controvertida no Tema nº 1.232 da Gestão por Temas da Repercussão Geral, até o julgamento definitivo deste recurso extraordinário”.
Por certo, o assunto é polêmico, tanto que foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [2], razão pela qual agradecemos o contato.
Com efeito, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), oficialmente existem 232 processos envolvendo esta temática, sendo 207 no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e 25 tramitando nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs)[3]. Na prática, porém, é cediço que tal número é muito superior, alcançando centenas de milhares de processos em tramitação perante todos os graus de jurisdição do Poder Judiciário trabalhista.
A título de ilustração, um levantamento feito no ano de 2022 pela empresa Data Lawyer revelou que aproximadamente 60 mil ações que tramitam na Justiça do Trabalho trazem a expressão “grupo econômico”, e, portanto, podem acabar sendo impactadas pela decisão de paralisação [4].
Frise-se, oportunamente, que a Corte Superior Trabalhista já havia sido provocada a emitir juízo de valor sobre o redirecionamento da execução em face das empresas integrantes do grupo econômico, tanto que o assunto foi abordado no passado por esta coluna [5].
À vista disso, diante da controvérsia envolvendo tal temática, não há um entendimento pacífico até o presente momento, tanto que os tribunais trabalhistas têm decidido de formas diferentes para o mesmo assunto. Aliás, discute-se, sobretudo, se, em tais casos, deve ou não ser aplicado o regramento trazido pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015.
Isso porque, nos termos do artigo 513, §5º do referido diploma legal [6], em se tratando de cumprimento de sentença, esta não poderá ser direcionada em face daquele que não tiver participado da fase de conhecimento. Lado outro, o Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) disciplina a questão do grupo econômico trabalhista em seu artigo 2º, §§ 2º [7] e 3º [8], que sofreram alterações com o advento da Lei 13.467/2017.
Nesse sentido, a doutrina diverge quanto à aplicabilidade do CPC/15 na execução trabalhista, sendo oportunos os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg [9]:
“Dispõe o § 5º do artigo 513 do CPC que o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.
Tal disposição, contudo, não se aplica ao processo do trabalho, uma vez que o artigo 889 da CLT determina a aplicação subsidiária da LEF à execução trabalhista, a qual admite o redirecionamento da execução em face de pessoas que não constam do título executivo (CDA), como consta do rol exemplificativo do artigo 4º da Lei nº 6.830/80, a saber: (i) devedor; (ii) o fiador; (iii) o espólio; (iv) a massa; (v) o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e (vi) os sucessores a qualquer título”.
Para aqueles que defendem a aplicação das disposições do CPC/15, o fundamento seria de que a inclusão da empresa, somente na fase de execução, acabaria por violar os princípios da ampla defesa e do contraditório, já que não teria integrada a discussão de mérito desde a inicial.
Em sentido contrário, outra corrente defende que as normas do Código de Processo Civil de 2015 não são de aplicabilidade imediata, mas sim, subsidiária ou supletiva [10], sendo que, em se tratando de execução, a CLT traz regramento específico para a aplicação de Lei de Execução Fiscal [11].
Entrementes, não há dúvidas de que existem relevante diferenças e distinções ao comparar o direito processual do trabalho com o direito processual civil, tendo em vista a natureza da relação envolvida. Sabe-se que, na maioria das vezes, é difícil para o trabalhador obter informações referente à higidez financeira de seu empregador ou até mesmo da parcela de responsabilidade que os sócios possuem no momento da propositura da ação.
De mais a mais, cabe lembrar que um dos grandes gargalos da Justiça do Trabalho continua sendo a fase de execução. Segundo o Relatório Justiça em Números 2022, o Poder Judiciário contava com um acervo de 77 milhões de processos pendentes de baixa no final do ano de 2021, sendo que mais da metade desses casos (53,3%) se referia à fase de execução [12].
Se é verdade que deve ser preservado e oportunizado o direito à ampla defesa e ao contraditório a fim de se evitar o desrespeito ao devido processo legal, de igual modo deve ser combatido qualquer mecanismo que vise à blindagem patrimonial impedindo o cumprimento efetivo da execução.
Por isso é imprescindível o debruçar cauteloso desta temática pela Suprema Corte, vez que o julgamento definitivo do recurso extraordinário irá impactar milhares de processos. Claro que se deve obstar um procedimento açodado que coloque em risco os direitos e garantias insculpidos na Lei Maior, sem que, contudo, se chancelem práticas permissivas de empresas se escondam atrás de conglomerados econômicos para o não cumprimento de suas obrigações trabalhistas.
Em arremate, a decisão proferida no RE 1.387.795/MG representa mais um capítulo de ruídos envolvendo conflitos entre a Suprema Corte e a Justiça do Trabalho, de sorte que se espera que a questão seja resolvida com a devida sapiência e, ao mesmo tempo, com maior brevidade possível, garantindo-se o respeito aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
Ricardo Calcini é professor, advogado, parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.
Leandro Bocchi de Moraes é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).