Não é demasiado afirmar que um dos temas mais relevantes do contrato de seguro de pessoas cinge ao cumprimento (ou não) do dever prévio de informação ao contratante. A relevância da discussão está atrelada a considerável gama de cláusulas contratuais que limitam ou restringem o direito do segurado. Afinal, é válida cláusula contratual que exclui direito do segurado?
Se se espera uma resposta simples, com base na legislação consumerista, pensamos que pode haver certa frustação por parte do leitor, uma vez que o tema debatido só admite certeza quando à luz do caso concreto.
Em um contexto geral, o dever de informação, que se subdivide em dever de informar e ser informado, consiste no compromisso reciproco de se esclarecer aos sujeitos do contrato, as obrigações contraídas, as cláusulas contratuais, os deveres, os direitos, especificações acerca da conclusão do contrato e entre outros. Em linhas gerais, o dever de informar é atendido quando os pactuantes dispõem das informações necessárias para que o contrato atinja a sua plena eficácia.
No direito do consumidor, o dever de informação alcança um status ainda mais significativo, haja vista que diferentemente do direito privado, em que há em regra uma relação horizontal, a relação consumerista é pautada pela vulnerabilidade do consumidor. E é nesse contexto que se encaixa o contrato de seguro de pessoas, já que, via de regra, é aplicado o direito do consumidor.
Feita as considerações simplórias acerca do dever de informação, cumpre destacar, em suma, que o contrato de seguro de pessoas pode ser contratado em duas modalidades: individual e coletiva. Quando se pensa em dever de informação, é muito fácil perceber a quem se deve o dever de informar nas relações individuais, uma vez que nesta modalidade, que se constitui como regra, o segurado pactua diretamente com o segurador todas as cláusulas do contrato de seguro. Portanto, por ser um negócio jurídico bilateral, cabe ao segurador prestar previamente as informações do contrato, sobretudo sobre as cláusulas limitativas e restritivas de direito.
Não podemos manter o mesmo entendimento quando tratamos de seguro de pessoas coletivo ou em grupo, que é um negócio jurídico complexo e plurilateral por essência. Isso porque compõem na relação contratual, além do segurado e segurador, a figura do estipulante, que é pessoa natural ou jurídica que celebra o contrato seguro de pessoas em proveito de um grupo que a ela se vincula, sendo lhe atribuída o papel de representar o grupo segurado perante ao ente segurador.
Vale dizer que, nesta modalidade o estipulante é o legítimo tomador do contrato de seguro em grupo, pelo que põe à disposição em favor do grupo segurável, que poderá ou não aderir ao seguro coletivo. Não obstante, importante frisar que para compor o grupo, agora segurado, esse deverá guardar algum vínculo com o estipulante, ainda que anterior à celebração do contrato de seguro.
Diante da celeuma jurídica exposta, sobretudo quanto a dificuldade em se afirmar a que parte se deve a prestação de dever de informação nos contratos de seguro de pessoas em grupo, foi inaugurada a tese no Sul do País questionando a necessidade de prestação de dever de informação da seguradora e requerendo a anulação das cláusulas que eventualmente restringem ou excluem o direito de seus clientes.
Nessa toada, pelo elevado número de ações judiciais acerca do tema, instaurou-se no Brasil um cenário de insegurança jurídica, haja vista que as decisões, até mesmo âmbito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) não eram uniformes.
Até um passado recente, a 3ª e 4ª Turma de Direito Privado divergiam quanto a quem incumbia dever de informação do estipulante nos contratos de seguro de pessoas coletivo. Haviam decisões favoráveis à seguradora no âmbito da 3ª Turma de Direito Privado e desfavoráveis no âmbito 4ª Turma de Direito Privado.
O grande passo para a uniformização do entendimento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi quando a 4ª Turma de Direito Privado, por meio do REsp 1.850.961/SC, passou a entender que o dever de informação nos contratos de seguro de pessoas em grupo cabe ao estipulante. Contudo, em que pese ter sido pacificado o tema, a 2ª Sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sentiu a necessidade de rediscutir a matéria por meio REsps Repetitivos nº 1.874.811/SC e 1.874.788/SC para que o entendimento alcançasse o devido efeito vinculante, pelo que ensejou na fixação do Tema nº 1.112 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Muito se questiona se a decisão da 2ª Sessão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não foi contrária às disposições do código de defesa do consumidor, já que se trata de uma norma de ordem pública, e teria, em tese, maior relevância na resolução do problema.
Não obstante, impende registrar que em se tratando de contrato de seguro, mister se faz levar em consideração o decreto lei nº 73/66, que dispõe acerca do Sistema Nacional de Seguros Privados. Para se ter uma ideia, é por este decreto que se institui órgãos como a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). De igual modo, atribui ao Conselho Nacional de Seguro Privado (CNSP) por meio do § 3º do Artigo 21 do Decreto-Lei 73/1966, que “O CNSP estabelecerá os direitos e obrigações do estipulante (…)”.
Nessa perspectiva, o art. 8º da Resolução do Conselho Nacional de Seguro Privado (CNSP) nº 434 de 17/12/2021 destrincha com excelência as obrigações do estipulante, pelo que prevê em seu inciso III a obrigação de “fornecer ao segurado, sempre que solicitado, quaisquer informações relativas ao contrato do seguro”.
É inegável que o art. 8º da mencionada resolução nº 434 do Conselho Nacional de Seguro Privado (CNSP) atribui ao estipulante uma série de obrigações, inclusive as relacionadas ao cumprimento do dever de informação.
Se formos analisar o contrato de seguro de pessoas em grupo, percebemos que não existe dever de informação pré-contratual ou pré-negocial para com o segurado que forma o grupo segurado. Isto porque a relação jurídica do contrato do seguro em grupo já é pré-constituída quando da adesão do segurado ao grupo. Nesse passo, de certa forma, se justifica a previsão de obrigação do estipulante em “fornecer ao segurado, sempre que solicitado, quaisquer informações relativas ao contrato do seguro”.
Frisa-se que a adesão do segurado ao grupo é uma faculdade, visto que poderá ou não aderir ao contrato de seguro coletivo. Ainda assim, quando da adesão, o segurado pertencente do grupo tem o direito de receber todas as informações do contrato de seguro, se assim o solicitar. Nota-se que neste ponto se trata de um flagrante caso decorrente do dever de se informar do segurado que aderiu o grupo.
A propósito desta questão, também não se pode legitimar o entendimento que não cabe a seguradora nenhuma prestação de dever de informação, afinal, é ela que detém todo o conhecimento do ramo securitário. O dever de informação, no entanto, é prestado quando da celebração do contrato de seguro coletivo, formalizado entre o segurador e o estipulante. Portanto, há neste caso a implícita obrigação de cumprimento dos deveres anexos de conduta, na fase pré-negocial ou pré-contratual, do segurador perante o estipulante.
Há de se convir que a lógica indica a validade da vinculação a prestação do dever de informação ao estipulante. Essa narrativa ganha ainda mais força por estar prevista na resolução nº 434 do Conselho Nacional de Seguro Privado (CNSP). Alhures dito, é o Conselho Nacional de Seguro Privado (CNSP) que tem a responsabilidade de estabelecer os direitos e deveres do estipulante nos contratos de seguro coletivo, conforme indica o Artigo 21, § 3º do Decreto-Lei 73/1966.
Assim, no momento em que a gestora de risco informa de forma clara e adequada todas as informações do contrato de seguro em grupo ao estipulante, sobretudo o valor dos prêmios, as coberturas disponíveis, o índice adotado para a correção do prêmio e do capital segurado, as cláusulas limitativas ou restritivas de direito, há a satisfação do dever anexo de conduta referente a informação, conferindo total eficácia as cláusulas não abusivas do contrato.
Nesse ínterim, bom que se diga que não se trata de tentativa de se furtar do dever de prestação de anexo de conduta, muito pelo contrário, já que é garantido ao segurado pertencente do grupo a devida informação. O que acontece, em realidade, é a redistribuição do ônus de informar por imposição legal, o que no caso concreto, não se afigura nenhuma contradição com o Código de Defesa do Consumidor, já que sua finalidade seria alcançada.
Ainda assim, a prestação do dever de informação da seguradora para com o estipulante, supre, de forma satisfatória, ao determinado pelo Código de Defesa do Consumidor no que tange ao dever de informação. Portanto, infere-se que a tese fixada por meio do Tema nº 1.112 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não fere as disposições do código de defesa do consumidor, sobretudo no que tange o dever de informação consagrado no artigo 6, III desse código.
João Victor Santana de Alencar é advogado do João Barbosa Assessoria Jurídica, especialista em Direito Securitário, pós-graduando em Gestão Jurídica em contratos de seguro e inovação (ENS) e bacharel em Direito pela Faculdade Nova Roma (FNR).