Nos dias atuais, a execução civil de devedores insolventes tornou-se uma tarefa cada vez mais hercúlea, com a adoção de meios cada vez mais sofisticados para ocultação do patrimônio do devedor.
Dentre as medidas mais adotadas, destaca-se a interposta pessoa, também conhecida pela figura do “laranja” ou “testa de ferro”. Por meio deste mecanismo, o real titular dos bens se utiliza da personalidade jurídica de pessoas físicas ou jurídicas a fim de ocultar seu patrimônio de cobranças judiciais e extrajudiciais.
No Direito, mencionada prática tem nome: negócio jurídico simulado. Por esse instituto, entende-se que há um conluio de vontades entre as partes com vista a prejudicar terceiro, cujo conteúdo do negócio jurídico diverge da real intenção das partes.
Sobre o instituto, conceitua Silvio Venosa (1992), “negócio simulado, portanto, é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das partes. Estas fingem um negócio que na realidade não desejam”.
Nessa linha, para a caracterização do negócio jurídico simulado, segundo mencionado autor, é indispensável a observância de três características: 1) Acordo de vontade entre os negociantes; 2) manifestação da vontade diversa da efetivamente pretendida; 3) propósito de enganar ou prejudicar terceiro.
É o que sempre encontramos nos negócios que visam a ocultação patrimonial: o interessado entra em um acordo com um terceiro, e este passa a atuar em nome daquele, seja por meio direto, seja figurando como sócio em uma pessoa jurídica, dando a falsa impressão que os bens são pertencentes a uma outra pessoa que não o devedor.
Contudo, a administração é sempre praticada pelo real proprietário, que, munido muitas vezes por procuração, ou mandatário, exerce propriamente a gestão de seu patrimônio e a percepção de lucros.
Frente a tal situação, que é de difícil comprovação na prática, os terceiros prejudicados/interessados, através de seus advogados, juntamente com os magistrados, devem trabalhar de forma direcionada e proativa a fim de promover a responsabilização patrimonial de quem oculta os seus bens.
Pois bem. Diferente de outrora, os procedimentos judiciais necessários para apuração do negócio jurídico simulado por interposta pessoa prescindem de uma ação de simulação autônoma para declarar nulo o ato e promover a responsabilidade patrimonial.
Segundo lições de Flávio Tartuce (2016), o negócio jurídico simulado, juntamente com a responsabilização patrimonial dos simuladores, poderá ocorrer por meio de incidente processual, ao qual serão apurados, por meio de indícios e presunções, o conluio fraudulento dos simuladores.
Segue, nessa linha, o enunciado de N° 578, da Jornada de Direito Civil: “sendo a simulação causa de nulidade do negócio jurídico, sua alegação prescinde de ação própria”.
Tal entendimento torna muito mais célere e menos onerosa a comprovação de uma simulação, com a consequente responsabilização patrimonial ocultado pelo devedor.
Além do incidente processual, é colocado à disposição do judicante a pouco conhecida “ação autônoma de produção de prova”, que tem como escopo a produção probatória a fim de se comprovar uma relação jurídica, simulada ou não, entre as partes.
Todavia, em verdade, a grande dificuldade em mencionados casos encontra-se na comprovação da simulação e o acordo de vontade com vistas a prejudicar terceiros.
Dentro dessa realidade, conforme lições trazidas por Silvio Venosa (2016), as partes deverão se valer das provas por indício (369 CPC) e por presunção (212, IV, CC) vez que é extremamente raro que discutidas tramas deixem qualquer tipo de rastro ou vestígio.
Segundo referido autor, o indício, que nada mais é do que um rastro ou vestível, é o raciocínio, com valor probatório, onde podemos tomar conhecimento, através de inferência, de determinados fatos jurídicos desconhecidos a partir de traços característicos conhecidos, v.g, a relação de parentesco ou profissional entre o “testa de ferro” e o devedor que oculta seu patrimônio
Já a presunção trata-se do raciocínio obtido através de um fato conhecido para que cheguemos ao conhecimento de um outro, e.g, situação de insolvência e condição econômica abastarda, incompatíveis entre si, que nos levam a crer na ocultação patrimonial.
Pois bem, diante dos procedimentos explanados para a comprovação da interposta a pessoa, fica demonstrada a complexidade que se tem para comprovação de sua ocorrência. Com a falta de familiaridade dos juízos e advogados em promover mencionados procedimentos, os atos que visam a nulidade de negócios simulados são extremamente raros.
Contudo, de forma paulatina, os órgãos judiciais vêm promovendo a apuração, a declaração de nulidade e a consequente responsabilização patrimonial dos “testas de ferro”, como no caso icônico do jogador Marcelinho Carioca, em decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.647.362-SP).
O caminho para responsabilização patrimonial nos casos de interposta pessoa se mostra árduo, mas o aperfeiçoamento das técnicas jurídicas de responsabilização, bem como do auxílio do Poder Judiciário para a responsabilização dos devedores traz novas perspectivas ao cenário brasileiro.
1- Manual de Direito Civil (2016)-Flávio Tartuce;
2- Direito Civil (1992)-Sílvio Rodrigues;
3- Direito Civil (2018)- Sílvio de Salvo Venosa