Gustavo Mizrahi: Quem tem medo do contencioso?

Casos recentes de impunidade no contexto empresarial brasileiro trazem à tona uma importante discussão sobre a necessidade de aprovação de um novo formato de proteção aos acionistas minoritários, no âmbito privado.

A atual legislação societária brasileira, representada pela Lei Federal nº 6.404/1976, conhecida como “Lei das SAs” ou “LSA”, apresenta diversos obstáculos e lacunas quando se trata da proteção dos direitos dos acionistas minoritários que buscam reparação por danos junto ao Poder Judiciário ou por meio de arbitragem.

Para responsabilizar civilmente um administrador, o acionista minoritário precisa cumprir os requisitos processuais e materiais estabelecidos nos artigos 158 e 159 da LSA. Já para responsabilizar civilmente um acionista controlador, é necessário o atendimento dos requisitos processuais e materiais dos artigos 117 e 246 da LSA.

Podemos citar como exemplo desses obstáculos a exigência de deliberação prévia da assembleia geral antes da propositura da ação, a necessidade de que a medida seja apresentada por acionistas com significativa participação societária, os curtos prazos prescricionais estabelecidos na Lei das SAs e a obrigação de anular previamente a deliberação que aprovou as contas, entre outros.

Fato é que o sistema de responsabilidade civil no direito societário impõe uma tarefa praticamente hercúlea para que os acionistas minoritários consigam proteger seus direitos.

É verdade que os problemas societários deveriam, na medida do possível, ser resolvidos pelos próprios acionistas. No entanto, a legislação não pode ignorar os problemas práticos enfrentados no cotidiano empresarial brasileiro, onde, em muitos casos, acionistas controladores abusam de seus poderes legalmente concedidos e/ou administradores descumprem os padrões de conduta estabelecidos por lei, inclusive para frustrar o êxito de demandas judiciais ou arbitrais relacionadas a essas questões.

Não se trata aqui de defender indiscriminadamente uma punição severa aos controladores e administradores em detrimento do desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. O objetivo é apenas destacar que a distribuição de poder no sistema societário brasileiro tende a privilegiar uma espécie de impunidade, o que acaba estimulando comportamentos prejudiciais por parte dos agentes de mercado que ocupam essas posições de poder.

Devido a esse cenário, e considerando o recente incidente ocorrido com a empresa Americanas S.A., o Congresso foi instado a debater a necessidade de reformas substanciais no modelo de proteção dos direitos dos acionistas minoritários por meio do Projeto de Lei nº 2.925/2023, conhecido como “PL da Tutela Privada”.

As inovações propostas pelo PL da Tutela Privada têm como objetivo geral reduzir as dificuldades enfrentadas pelos acionistas minoritários na obtenção de reparação civil efetiva por danos perante a jurisdição estatal ou arbitral, o que é uma iniciativa positiva. No entanto, o texto atual do projeto não está livre de críticas, o que reforça a importância de um amplo debate público entre os representantes das partes envolvidas, para que se estabeleça um modelo seguro por meio do consenso social sobre as melhores medidas de freios e contrapesos para o sistema de responsabilidade civil aplicado ao direito das sociedades.

O que não pode haver, durante o processo de tramitação do PL da Tutela Privada, é o medo do contencioso. Afinal, o receio infundado dos envolvidos no âmbito das sociedades anônimas em relação a mecanismos de resolução de litígios acaba resultando, infelizmente, em opções legais que restringem o acesso à justiça. Em vez de permitir que as crises societárias sejam resolvidas internamente, as dificuldades e barreiras existentes para a responsabilização e o controle judicial das práticas societárias acabam levando à impunidade por atos ilícitos e abusivos, prejudicando o bom funcionamento do mercado de capitais brasileiro.

Estimular o investimento da poupança popular no mercado de capitais requer a existência de um sistema jurídico seguro e eficaz que garanta aos acionistas minoritários os meios para agir, inclusive por meio de ações judiciais, sem abuso de minoria, contra ilegalidades e abusos praticados no âmbito societário por administradores e acionistas controladores.

Consultor Júridico

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