É necessário explicar em definitivo o de direito de arena, fazendo-se uso da doutrina e jurisprudência para esclarecer a sua natureza, conceito e função dentro do sistema jusdesportivo mundial.
De acordo com Rinaldo José Martorelli (Curso de Direito Desportivo Sistêmico, São Paulo: Quartier Latin, v. 2, 2010, p. 610) direito de arena pode ser definido da seguinte maneira:
“Arena é palavra derivada do latim, que significa areia. Este termo é comumente utilizado na área desportiva, visto que na antiguidade, no local onde os gladiadores se enfrentavam, entre si ou com animais ferozes, o piso era coberto de areia. Comumente, mas mais especificamente no futebol, os locutores ainda usam a terminologia arena esportiva para designar campo de jogo.
A primeira defesa de direito que se tem notícia aconteceu na Itália, mais propriamente na volta ciclística de Roma no início dos nos 60. Havia um grupo de pessoas que organizava o evento, e como Ra um espetáculo grandioso, havia dispêndio de muito tempo e energia por parte deles e, depois de tudo pronto, a televisão transmitia a corrida vendendo patrocínio; assim lucrava e não repassava nenhum valor àqueles que tinham feito todo o trabalho. Na impossibilidade de um acordo que pudesse resolver a questão, o caso foi levado aos tribunais que decidiram pela indenização da televisão aos organizadores sob a fundamentação do locupletamento ilícito. E assim é até hoje.
O direito de arena surge apenas na previsão legal, sendo que muito pouco se estudou acerca dessa figura jurídica para que tivéssemos um conceito mais apropriado.
Atualmente, é na Lei nº 9.615/98 que encontramos a disposição específica que nos mostra o caminho inicial para sua definição.
À primeira vista, poderíamos entender que o direito de arena, como descreve alguns autores, é o direito definido como a possibilidade de as entidades esportivas negociarem, autorizarem ou proibirem a transmissão de espetáculo ou evento desportivo.
Tal disposição perde sentido quando analisamos o parágrafo primeiro do artigo 42. Como no parágrafo há a obrigatoriedade de um repasse mínimo de vinte por cento aos atletas, não haveria a menor possibilidade de inferirmos que o direito de arena é a permissão gratuita, porque se gratuita, nada haveria de ser distribuído aos atletas.
Podemos assim definir a primeira parte do conceito: o direito de arena é o pagamento pela autorização da transmissão de espetáculo ou evento esportivo.”
Tanto a prescrição legal do caput do artigo 42, da Lei nº 9.615/98 [1], quanto as explicações doutrinárias, inclusive com o resgate de sua raiz histórica, revelam que o direito de arena nada mais é que o direito outorgado às entidades de prática desportiva de negociarem com as empresas de mídia a transmissão do espetáculo desportivo.
Nesse sentido podemos citar também Gustavo Lopes Pires de Souza (Direito Desportivo, Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014, p. 131) que lecionar ser o direito de arena “um instituto jurídico que diz respeito a um direito atribuído às entidades de prática desportiva de negociar a transmissão ou retransmissão das imagens de qualquer evento de que participem, tendo cada atleta escalado para a partida a sua parcela de participação”.
Corrobora com dita assertiva Cesar Augusto Cavazzola Junior (Manual de Direito Desportivo, São Paulo: Edipro, 2014, p. 221-222) “Tal como mencionado anteriormente, no artigo 42 da Lei nº. 9.615/98, a entidade desportiva possui a prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar e proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de eventos dos quais participem”.
O fundo constitucional do artigo 42, da Lei nº 9.615/98, guarda relação com a alínea “a”, do inciso XXVIII, do artigo 5º da Carta Magna, que assegura a reprodução da imagem e voz humana em atividades desportivas. A saber:
“Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;.”
Em reforço a natureza jurídica do direito de arena estar vinculada ao direito de imagem e não a exploração econômica do evento desportivo, os incisos VII, XVIII e XXI, do artigo 1º da extinta Instrução Normativa nº. 102/2012 da Ancine esclarece o termo “fixação” da seguinte maneira:
“Artigo 1º. Para fins desta Instrução Normativa entende-se como:
VII. Conteúdo Audiovisual: resultado da atividade de produção que consiste na fixação ou transmissão de imagens, acompanhadas ou não de sons, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento, independentemente dos processos de captação, do suporte utilizado inicial ou posteriormente para fixá-las ou transmiti-las, ou dos meios utilizados para sua veiculação, reprodução, transmissão ou difusão;
XVIII. Gravação Audiovisual: fixação de um plano ou seqüência de imagens, com ou sem som, que proporcionem experiência audiovisual, criando a impressão de movimento;
XXI. Obra Audiovisual: produto da fixação ou transmissão de imagens, com ou sem som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento, independentemente dos processos de captação, do suporte utilizado inicial ou posteriormente para fixá-las ou transmiti-las, ou dos meios utilizados para sua veiculação, reprodução, transmissão ou difusão;.”
Dispõe o inciso VII, do artigo 2º, da Lei nº. 12.485/2011 (“Lei do Audiovisual”) sobre fixação o seguinte:
“Artigo 2º. Para os efeitos desta lei, considera-se:
VII – Conteúdo Audiovisual: resultado da atividade de produção que consiste na fixação ou transmissão de imagens, acompanhadas ou não de som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento, independentemente dos processos de captação, do suporte utilizado inicial ou posteriormente para fixá-las ou transmiti-las, ou dos meios utilizados para sua veiculação, reprodução, transmissão ou difusão;.”
Nesta mesma seara, dispõem os incisos VI, VIII, alínea “i”, do inciso IX e XI, todos do artigo 5º, da Lei nº 9.610/98 (“Lei dos Direitos Autorais”) que:
“Artigo 5º. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
VI – reprodução – a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;
VIII – obra:
1) audiovisual – a que resulta da fixação de imagens com ou sem som, que tenha a finalidade de criar, por meio de sua reprodução, a impressão de movimento, independentemente dos processos de sua captação, do suporte usado inicial ou posteriormente para fixá-lo, bem como dos meios utilizados para sua veiculação;
IX – fonograma – toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual;
XI – produtor – a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado;.”
Não se confunda direito de arena com a exploração econômica de espaços publicitários dentro de praças desportivas.
Para ilustrar bem essa situação, qual seja, a titularidade do direito de exploração comercial de publicidade estática por entidades de administração do desporto, e não clubes, trazemos à baila o Estatuto Social da Fifa. Vejamos o artigo 67 do Estatuto Social da Fifa:
“67 Derechos en competiciones y actos
1. La Fifa, sus federaciones miembro y las confederaciones serán los propietarios originales de todos los derechos de competiciones y otros actos que emanen de sus respectivas jurisdicciones, sin restricción alguna en lo que respecta al contenido, el tiempo, el lugar o la legislación. Estos derechos incluyen, entre otros, todo tipo de derechos patrimoniales, de grabación y difusión audiovisuales, multimedia, promocionales y de comercialización y marketing, así como los derechos inmateriales tales como los derechos de marcas y los de autor.
2. El Consejo decidirá la manera y la extensión de la aplicación de estos derechos y aprobará una reglamentación especial con esta fi nalidad. Decidirá también en solitario si ejerce exclusivamente estos derechos o si lo hace de manera conjunta o completa con terceros.”
Registre-se, por oportuno, que por ocasião da realização da Copa do Mundo Fifa 2014 no Brasil, aquela entidade exigiu do Estado a promulgação da Lei nº. 12.663/2014 [2], na qual dispunha no artigo 11 ser daquela entidade o direito de exploração comercial nos locais oficiais de competição.
“Artigo 11. A União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos e com as demais autoridades competentes para assegurar à Fifa e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos Locais Oficiais de Competição, nas suas imediações e principais vias de acesso.
§1o Os limites das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição serão tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da Fifa ou de terceiros por ela indicados, atendidos os requisitos desta Lei e observado o perímetro máximo de 2 km ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição.
§2o A delimitação das áreas de exclusividade relacionadas aos Locais Oficiais de Competição não prejudicará as atividades dos estabelecimentos regularmente em funcionamento, desde que sem qualquer forma de associação aos Eventos e observado o disposto no artigo 170 da Constituição Federal.”
Sendo assim, o sistema local acompanha a orientação da Fifa nesse aspecto.
A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) também dispõe de igual maneira sobre a matéria. O artigo 57 do Estatuto Social da Conmebol é mais claro e, inclusive, mais amplo que o da Fifa e o da CBF, ao determinar que pertence àquela entidade os direitos comerciais sobre todas as partidas, torneios, campeonatos de sua “jurisdição”.
“Artículo 57 Derechos Comerciales
1. La Conmebol y sus asociaciones miembro son los propietarios primigenios de todos los derechos de los partidos, torneos, competiciones y otros actos que emanen de sus respectivas jurisdicciones (local o continental), sin ninguna restricción en lo que respecta al contenido, el tiempo, el lugar o la legislación. Estos derechos incluyen, entre otros, todo tipo de derecho patrimonial, derechos económicos de cualquier índole, derechos de inscripción, de grabación, reproducción y difusiones audiovisuales, derechos multimedia, derechos promocionales y mercadotécnicos, así como derechos incorpóreos como el nombre y los derechos sobre las marcas distintivas y los derechos de autor.
2. En el ámbito de la Conmebol, los derechos de su propiedad referenciados en el párrafo anterior lo son sobre los partidos, torneos y competiciones bajo la jurisdicción de la Conmebol.
3. El Consejo de la Conmebol decidirá cómo y hasta qué punto se ejercen estos derechos, poseyendo la facultad exclusiva de autorizar la distribución y comercialización de las imágenes, sonidos y los restantes derechos reconocidos en el apartado 1 del presente artículo de los torneos, competiciones, partidos y actos bajo su jurisdicción, sin ningún tipo de restricción respecto al contenido, lugar y aspectos técnicos y legales. Coneste objetivo, el Consejo deberá aprobar una reglamentación especial para su negociación y comercialización que contemple, entre otros, los siguientes aspectos: libertad de concurrencia, publicidad de los actos, conflicto de intereses, elegibilidad del contratante, mejores condiciones, y seguridad jurídica en los contratos.”
Por fim, e não menos importante, ressaltamos, ainda, que o Estatuto da “We Care About Football” (Uefa) também não difere dos demais filiados Fifa, isto é, não difere dos demais entes de administração do desporto dos outros continentes.
No Capítulo “IX Media Expoitation of Rights” dispõe claramente que a exploração comercial de todas as formas de propriedade publicitária pertencem exclusivamente à Uefa, com peculiar destaque ao item 1, do artigo 47.
“IX. MEDIA Exploitation of Rights
Article 47 Exploitation of Rights
1) Uefa shall exploit all rights which it owns or shares with third parties, such as property rights of any type, intellectual property rights and rights for audio-visual and sound-broadcasting transmissions by picture or data carrier of any kind (including all means of transmitting computer images, with or without sound, such as Internet, on-line services or the like, whether existing already or not). This includes the production, duplication, dissemination and broadcasting of pictures, sound or data carriers of any kind by Uefa alone or with third parties.
2 For this purpose, UEFA alone, or with third parties, shall be entitled to form or operate companies, for which they may make use of any legal entities authorised under Swiss law.”
Há uma simetria entre a Fifa, a Conmebol, a Uefa e o Brasil quanto ao Sistema jusdesportivo comparado sobre o direito de arena e sua controvérsia em relação ao conceito, natureza e função.
Referências
Martorelli, José Rinaldo (Curso de Direito Desportivo Sistêmico, São Paulo: Quartier Latin, v. 2, 2010).
Souza, Gustavo Lopes Pires de (Direito Desportivo, Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014).
Junior, Cesar Augusto Cavazzola (Manual de Direito Desportivo, São Paulo: Edipro, 2014).
BRASIL. Constituição da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1.998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9615Compilada.htm
BRASIL. Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12485.htm
BRASIL. Lei nº 12.663, de 05 de junho de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12663.htm
SUÍÇA. Fifa. Estatuto Social. Disponível em: http://resources.fifa.com/mm/document/affederation/generic/02/78/29/07/fifastatutswebes_spanish.pdf
PARAGUAI. CONMEBOL. Estatuto Social. Disponível em: http://www.conmebol.com/pt-br/estatuto
Uefa. Estatuto Social. Disponível em: https://www.uefa.com/MultimediaFiles/Download/OfficialDocument/uefaorg/WhatUEFAis/02/09/93/25/2099325_DOWNLOAD.pdf
Marllus Lito Freire é auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Estado do Rio de Janeiro e doutorando pela PUC.