Deve a lei penal que beneficia o réu ser aplicada, quando ainda não vigente, porque submetida a período de vacatio legis?
Dois entendimentos se apresentam.
O primeiro: sem vigência, não deve ser aplicada, já que há a possibilidade de sua revogação, durante o período de vacatio legis, como ocorreu com o Código Penal de 1969.
O segundo: sim, deve ser aplicada, mesmo antes de sua vigência, uma vez que a não aplicação imediata impõe irreparáveis prejuízos ao réu.
Um exemplo: Jonas é condenado, por sentença, à pena de um ano de reclusão (pena aplicada igual à pena mínima cominada), por força da prática do crime “X”. Quando já cumpriu seis meses da pena imposta, nova lei é publicada, a qual, ao mesmo crime “X”, passa a cominar a pena mínima de seis meses de reclusão, sendo que a nova lei (mais benéfica) somente terá vigência, decorridos seis meses, a contar de sua publicação.
No exemplo, caso não se aplique, ao processo de Jonas, a nova lei, desde logo (desde sua publicação e mesmo antes de sua vigência), haverá flagrante e irreparável prejuízo, já que Jonas terá de cumprir os seis meses restantes de pena, com prejudicial desconsideração do benefício da nova lei (redução de pena).
O absurdo (da não aplicação imediata) evidencia-se maior, dada a exacerbação do prejuízo, na hipótese de condenação à pena de morte [1], a ser cumprida, durante o período de vacatio legis de nova lei, que passa a não mais cominar pena de morte ao crime pelo qual o réu foi condenado [2]. Isto porque, executada a pena, com a morte do réu, a superveniente vigência da nova lei não teria o condão de restituir o réu à vida.
Também no exemplo de Jonas, a subsequente vigência da lei benéfica não lhe restituiria os seis meses de prisão, indevida e gravosamente, cumpridos.
O argumento de que a nova lei penal benéfica, submetida a vacatio legis, pode vir a ser revogada, antes mesmo de sua vigência, não merece acato, mesmo porque, em casos que tais, se deve proceder ao sopesamento de prejuízos causados, seja ao réu, pela não aplicação imediata da lei; seja à sociedade, por sua aplicação e posterior revogação, ocorridas antes de sua vigência.
Com efeito, o prejuízo imposto ao réu se afigura irreparável, porque não restituíveis a vida, no caso da pena de morte, ou a liberdade, no caso da pena de prisão [3].
Já o prejuízo imposto à sociedade (com a revogação da lei penal benéfica, aplicada durante a vacatio legis) se faz suficientemente contornável mediante a submissão do réu (novamente preso) ao cumprimento do período (restante) de pena de prisão ou à execução da pena de morte, das quais (prisão e morte) se houvera furtado, pelo antecipado efeito benéfico da nova lei.
Deve, pois, a lei penal em vacatio legis e, por isso, não vigente ser aplicada, porque benéfica, desde a publicação [4].
“Dos males, o menor”, diz a sabedoria popular.
José Osterno Campos de Araújo é procurador regional da República, mestre em Ciências Criminais e professor do UniCEUB. Autor dos livros Verdade Processual Penal (Juruá) e Direito Penal na Literatura (Núria Fabris).