Não cabe ao Ministério Público ajuizar recurso para defender uma pessoa que tenta receber valores atrasados de pensão alimentícia se ela tem nítida aptidão para pleitear seus interesses em juízo por conta própria.
Com esse entendimento, e por maioria de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial ajuizado pelo MP de Goiás para contestar um Habeas Corpus concedido a um devedor de pensão.
O homem ajuizou o HC porque foi alvo de ordem de prisão civil decretada em ação de execução de alimentos promovida por sua filha, a quem deve R$ 830 mil. O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) concedeu a ele salvo-conduto para impedir a medida, por considerar que não havia mais urgência no caso.
Isso porque a execução de alimentos foi ajuizada em 2008 e a decretação da prisão só foi feita 14 anos mais tarde, em momento em que a filha do réu já era maior de idade (23 anos) e tinha condições de se manter com o próprio labor e esforço, já que é formada e trabalha.
Assim, a dívida não é atual ou urgente. Ela pode e deve ser cobrada por outros meios, mas já não há como justificar a medida extrema da restrição da liberdade sob o regime fechado de prisão. O MP-GO contestou a ordem por entender que beneficiaria a torpeza do devedor.
Parte ilegítima
Relator, o ministro Marco Aurélio Bellizze entendeu que o MP sequer poderia recorrer. Ele destacou que, segundo o Código de Processo Civil, o órgão é habilitado para atuar como fiscal da ordem jurídica em uma série de hipóteses, entre as quais estão processos que envolvam interesse de incapaz.
Assim, é rotineira a intervenção ministerial em ações de execução de alimentos, em regra ajuizadas em favor de crianças ou adolescentes, ainda que estejam representados nos autos por advogado constituído. Nesses casos, o MP pode produzir provas, requerer as medidas processuais e interpor recursos.
Na situação em julgamento, no entanto, a credora dos alimentos deixou de ser incapaz. Além disso, ela não recorreu do Habeas Corpus concedido pelo TJ-GO e deu sequência à cobrança da dívida por meio de medidas de expropriação patrimonial.
“Não se subsumindo a situação dos autos às hipóteses legais de atuação do Ministério Público, e evidenciando a nítida aptidão da exequente dos alimentos para defender, por conta própria, seus interesses em juízo, não se justifica a atuação do Parquet no feito”, concluiu o relator.
O voto foi acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro, Ricardo Villas Bôas Cueva e Humberto Martins, que formaram a maioria.
Vai, Ministério Público
Ficou vencida a ministra Nancy Andrighi, para quem o MP seria o único habilitado a atuar nesse específico caso.
Ela destacou que a credora de alimentos não tem legitimidade para recorrer da decisão de Habeas Corpus que beneficia o devedor, pois a relação processual se resume ao autor do pedido (o pai) e a autoridade coatora (o juízo que assinou a ordem de prisão civil).
A jurisprudência do STJ é vasta ao entender que, em Habeas Corpus, não cabe a intervenção de terceiros, como o assistente da acusação ou qualquer outro interessado. Se o credor não pode participar do HC, não faz sentido permitir que ele recorra do remédio heroico.
Assim, de acordo com a ministra, a participação do MP no caso torna-se questão de evidente interesse público, para suprir uma seríssima deficiência de contraditório existente no Habeas Corpus. E interesse público é uma das hipóteses que permitem a atuação ministerial, segundo o CPC.
“Trata-se, pois, de uma legitimação para intervir e recorrer conferida à luz da tutela das pessoas em vulnerabilidade, não necessariamente material, mas especialmente processual”, destacou ela no voto divergente. Entender diferente, segundo a ministra, seria admitir no ordenamento jurídico brasileiro a figura do recurso sem legitimado ordinário.
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REsp 2.046.585