Günther e Araujo: Licenciamento de tecnologia e PIS sobre royalties

Neste artigo trataremos da incompatibilidade do posicionamento manifestado pela Receita Federal na Solução de Consulta Cosit n° 431/2017  que determina a tributação pelo PIS/Cofins das receitas de royalties recebidos do exterior em decorrência de contratos de licenciamento de tecnologia, por não considerá-las como receitas de exportação  e na recente Solução de Consulta Cosit nº 107/2023  que reconhece a incidência do PIS/Cofins-Importação na remessa de royalties em contratos de licenciamento de tecnologia para o exterior, por considerá-los como prestação de serviços.

A incompatibilidade, que deve resultar na não incidência de PIS/Cofins nas receitas de royalties recebidos do exterior, tem origem em recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o conceito jurídico de licenciamento e serviços. Passamos ao ponto.

Em recentes decisões no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) n° 1.945/MT e 5.659/MG, o STF decidiu pela incidência do ISS nas operações com softwares, atividade prevista no item 1.05 da lista de serviços anexa à lei complementar n° 116/03, tendo, com isso, sido afastada as hipóteses de incidência do ICMS sobre o licenciamento ou a cessão do direito de uso de programas de computador. Assim, para a Suprema Corte, contratos de licenciamento passaram a ser contratos de prestação de serviços.

Baseando-se nesse entendimento, a RFB alterou posicionamento anterior, revogando parcialmente a Solução de Consulta Cosit n° 303/2017, e editou a Solução de Consulta Cosit n° 107/2023, em que reconhece a incidência de PIS/Cofins-Importação sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, como contraprestação à prestação de serviços decorrentes de contratos de licenciamento, nos termos do artigo 7°, II, da Lei n° 10.865/2004 [1]:

“(…)

Assunto: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)

IMPORTAÇÃO. SOFTWARES DE PRATELEIRA. DOWNLOAD. LICENÇA DE USO. SERVIÇOS CONEXOS. CONTRATO. PREVISÃO CONCOMITANTE DE LICENÇA DE USO E SERVIÇOS CONEXOS. INCIDÊNCIA.

No contrato de licenciamento de uso de softwares a obrigação de fazer está presente no esforço intelectual, seja a aquisição por meio físico ou eletrônico, o que configura contraprestação por serviço prestado os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior como remuneração decorrente dessa adesão, incidindo a Cofins-Importação sobre tais valores, nos termos do inciso II do artigo 7º c/c o inciso II do artigo 3º da Lei nº 10.865, de 2004.

A Cofins-Importação incide sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, como contraprestação à prestação de serviços decorrentes de contratos de licenciamento de uso de softwares, como a manutenção e o suporte a esses relacionados.

REFORMA PARCIALMENTE A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 303, DE 2017; A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 374, DE 2017; A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 262, DE 2017; A SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 448, DE 2017 E A SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA Nº 2, DE 2019.”

O novo posicionamento manifestado nessa solução de consulta torna evidente o conflito entre os entendimentos pela incidência de PIS/Cofins-Importação e pela incidência de PIS/Cofins em royalties recebidos do exterior. Passamos a explicar.

O artigo 149, §2°, I, da Constituição [2], alterado pela Emenda Constitucional n° 33/2001, estabelece que as receitas decorrentes de exportação são imunes às contribuições sociais, dentre elas ao PIS/C, que possuem previsão no artigo 195, I, “b”, da Carta Magna [3].

Dando concretude ao texto constitucional, o legislador ordinário, ao regulamentar as contribuições sociais PIS e Cofins, dispôs que as referidas contribuições sociais não incidem sobre exportação de mercadorias, bem como sobre a prestação de serviços para pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior, nos termos do artigo 5°, I e II, da Lei n° 10.637/02 e do artigo 6° I e II, da Lei n° 10.833/03, respectivamente.

Considerando tais dispositivos, ao responder questionamento sobre se os royalties, cuja definição se encontra no artigo 22 da Lei nº 4.506, de 1964 [4], recebidos do exterior, pelo licenciamento de software, seriam considerados receitas de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, se enquadrando, portanto, nas hipóteses de não incidência de PIS/Cofins, foi editada a Solução de Consulta Cosit n° 431/2017, nos seguintes termos:

“(…)

ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS. EXPORTAÇÃO. ROYALTIES. INCIDÊNCIA.

Os royalties recebidos do exterior, em pagamento pelo licenciamento de tecnologia, não configuram receita de venda de mercadorias ou de prestação de serviços, razão pela qual não se enquadram nas hipóteses de não incidência da Cofins previstas no artigo 6º da Lei nº 10.833, de 2003.

Dispositivos Legais: Lei nº 10.833, de 2003, artigo 6º.”

Assim, de acordo com a Cosit ainda vigente, o posicionamento da Receita é no sentido de que os royalties recebidos do exterior em decorrência do licenciamento de software, não configuram receita de venda de mercadorias ou de prestação de serviços (exportação), atraindo, portanto, a incidência de PIS/Cofins.

Por outro lado, como apontado acima, no tocante à remessa de royalties para o exterior a título de licenciamento de software, a RFB considera os royalties receita de venda e de prestação de serviços, atraindo a incidência de PIS/Cofins-Importação (Cosit 107/2023).

O conflito, portanto, está no fato de a Receita ter atualizado o seu posicionamento apenas para a incidência sobre royalties pagos ao exterior (importação) e não para os royalties recebidos (exportação). Em outras palavras, se o licenciamento de software é serviço, deve haver PIS/Cofins-Importação, mas será impossível a incidência das contribuições sobre as receitas decorrentes da exportação da tecnologia.

Veja-se que, por meio da Cosit nº 75/2023, a RFB também atualizou o seu entendimento para apontar que, sendo o licenciamento um tipo de serviço, empresas que apurem lucro presumido deverão considerar a presunção típica de serviços (32%) e não as presunções geais (8% para IRPJ e 12% para CSLL) para a apuração do lucro.

Por questão de lógica, portanto, o conceito de licenciamento de software enquanto serviço deverá ser atualizado, também, no contexto de royalties recebidos do exterior para que estas receitas fiquem à salvo da incidência das contribuições, revogando-se o conteúdo da Solução de Consulta Cosit nº 431/2017.

Assim, até que a Receita oficialmente manifeste novo entendimento e revogue a Cosit nº 431/2017, os contribuintes que recebam royalties pagos por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras estão sujeitos à tributação de tais receitas, assumindo o risco de autuação fiscal caso não o façam; a alternativa, para esses contribuintes, é avaliar o ajuizamento de medida judicial para a sua proteção contra eventual e ilegal pretensão arrecadatória da Receita.

 


[4] Artigo 22. Serão classificados como “royalties” os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:

a) direito de colhêr ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;

b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;

c) uso ou exploraçâo de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio;

d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra.

Guilherme Peloso Araujo é sócio no Peloso Araujo Advogados, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Consultor Júridico

Facebook
Twitter
LinkedIn
plugins premium WordPress

Entraremos em Contato

Deixe seu seu assunto para explicar melhor