Moraes Oliveira: Ações penais originárias e devido processo legal

Primeiramente, insta mencionar a razão de escolha do presente assunto. As ações penais originárias são instrumentos processuais revestidos de um poder e objetivo que tutela o bem da vida mais caro de qualquer cidadão, qual seja a sua liberdade.

Portanto, levando em consideração essa atribuição, deve-se ter sempre cautela e levar a cabo o princípio do devido processo legal, incluindo o contraditório efetivo, para se evitar qualquer ilegalidade e arbitrariedade no procedimento.

Ponto interessante diz respeito ao foro privilegiado, nomenclatura tecnicamente inadequada, o qual defere a determinados sujeitos que o seu julgamento por determinados crimes se de perante tribunais específicos, detalhado pela Constituição.

As investigações envolvendo autoridades que ostentam foro por prerrogativa de função muitas vezes são realizadas ao arrepio da lei.

Como se verá, as irregularidades perpetradas pelos órgãos de investigação e denúncia, em muitos casos, geram a nulidade de inquéritos ou operações policiais, causando um grande desperdício de tempo e dinheiro públicos, devendo, a instrução prévia ser realizada de maneira legal, sem excessos ou atitudes que extrapolem a competência daqueles órgãos, culminando em um total insucesso das operações.

Usemos como exemplo o desenvolvimento de procedimento acusatório perpetrado sem a observância das normas penais as quais equiparam as forças do cidadão com a do Estado acusador, com diversas irregularidades, onde um parlamentar federal resta acusado e denunciado em âmbito diverso do que seria correto, qual seja a primeira instância, por supostos delitos consumados durante a sua investidura no cargo e em razão dele.

Além de ter sido tolhido seu direito de defesa, acesso aos dizeres da acusação, remessa tardia das investigações ao Supremo Tribunal Federal e incorreto requerimento de declínio do julgamento em razão de cessação do mandato em virtude de não reeleição.

O ocorrido se revela interessante, ao passo que é possível a busca por algumas formas de defesa diante da irregular marcha penal.

Veja: parlamentar federal investigado por órgão incompetente (que não seja o Supremo Tribunal Federal), recorreu em Habeas Corpus ao Supremo Tribunal Federal alegando a usurpação de sua competência de instaurar as investigações, tendo sido negado o pedido liminar e final, ao argumento de que teria havido o encontro fortuito de provas.

Explica-se: O réu começou a ser investigado pela prática dos crimes de frustração ao caráter competitivo de licitação (artigo 337-F do Código Penal), de peculato (artigo 312 do Código Penal) e de corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal).

A investigação originou-se a partir de diálogos obtidos mediante interceptação telefônica judicialmente autorizada durante dois anos contra servidores que estavam sendo investigados por crimes contra a Administração Pública, sendo que a menção ao nome do parlamentar, enquanto beneficiário do esquema investigado, começou a surgir a partir de seis meses da instauração do feito, tendo sido referenciado em oito decisões judiciais que prorrogaram o prazo das interceptações.

Nota-se que o surgimento do nome do deputado surgiu em período avançado da interceptação, sendo colhidas as provas de maneira ilícita, devendo a autoridade investigadora remeter os autos ao Supremo Tribunal Federal naquele instante.

Frisa-se, também, que a defesa sequer obteve acesso à acusação, ao argumento de que as investigações estavam em curso e o direito de defesa poderia ser exercido posteriormente.

Além disso, o juízo originário proferiu oito decisões prorrogando as interceptações. Em que pese não haver proibição legal ou entendimento jurisprudencial em contrário, em caso de decisões motivadas, o parlamentar permaneceu por longo período de tempo sendo investigado por autoridade incompetente, em razão de sua prerrogativa de foro por função.

A irregular negativa de acesso aos autos da investigação por parte do patrono do parlamentar, vai de encontro aos dizeres da Súmula 14 do Supremo Tribunal Federal.

Em que pese não haver um arcabouço probatório apto a subsidiar o oferecimento de uma denúncia contra o deputado, o órgão policial indiciou o parlamentar apenas com base nas interceptações acima referidas, por menções e diálogos indiretos, que supostamente geraram a convicção de culpabilidade e favorecimento.

Ato contínuo, as investigações foram tardiamente remetidas ao Supremo Tribunal Federal, e o procurador geral da república ofereceu denúncia contra o deputado.

E, posteriormente, ante o insucesso da reeleição daquele, requereu o declínio, ainda no prazo de manifestação da defesa, da competência da Corte Suprema em razão da perda da prerrogativa de foro por função parlamentar.

O caso, conforme narrado, permeia o sistema investigatório e acusatório existente no Brasil, de modo que, em diversas ocasiões, culmina na nulidade de operações, frustrando a sociedade bem como as autoridades de investigação, sendo necessários uma repetição de atos e condutas que, muitas vezes, levam a total impunidade de agentes públicos com prerrogativa de foro, em sua maciça maioria parlamentares e políticos, péssimos gestores do bem público.

Diante da situação narrada, necessária se faz uma explanação jurídica, bem como a possibilidade e os argumentos que deverão estar presentes na defesa apresentada pelo advogado do fictício parlamentar.

Pois bem. É possível notar que o parlamentar federal não teve direito de exercer o contraditório mínimo diante das investigações. Autoridade incompetente para sua investigação autorizou interceptação telefônica e a prorrogou por oito vezes imotivadamente, consubstanciando tal fato em uma total ilegalidade investigativa.

O argumento de encontro fortuito de provas ofertado pelo STF ao negar o pedido realizado em Habeas Corpus pela defesa do parlamentar se revela descabida, ao passo que no momento em que a investigação constatou a presença de autoridade com prerrogativa de foro por função, deveria remeter à autoridade competente para apuração dos fatos e julgamento, fato que não ocorreu, consubstanciando em uma verdadeira usurpação da competência do Supremo.

Além disso, a defesa do parlamentar requereu acesso aos elementos de prova da investigação em curso e os argumentos exarados pelo juiz (incompetente) responsável para a negativa não revelam a menor plausibilidade, como a presevação das diligencias e possibilidade do exercício posterior do contraditório.

Tais justificativas vão de encontro dos dizeres da Súmula Vinculante 14, que nos ensina ser direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Além disso, abstraindo a fragilidade e a incorreção no oferecimento da denúncia por parte do procurador geral da república ante o STF, pelas contaminações e irregularidades apontadas no âmbito investigacional, o requerimento de declínio de competência em razão do insucesso da reeleição do parlamentar denunciado se reveste de sérios equívocos.

As supostas irregularidades foram praticadas no cargo e em razão do cargo pelo parlamentar. Tudo dizendo respeito a condutas que maculam a gestão pública e o bem comum, como fraude de licitação e corrupção passiva.

Desse modo, a prerrogativa de foro por função privilegia o livre exercício das funções, legais e até as ilegais (infelizmente), do parlamentar enquanto investido do cargo e a sua desocupação posterior não desloca a competência para juízo diverso.

Logo, o insucesso da reeleição do parlamentar não possui o condão de deslocar a competência do STF para outro órgão julgador, posto que o que fixa essa competência é o momento, a razão e a função ocupada no cometimento do suposto ilícito, como exposto no julgamento da QO na AP 937.

Desse modo, o caso é de prorrogação da competência do Supremo Tribunal Federal, mesmo não estando mais o parlamentar investido de seu cargo que lhe atribuía prerrogativa de foro por função, o famigerado foro privilegiado.

Tudo isso, também, em razão de a instrução não restar concluída no âmbito da primeira instância.

Por tudo isso e em decorrência das irregularidades das investigações, necessária se faz a rejeição de denúncia manifestamente destituída de justa causa, além de que em caso de dúvida ou fragilidade dos elementos probatórios, deve-se privilegiar a dúvida em favor do réu, além de ser atestada a sua presunção de inocência, princípio basilar do direito penal.

Luís Eduardo R. Moraes Oliveira é advogado, especialista em Processo Civil e membro da Associação Brasiliense de Processo Civil.

Consultor Júridico

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