Em apenas 30 dias de funcionamento, o Mutirão Processual Penal devolveu a 21 mil cidadãos e cidadãs brasileiros o direito à liberdade. Coordenada pelo Conselho Nacional de Justiça, com o apoio dos 27 Tribunais de Justiça e dos seis Tribunais Regionais Federais (TRFs) do país, a iniciativa movimentou 100.396 processos nesse período.
Os números foram destacados pela presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, durante apresentação do relatório parcial da ação, nesta terça-feira (26/9), na 2ª Sessão Extraordinária de 2023, sua última à frente do órgão.
”Em uma primeira análise, podemos verificar que há bastante resistência da magistratura na aplicação das teses consolidadas pelo STF e que são de cumprimento obrigatório. Em 38,3% desses processos houve, sim, alteração fática ou jurídica para as pessoas privadas de liberdade, graças à revisão empreendida. Mais de 21 mil pessoas estavam presas indevidamente em estabelecimentos penais”, afirmou Rosa Weber, destacando não ter havido qualquer ‘benesse’ para esses cidadãos e cidadãs.
”Pelo contrário. A elas, juízes e juízas fizeram chegar a Constituição Federal, os tratados internacionais e a Lei de Execução Penal a partir de entendimentos firmados e assegurados em decisões do Supremo Tribunal Federal na matéria. Os expressivos números alcançados em apenas 30 dias de mutirão são testemunhos da imprescindibilidade da vigência dessa política judiciaria, de modo a torná-la permanente”, defendeu a ministra. ”De fato, o mutirão é algo que se impõe”, completou.
O novo esforço foi instituído por meio da Portaria da Presidência CNJ 170/2023 e aconteceu entre os dias 24 de julho e 25 de agosto. Após a análise dos autos, chegou-se à conclusão de que cabia revisão processual em 70.452 casos. Desses, 27.010 pessoas privadas de liberdade tiveram sua situação de aprisionamento modificada. O mutirão identificou ainda prisão indevida em 21.866 casos.
Os Mutirões Carcerários ocorreram no país de 2008 a 2014, quando foram suspensos. Neste ano, o projeto foi retomado tendo como pressuposto o reconhecimento, pelo STF, do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro, ”cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária” (ADPF 347 MC/DF), mediante atuação articulada das instituições que compõem o sistema de Justiça Criminal.
Organizado pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), com o apoio do Programa Fazendo Justiça — parceria do CNJ e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) —, o projeto auxiliou o desenvolvimento dos mutirões processuais nos estados.
Foram revisados processos que se enquadram no artigo 2º da Portaria CNJ 170/2023: prisões preventivas com duração maior do que um ano; gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência presas cautelarmente; pessoas em cumprimento de pena em regime prisional mais gravoso do que o fixado na decisão condenatória; e pessoas cumprindo pena em regime diverso do aberto, condenadas pela prática de tráfico privilegiado (artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06).
A ação contemplou a revisão de processos relativos tanto à execução penal quanto à fase de conhecimento, extraídos via Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) e Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).
Cautelares
Os processos em que foram identificadas prisões cautelares com duração superior a um ano compuseram 49% dos casos revisados — quantitativo que, somado aos casos que envolviam gestantes, mães e mulheres responsáveis por crianças e pessoas com deficiência presas cautelarmente, representam quase 60% dos processos que foram objeto de revisão durante o mutirão. Conforme o Relatório de Informações Penais (Relipen), relativo ao primeiro semestre deste ano, em 30 de junho havia 180.205 pessoas presas provisoriamente em celas físicas no Brasil, o que corresponde a cerca de 28% da população prisional, o que evidencia o impacto da utilização indiscriminada da prisão provisória nos índices de superlotação carcerária.
Da análise dos dados fornecidos pelos tribunais, verificou-se que foram reanalisadas 34.775 decisões de prisões cautelares vigentes há mais de um ano, sendo que ao menos 31.308 se referem a pessoas do gênero masculino e 2.303, do gênero feminino. Do total de casos reavaliados, 75% tiveram a prisão cautelar mantida. Essa foi a hipótese elencada pela Portaria CNJ 170/2023 com o maior número de situações analisadas pelos juízes e juízas, mas com o menor número de alterações processuais no que concerne à liberdade das pessoas.
De uma maneira global, nota-se que a revisão da prisão preventiva com alteração da situação prisional ensejou majoritariamente a concessão de liberdade provisória com medidas cautelares diversas da monitoração eletrônica (9%), seguida de concessão de prisão domiciliar sem monitoração eletrônica (7%); concessão de liberdade provisória sem medidas cautelares (7%); concessão de liberdade provisória com monitoração eletrônica (1%); e concessão de prisão domiciliar com monitoração eletrônica (1%).
Gestantes e lactantes
Feitas seleção e análise individualizada pelas varas, os dados fornecidos pelos tribunais apontaram a existência de 6.304 processos que envolviam gestantes, lactantes, além de mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, em todo o território nacional. Como resultado da ação do mutirão, a prisão preventiva foi revista em 51% dos casos, alcançando 3.212 mulheres, e mantida a 3.092 mulheres. Em relação ao total de processos analisados, a revisão da prisão preventiva resultou, na maioria dos casos, na concessão de prisão domiciliar sem monitoração eletrônica (29%).
Tráfico privilegiado
Foram reavaliados 7.088 casos de pessoas cumprindo pena em regime diverso do aberto condenadas pela prática de tráfico privilegiado — quando a pessoa é primária, tem bons antecedentes, não se dedica às atividades criminosas, nem integra organização criminosa. Esse foi o crime que, proporcionalmente, mais envolveu mulheres (12%). Desse total, houve a manutenção da prisão em estabelecimento de regime fechado em 29% dos casos, o que equivale, em números absolutos, a 2.028 indivíduos.
Regimes
Segundo os tribunais, havia 22.276 pessoas cumprindo pena em regime fechado apesar de terem sido sentenciadas em regimes menos gravosos. Dessas, 48% foram mantidas nesses estabelecimentos, enquanto para 23% houve progressão para o semiaberto e para 13%, para o aberto. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.