Juíza decide que Lady Gaga não tem de pagar recompensa prometida

A juíza Holly Fujie, de uma corte de Los Angeles, nos Estados Unidos, trancou uma ação indenizatória movida contra a cantora Lady Gaga, que prometeu, mas não pagou, uma recompensa de US$ 500 mil (R$ 2,4 milhões, em valores atuais) a quem devolvesse seus dois cachorros da raça buldogue francês, roubados em 2021.

A cantora teve dois cachorros da raça buldogue francês roubados em 2021

Divulgação

No ano passado, Jennifer McBride processou a cantora por “descumprimento contratual, fraude por falsa promessa e fraude por declaração falsa”. Ela pediu uma indenização de US$ 500 mil, mas não levou.

Em um procedimento chamado demurrer (traduzido como exceção de inépcia da petição inicial, mas que em outros estados equivale a um pedido para extinguir o processo), a juíza decidiu que a indenização não deveria ser paga por duas razões: 1) a pretensão da peticionária é prejudicada pela “doutrina das mãos sujas”; 2) a autora deve uma indenização a Stefani Germanotta (nome verdadeiro de Lady Gaga) pela receptação de propriedade roubada.

“De acordo com o Código Civil, ninguém pode tirar vantagem de seus próprios erros”, escreveu a juíza em sua decisão, na qual ela citou uma série de precedentes, entre os quais:

“— A doutrina das mãos sujas exige que um demandante aja corretamente na matéria pela qual busca tutela judicial; um demandante deve vir à corte com as mãos limpas e mantê-las limpas, sob pena de seu pedido ser negado, não importa o mérito da queixa;

— A doutrina das mãos sujas não é uma defesa jurídica ou técnica a ser usada como proteção contra um elemento particular de uma causa de pedir. Ao contrário, é uma argumentação equitativa para recusar tutela judicial a um demandante, em que princípios de justiça ditam que o demandante não pode obter sentença favorável, independentemente dos méritos de sua queixa;

— A parte de um contrato que age de forma errada na execução do contrato não tem direito, mais tarde, de se beneficiar de sua má ação, por buscar a execução do contrato”.

A juíza também explicou em sua decisão que a lei que criminaliza a receptação de propriedade roubada permite à parte prejudicada mover uma ação civil de indenização por danos. Esse dispositivo nega à peticionária possível indenização, porque ela deveria pagar restituição a Lady Gaga, escreveu a magistrada.

E essa é a parte da história que justifica a decisão. Dois dias depois que os dois buldogues franceses da cantora foram roubados por três homens, sendo que um deles atirou no peito de Ryan Fischer, que andava com os cães na rua, Jennifer McBride enviou uma mensagem para Lady Gaga e foi orientada a entregar os animais em uma delegacia de Los Angeles.

Ela foi à delegacia para entregar os cães e reclamar a recompensa de US500 mil, mas os investigadores da polícia descobriram rapidamente que ela era namorada do pai de um dos ladrões. A história terminou com a mulher admitindo a acusação de receptação de propriedade roubada, em uma confissão judicial sem efeitos civis (no contest plea).

Os três ladrões, que se dedicavam a roubar cachorros caros, como buldogues franceses, foram presos e também fizeram acordos de admissão de culpa. James Jackson, que atirou no cuidador dos cães, mas não matou, pegou 21 anos de prisão. Lafayette Whaley e Jaylin White pegaram seis e quatro anos de prisão, respectivamente. Também sobrou para o pai de White (e namorado de Jennifer), Harold White: ele foi acusado de possuir arma de fogo ilegalmente, por ser um ex-condenado.

Doutrina das mãos sujas

Obviamente o contrário de mãos limpas, a doutrina das mãos sujas é usada por demandados contra demandantes como uma affirmative defense” (defesa indireta de mérito), mais ou menos como “a caça se vira contra o caçador”.

Segundo essa teoria, um demandante não pode obter uma sentença favorável da corte se, na história toda, ele tem culpa no cartório — em decorrência, por exemplo, de fraude, logro, conduta abusiva, má-fé ou comportamento antiético — em relação ao caso em disputa.

O dicionário do Law.com dá um exemplo: A processa B por descumprimento de contrato, alegando que B não pagou o valor total de uma obra em sua propriedade. Porém, B alega que os orçamentos de concorrentes que recebeu foram, na verdade, fabricados por A, de forma que sua proposta foi a melhor. A malandragem de A justifica a teoria das mãos sujas.

Nesse caso, o pedido do demandante será negado. Mas, segundo o site Upcounsel, cabe ao demandado provar que o demandante o enganou de alguma maneira ou fez alguma coisa errada no contexto da matéria em disputa, para que a ação seja extinta.

De acordo com esse site, a “defesa afirmativa” também é bastante usada em casos relacionados ao Direito da Família, especialmente disputas que envolvem má conduta financeira. Certas atividades fraudulentas podem ser um fator em disputas sobre pensão alimentícia e divisão de propriedade.

Às vezes as coisas se complicam, quando por exemplo o demandado aponta para as mãos sujas do demandante e este, em resposta, aponta para as mãos sujas do demandado. E o juiz só pode pensar que “ninguém é santo nessa história”. Com informações adicionais do Jornal da ABA, Insider, TMZ e Los Angeles Times, Law.com, Upcounsel e Westlaw.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Consultor Júridico

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