A impugnação do valor da causa, cognominada pelo Código de Processo Civil de 2015 como “incorreção do valor da causa,” tem natureza jurídica de incidente processual, cuja previsão está no artigo 337 CPC [1].
Seu objetivo é permitir ao réu que questione o valor atribuído pelo autor à causa, antes mesmo de adentrar no mérito da demanda, portanto, trata-se de matéria de defesa. Seu escopo é evitar distorções no pagamento de custas processuais e aferir a adequação do valor indicado para fins de competência e de arbitramento de custas judiciais.
A questão controvertida que emerge desse instituto gira em torno da base de cálculo a ser adotada pelo juiz caso a impugnação logre êxito e a verba seja fixada, se o valor atribuído à causa na ação principal ou o valor atribuído no incidente processual de impugnação.
Adiante-se que sob a égide do CPC/1973, a jurisprudência do STJ já havia consolidado entendimento no sentido de que descabe condenação em honorários advocatícios na impugnação ao valor da causa (o que não permanece hígido na vigência do CPC/2015), notadamente diante da ausência de expressa previsão legal sobre o tema.
Confira-se:
“VALOR DA CAUSA. IMPUGNAÇÃO. HONORARIOS ADVOCATICIOS. I – A decisão do Incidente de Impugnação do valor da causa não comporta condenação em honorários de advogado. II- Recurso Especial a que se deu provimento. III – Decisão unanime” [2].
Com efeito, para compreender o cerne da discussão, é necessário fazer uma distinção entre incidente processual e processo incidente. O incidente processual é um acontecimento acessório ao processo principal, destinado a resolver questões específicas sem alterar o objeto principal da demanda. Por outro lado, o processo incidente é um procedimento autônomo instaurado no curso do processo principal para solucionar controvérsias que não podem ser decididas incidentalmente.
Nesse contexto, “a incompetência relativa, a impugnação ao valor da causa, etc., ensejam a formação de autos apartados para decidir incidente do processo, mas não ensejam processo incidente resultante em sucumbência geradora de honorários advocatícios” [3].
No CPC/1973, a impugnação ao valor da causa ensejava a formação de autos apartados, configurando um processo incidente para decidir a questão do valor atribuído à causa. Nessa fase, como se viu, a legislação não previa a condenação em honorários advocatícios, uma vez que não se tratava de uma sucumbência geradora de verba honorária.
O novo código introduziu a figura da “incorreção do valor da causa” no artigo 337, permitindo ao réu impugnar o valor atribuído pelo autor diretamente na contestação ou na reconvenção. Essa mudança trouxe celeridade ao procedimento, eliminando a necessidade de formação de autos apartados.
Outrossim, ao examinarmos os artigos 293 e 319 do Código Fux, não se vê qualquer previsão expressa que autorize a condenação no pagamento de honorários advocatícios em sede de impugnação ao valor da causa.
O artigo 293 estabelece que o juiz decidirá a respeito do valor da causa, impondo, se for o caso, a complementação das custas. Nesse dispositivo, não há menção à condenação em honorários advocatícios.
Da mesma forma, o artigo 319 apenas prevê a indicação do valor da causa na petição inicial, sem fazer alusão à possibilidade de honorários em caso de impugnação ao valor.
As matérias de defesa elencadas no artigo 337 do CPC/ 2015, diga-se de passagem, não possuem caráter de demanda autônoma capaz de estabelecer uma relação processual por si só, resultando em sucumbência destacada da causa principal.
Os honorários advocatícios são regidos pelo princípio da sucumbência, conforme a dicção do artigo 85 do CPC/2015. Dessa forma, não havendo previsão de condenação em honorários na impugnação ao valor da causa, não é possível aplicá-la com base em interpretações extensivas ou analogias, porquanto o termo “condenação” pressupõe a cominação legal respectiva (artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal).
De toda sorte, é importante ter em mente que quem maneja o incidente processual de impugnação do valor da causa, deve se atentar para a consequência de ter que arcar com os custos dele decorrentes. Nesse sentido:
“A condenação em honorários advocatícios, pauta-se pelo princípio da causalidade, ou seja, somente aquele que deu causa à demanda ou ao incidente processual é que deve arcar com as despesas deles decorrentes. Assim, os honorários advocatícios fixados em embargos à execução devem ter como base de cálculo o valor referente ao excesso de execução” [4].
Não se pode alegar omissão legislativa quanto à previsão de honorários advocatícios nos incidentes processuais, uma vez que o próprio CPC/2015 trata da matéria nos dispositivos a ela pertinentes, estabelecendo as hipóteses de condenação no pagamento da verba nas situações expressamente previstas.
Na impugnação ao valor da causa, não há, em essência, um julgamento de mérito acerca da demanda em si, mas sim um questionamento relativo ao montante atribuído à causa pelo autor. Dessa forma, não há, nesse momento, uma definição de parte vencedora ou vencida, tornando complexa a aplicação do princípio da sucumbência.
Tal princípio, consagrado no artigo 85 do CPC/2015, é um dos pilares do sistema de custas processuais no ordenamento jurídico brasileiro, segundo o qual a parte vencida na demanda é responsável por arcar com as despesas processuais, incluindo os honorários advocatícios da parte adversa.
A decisão sobre o valor da causa não encerra o mérito da ação principal, não determina a sentença final, e tampouco estabelece o vencedor e o vencido na demanda, portando, pelo menos em tese, é incabível a condenação em honorários advocatícios, e mais ainda, é incabível a adoção do valor atribuído à causa no incidente processual como base de cálculo da verba honorária, caso esse incidente logre êxito.
Confiram-se:
“O Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que não são cabíveis honorários advocatícios nos incidentes processuais, exceto nos casos em que haja extinção ou alteração substancial do processo principal. Precedentes” [5].
“‘Conforme entendimento da Corte Especial do STJ, em razão da ausência de previsão normativa, não é cabível a condenação em honorários advocatícios em incidente processual, ressalvados os casos excepcionais’ (AgInt no AREsp nº 1.691.479/SP, relator ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 01/03/2021, DJe 22/03/2021)” [6].
Cumpre mencionar que há precedente no STJ no sentido de que, caso a verba seja estabelecida em sede de incidente (o que não é de todo adequado), sua alteração ou exclusão devido a recurso da parte que objetivava apenas o aumento da quantia, configura medida que esbarra na non reformatio in pejus. Veja-se:
“A despeito da impossibilidade jurídica de fixação de honorários advocatícios na decisão interlocutória que resolve o incidente de desconsideração, como os recorridos não se insurgiram contra o acórdão da Corte de origem, não cabe sua modificação, por aplicação do princípio da vedação da reformatio in pejus” [7].
De toda forma, é preciso ressaltar que “A jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que os honorários advocatícios, enquanto consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública, podendo ser revistos a qualquer momento e até mesmo de ofício, sem que isso configure reformatio in pejus” [8].
Isso implica que a verba honorária pode ser excluída em qualquer momento, inclusive em grau recursal, especialmente quando o julgador reconhece sua inadequação em virtude da ausência de previsão legal para sua fixação.
Essa medida extrema terá lugar especialmente nos casos em que a parte, ao lograr êxito em seu incidente processual insistir na alegação de que os honorários devem ter como base de cálculo o valor atribuído à causa na impugnação, interpondo sucessivos recursos nesse sentido, para defender algo que sequer era cabível na espécie.
Caso a parte apresente a questão ao Tribunal pela primeira vez, exercendo o seu livre direito de recorrer, não será, em princípio, cabível o afastamento dos honorários fixados no incidente.
Em tal hipótese, não há abuso do direito de recorrer ou resistência obstinada da parte, de forma que os honorários advocatícios deverão ser mantidos calculados com base no valor atribuído ao incidente. Nesse sentido: REsp nº 1.209.918/SC, relator ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 30/6/2017; EDcl no AgInt no AREsp nº 1.285.277/MG, relator ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 19/2/2019.
Assim, last but not least, diante da falta de previsão específica quanto à base de cálculo dos honorários na impugnação ao valor da causa, é imperativo adotar uma interpretação que se harmonize com os princípios do direito processual e com o sistema de sucumbência, e sob esse enfoque, ainda que equivocadamente caso seja fixada a verba honorária nesse incidente, a base de cálculo adequada deverá ser o valor da causa da ação principal, ou seja, o valor da causa indicado pelo autor na petição inicial.
[4] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.513.068/SP, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 7/5/2015.
[7] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.800.330/SP, relatora ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 04/12/2020).
Leonis Queiroz é ex-conselheiro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal (Copen/DF), servidor do Superior Tribunal de Justiça, tecnólogo em Segurança da Informação, especialista em Direito Público e mestrando pelo Programa de Mestrado Profissional em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (UNB), conceito Capes 6.