Por claros sinais de atuação predatória, a 2ª Vara de Feitos de Relação de Consumo Cível e Comerciais de Barreiras (BA) determinou a expedição de ofícios para informar autoridades sobre a postura de um advogado do Mato Grosso do Sul que ingressou com 3,2 mil processos na região.
Segundo análise do juiz auxiliar Maurício Alvares Barra, em um dos casos protocolados pelo profissional contra um banco, ficou evidente a captação ilícita do cliente, a falta de consentimento livre e esclarecido do recorrente, o uso indevido do direito de ação e o abuso do direito de litigar.
Na decisão, o magistrado determinou a expedição de ofícios à Ordem dos Advogados do Brasil (Federal e seccional Bahia), aos Ministérios Públicos Estadual e Federal, ao Núcleo de Combate às Fraudes do Sistema dos Juizados Especiais e ao Centro de Inteligência da Justiça Estadual da Bahia (Cijeba).
Logo ao iniciar a decisão, o magistrado diz que causa “perplexidade” os indícios de ajuizamento de ações predatórias. As 3.248 ações protocoladas pelo advogado estão distribuídas por três Varas Cíveis da região ao longo dos últimos quatro anos.
Consta nos autos que o advogado tem nove inscrições estaduais diferentes. “O número de demandas ajuizadas pelo advogado é muito superior à média de ações protocoladas por profissionais locais, ressaltando-se que fisicamente não se tem notícia de sua presença (muito provavelmente nunca esteve na cidade).”
De acordo com o juiz, as partes afirmam que desconhecem o advogado, conhecendo apenas os seus assessores (captadores de clientes). “As alegações são genéricas e com pedidos semelhantes em outras ações da parte, já que utiliza os mesmos documentos para ajuizar inúmeras ações, inclusive demandas múltiplas pelo mesmo autor contra instituições financeiras.”
Após analisar detalhadamente os tipos de ações peticionadas pelo advogado, o magistrado disse que a maioria é referente à nulidade de contratos bancários firmados por pessoas analfabetas ou de pouca instrução. “Da mesma forma, identifica-se que o causídico utiliza a mesma petição inicial para protocolar inúmeras demandas em lote, realizando apenas a alteração dos dados pessoais da parte autora e os números dos contratos contestados”.
Segundo o magistrado, o advogado “se aproveita da abundância de demandas judiciais, em grande número por ele ocasionadas, contra instituições bancárias, com o intuito de dificultar a defesa destas ou torná-las deficientes, justamente pela quantidade colossal de processos, o que aumenta, inclusive, a chance de êxito do pedido autor”.
“Não há dúvida que o causídico assim age porquanto as improcedências não lhe afetam e, dentre as milhares de ações propostas, há um percentual baixo de êxito, ou seja, o causídico nada tem a perder com as demandas predatórias, porquanto as improcedências e condenações de má-fé não lhe atingem, contudo percebe valores de honorários nas raríssimas hipóteses de procedência”, completou.
Casa de apostas
Seguindo uma análise do Centro de Inteligência dos Juizados Especiais do Rio Grande do Norte, o magistrado disse que esse tipo de demanda predatória transforma o Judiciário em “casa de apostas”.
“Devido ao abuso da gratuidade do acesso à justiça, aproveita-se dessa condição para se ajuizar ações sem qualquer custo para o advogado, o qual tem lucro considerável em razão do número elevado de pessoas que são recrutadas pelos captadores ilegais de clientela, criando uma indústria de litígios fabricados, e prejudicando, sobremaneira, a celeridade da prestação jurisdicional.”
Ao concluir o voto, o magistrado disse que tais ações predatórias, forjadas e fabricadas, promovidas pelo advogado “possuem nítidas características de irregularidades, vícios insanáveis de representação, captação ilegal de clientes, falta de conhecimento da parte autora no ajuizamento das ações, além de ofensa à boa-fé processual”.
O magistrado extinguiu a ação em debate. Lembrou que é inviável uma nova ação nos mesmos termos. “No caso de extinção em razão de litispendência, nos casos dos incisos I, IV, VI e VII do artigo 485, a propositura da nova ação depende da correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito.”
O escritório Ernesto Borges Advogados atuou pela instituição financeira neste caso.
Clique aqui para ler a decisão
Processo 8002173-08.2022.8.05.0022