A juíza Gabriela Hardt, que atua como substituta na 9ª Vara Federal de Curitiba, rejeitou nesta terça-feira (28/3) um pedido do Ministério Público Federal para arquivar parte da investigação sobre o suposto plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) de sequestrar o senador Sergio Moro (União Brasil-PR). Ela também rejeitou enviar o caso ao MP de São Paulo.
Na solicitação, o procurador José Soares, que atua no MPF em Curitiba, argumentou que os acusados da suposta tentativa de atacar Moro não cometeram nenhum crime federal. Já os crimes estaduais investigados seriam de competência do MP paulista, uma vez que todos os acusados residem em São Paulo e teriam executado o plano no estado. Ainda assim, Hardt decidiu manter a competência da Justiça Federal do Paraná.
O único crime federal investigado no caso é o de extorsão mediante sequestro para que o PCC obtivesse uma vantagem que “não se sabe ainda exatamente qual é”, conforme disse o procurador. Segundo ele, no entanto, só é possível falar em extorsão mediante sequestro quando há ao menos a tentativa de cometer o crime, o que não aconteceu.
“No caso, é notório, de conhecimento público, que o senador Sergio Moro (ou alguém de sua família) felizmente não chegou a sofrer atentado à sua liberdade, à sua vida ou à sua integridade física. Ou seja, o crime de extorsão mediante sequestro, inicialmente planejado e preparado, aparentemente pela organização criminosa PCC, não chegou a ser tentado”, disse Soares.
Os demais crimes investigados (organização criminosa e crime de porte/posse ilegal de arma de fogo) são de competência estadual, afirmou o procurador. Ele elencou os motivos pelos quais o caso deveria ir a São Paulo, em vez de ficar em Curitiba. São eles:
- O PCC foi fundado e atua em São Paulo;
- O plano contra Moro teria sido todo preparado em São Paulo por pessoas que vivem no estado;
- Todos os suspeitos foram presos em São Paulo;
- Houve buscas em 26 endereços, 22 deles (84%) localizados em São Paulo.
Hardt alegou, no entanto, que parte dos “planos espúrios” contra autoridades, entre elas Moro, tem conexão com fatos que seriam executados em Cascavel (PR), Brasília, Campo Grande e Porto Velho, locais em que estão presos em presídios federais os principais chefes do PCC.
“A operação policial foi deflagrada há menos de uma semana, de modo que as lacunas porventura existentes poderão ser esclarecidas pelos elementos de informação que já foram e também por aqueles que ainda serão colhidos (como a oitiva dos investigados), não podendo ser interpretadas — neste momento pré-processual e quando ainda não encerradas as diligências policiais — como o reconhecimento da inexistência do crime”, afirmou a juíza.
Competência
Conforme mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a Justiça Federal do Paraná não é competente para conduzir a investigação sobre o suposto plano para sequestrar Moro. Como os delitos em averiguação não seriam praticados devido ao fato de ele ser parlamentar, nem em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o processo cabe à Justiça estadual.
E sequer cabe à Justiça paranaense, mas à paulista. Afinal, foi ela que iniciou a apuração. E os primeiros atos preparatórios para colocar o eventual projeto em prática foram praticados por integrantes do PCC em cidades de São Paulo.
O processo que apura o suposto plano para sequestrar Moro está correndo na 9ª Vara Federal de Curitiba. A assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná afirmou à ConJur que a competência é federal, e não estadual, porque a vítima é senador.
O órgão citou a Súmula 147 do Superior Tribunal de Justiça. A norma estabelece que “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função”.
Além disso, a assessoria de imprensa sustentou que a investigação tramita em Curitiba por ser o local onde Moro reside e onde o suposto sequestro seria colocado em prática. Os primeiros atos de execução do tal plano ocorreram em dezembro do ano passado, quando ele já tinha sido eleito, mas não empossado.
Porém, o fato de Moro ser senador ou ter sido ministro da Justiça — cargo no qual tomou medidas que desagradaram ao PCC, segundo a juíza Gabriela Hardt — não atrai a competência da Justiça Federal, afirma Afrânio Silva Jardim, professor aposentado de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Ele diz que o fato de a vítima de crime contra a pessoa — como sequestro ou eventual homicídio, delitos que supostamente poderiam ser praticados contra Moro — ser funcionário público não é hipótese de atribuição do caso a juízes federais, conforme a Constituição.
O artigo 109, IV, da Carta Magna estabelece que compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.
Jardim destaca que, no caso de sequestro, tentativa de sequestro ou homicídio, não houve início da execução. E levantar aspectos do cotidiano da eventual vítima não caracteriza começo da consumação do delito. De qualquer forma, seriam crimes praticados contra Sergio Moro pessoa física, não em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas. Portanto, a competência é da Justiça estadual, não da federal, opina o professor.
Se há um delito que já estava sendo praticado, destaca ele, é o de pertencimento a organização criminosa — que é de mera conduta e não tem vítima. Portanto, o fato de Moro ser senador e ter sido ministro da Justiça novamente não torna a Justiça Federal competente para conduzir a investigação.
Nessa mesma linha, Aury Lopes Jr., professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, afirma que não é o caso de aplicação da Súmula 147 do STJ.
“A competência da Justiça Federal seria atraída se o crime fosse praticado contra servidor público no exercício das funções. Tem de ter atualidade do exercício. Ele (Moro) é senador hoje, mas os crimes não têm qualquer relação com isso. Não vejo justificativa para incidência da súmula, tampouco para competência federal. Inclusive, todas as restrições que o STF estabeleceu — na Questão de Ordem na Ação Penal 937 — precisam ser consideradas nessa discussão. Se um crime praticado pelo servidor, após a cessação da prerrogativa, não atrai a atuação do tribunal (ou seja, não tem prerrogativa alguma), isso também se aplica no sentido inverso”, avalia Lopes Jr., que é colunista da ConJur.
No caso citado pelo professor, julgado em 2018, o Plenário do STF restringiu o alcance do foro por prerrogativa de função. Para os ministros, parlamentares só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados anteriormente a isso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.
Paraná ou São Paulo?
A investigação começou na Justiça estadual de São Paulo, estado onde os atos preparatórios para o suposto plano do PCC se iniciaram. Posteriormente, a parte que envolvia Sergio Moro foi cindida e enviada para a Justiça Federal do Paraná.
Se os atos preparatórios para o suposto plano se iniciaram em São Paulo, e a maioria das prisões e buscas e apreensões foi feita nesse estado, o caso deveria correr na Justiça estadual paulista.
Afrânio Silva Jardim menciona que, se a organização criminosa — o PCC — é sediada em São Paulo e começou a planejar o suposto sequestro em cidades paulistas, a competência é da Justiça estadual.
Com relação ao lugar, a competência é definida em função do crime mais grave, cita Aury Lopes Jr.. O suposto plano do PCC envolveria não apenas ataques a Moro, mas também ao promotor do Ministério Público de São Paulo Lincoln Gakiya. Ou seja, crimes de igual gravidade. Aí vale a regra da prevenção, segundo o professor. Assim, o processo deveria permanecer onde foi iniciado — na Justiça estadual de São Paulo, onde continua tramitando a apuração envolvendo o promotor.
“Anjos da guarda”
A operação “sequaz”, que desvendou o suposto plano contra Moro e para libertar chefes do PCC, ressuscitou as alegações da operação “anjos da guarda”, aberta em 2004. A diferença foi o acréscimo de Moro entre os alvos.
Segundo a Polícia Federal, integrantes do PCC planejavam promover ataques contra Moro e Gakiya com o objetivo de resgatar líderes do grupo encarcerados em presídios federais. O principal deles seria Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, o chefe da facção, que está na Penitenciária Federal de Brasília.
A juíza Gabriela Hardt decretou no último dia 22 a prisão provisória de 11 investigados. Os mandados de detenção e de busca foram cumpridos em São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rondônia.
O suposto plano já foi mencionado em diversas outras ocasiões. A mais recente. em 2022, na operação “anjos da guarda”. Na ocasião, a 15ª Vara Federal de Brasília ordenou a prisão preventiva de quatro advogadas e sete líderes do PCC com a alegação de que estavam tramando para resgatar Marcola e aliados.
O plano envolvia o sequestro de autoridades penitenciárias. As ordens de prisão e busca e apreensão foram cumpridas pela PF no Distrito Federal, em Mato Grosso do Sul e em São Paulo.
A principal diferença é que a investigação do ano passado foi conduzida pela Justiça Federal de Brasília, enquanto a de 2023 corre na Justiça Federal do Paraná, no que se refere ao suposto plano para sequestrar Moro, e na Justiça estadual de São Paulo.
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