Opinião: Cláusula break-up fee para alocação de riscos

Um contrato é, por essência, um instrumento de alocação de riscos entre as partes, o que é inclusive expressamente reconhecido pela legislação brasileira em seu Código Civil [1]. O racional não é diferente para operações de M&A, as quais dependem da correta delimitação dos riscos inerentes à transação, observados durante as negociações e/ou identificados na auditoria (due diligence) e consequente alocação eficiente destes nos contratos celebrados. E tal atividade é sem dúvida uma das funções mais importantes dos advogados e consultores jurídicos nesse tipo de atuação.

Especialmente em operações de M&A com fechamento diferido, nas quais há um intervalo entre a assinatura do contrato (“signing”) e o “fechamento” (momento que culmina com a efetiva implementação da operação ou com o desfazimento do contrato, também denominado “closing”), é necessário cuidado e atenção redobrados na alocação dos riscos do negócio. Nesse exercício alocativo, uma das principais preocupações será com o risco de não fechamento do negócio, que pode decorrer, via de regra, pela não implementação de alguma das condições suspensivas estipuladas.

Dentre as diversas ferramentas que podem ser utilizadas para a correta e eficaz alocação desses riscos destaca-se a break-up fee clause, um dos muitos institutos importados para a prática brasileira do direito estrangeiro que por vezes também é denominada termination fee clause ou taxa de insucesso.

A cláusula de break-up fee é uma cláusula que estipula uma multa de natureza penitencial, pela qual se estabelece o pagamento de uma determinada quantia pecuniária caso a transação planejada não seja consumada por motivos previstos no contrato, alheios à noção de culpa ou inadimplemento das partes. Sua natureza penitencial decorre do fato de que a cláusula tem como principal função estabelecer o preço a ser pago para a livre desvinculação das partes [2].

Trata-se, portanto, de um mecanismo válido e eficaz de alocação contratual do risco de não fechamento do negócio “por um fator de imputação objetivo (o risco) e não subjetivo (culpa)” [3], racional que afasta a caracterização do instituto como uma cláusula penal, que é uma categoria jurídica voltada eminentemente para a tutela do inadimplemento das obrigações.

Cabe ressaltar que alguns autores, ao fazerem a caracterização desse mecanismo de alocação de riscos, propõem uma separação da clausula em duas espécies, a break-up fee e a reverse break-up fee [4]. A divergência segundo essa ideia depende de qual das partes é a favorecida na estipulação. A primeira se enquadra nos casos em que o pagamento deva ser realizado pela vendedora à compradora se a operação não for realizada pelas razões descritas no contrato.

Já a segunda ocorre quando o pagamento deva ser feito pela compradora à vendedora caso a operação não seja consumada. Essa divisão, contudo, ainda não encontra relevância prática no direito brasileiro.

A cláusula de break-up fee também pode ser útil para precificar o risco de “desistência” de alguma das partes, quando haja previsão no contrato nesse sentido. De um lado, ela se mostra interessante na definição de um preço de arrependimento pelo vendedor, pois como bem pontua Adamek [5], o interessado na aquisição de uma sociedade despende muitos gastos para realizar a primeira proposta de aquisição (o autor destaca o termo “costly courtship”), em especial para a realização do valuation da sociedade-alvo.

Por outro lado, ela também poderá representar uma forma de precificar o arrependimento do comprador, levando em conta que nas operações de M&A, em especial na fase de auditoria, a sociedade-alvo e os vendedores dispendem tempo e compartilham informações cruciais com o comprador, mesmo sabendo que eventualmente o fechamento da operação pode não ocorrer.

Assim, essa cláusula pode ser utilizada 1) para superar o obstáculo enfrentado pelo comprador quanto a arcar com os custos e despesas relacionados à operação, que pode não se consumar; ou 2) garantir uma remuneração ao vendedor pelo dispêndio de tempo, assunção de períodos de exclusividade e/ou compartilhamento de informações ocorridos durante as negociações. Isto porque, por meio desta cláusula, as partes definem um valor a ser pago em uma eventual desistência de uma ou ambas as partes, estabelecendo quando custa a não concretização do negócio.

Além disso, a cláusula de break-up fee também se mostra um mecanismo eficiente na alocação de riscos regulatórios inerentes às operações de M&A, como, por exemplo, o risco antitruste, referente a operações sujeitas à aprovação prévia do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Nessa hipótese, a cláusula de break-up fee assume a natureza de obrigação condicional de garantia, como uma promessa de compensação financeira caso o negócio não possa ocorrer, garantindo uma certa compensação e/ou restituição das despesas e custos incorridos por alguma das partes durante as negociações [6].

Considerando esse aspecto da cláusula de break-up fee, é possível trazer algumas ilustrações recentes. Tal mecanismo foi utilizado na operação de aquisição da Linx pela Stone, realizada em 2020. No caso, foi estabelecido que, se o Cade não aprovasse a operação, a Stone deveria pagar o valor de R$ 600 milhões à Linx à título de break-up fee [7].

Assim, com a inserção dessa cláusula no contrato, a Stone assumiu o risco de arcar com o pagamento da mencionada quantia à Linx caso a transação não ocorresse em razão de uma resposta negativa do Cade.

Também na operação da venda da fabricante de celulose Fibria para a Suzano, em 2018, foi estipulado que, caso a aprovação do Cade estivesse condicionada a alterações no negócio que não fossem acatadas pela Suzano, ela estaria sujeita ao pagamento de break-up fee no valor de R$ 750 milhões, o que não ocorreria caso o Cade vetasse totalmente a operação [8]. Ou seja, a cláusula de break-up fee foi estipulada não em razão do risco de veto pelo Cade, mas sim para alocar o risco de desistência da Suzano em razão da formulação de exigências pela entidade. Em ambos os casos, as operações foram aprovadas pelo Cade e concluídas, não tendo sido aplicada a cláusula de break-up fee.

Nesse ponto, relevante mencionar que o Cade reconhece tal mecanismo como válido, e expressamente exclui as cláusulas de break-up fee da definição de consumação prévia de atos de concentração econômica (popularmente conhecidos como “gun jumping”[9]. Isso reforça a possibilidade de utilização da break-up fee para a alocação de riscos em operações sujeitas à aprovação prévia de entidades reguladoras.

Por fim, a cláusula de break-up fee não se confunde com uma cláusula penal clássica, o que afasta a previsão legal que determina a redução equitativa das penas convencionais em via judicial ou arbitral quando consideradas excessivas, consoante o disposto no artigo 413 do Código Civil [10].

Nesse sentido, é fundamental destacar que as partes devem ter atenção na ponderação do seu valor. O patamar a ser levado em consideração não é definido legalmente, sendo usualmente consideradas os valores utilizados em transações já concluídas como referencial (obviamente, quando divulgadas).

A estipulação da break-up fee em patamares fora do praticado pelo mercado pode representar uma alocação de risco ineficiente, com o estabelecimento de uma prestação excessiva ou módica, conforme o caso, a ser realizada por uma das partes. Essa situação pode levantar questionamentos sobre eventual responsabilização dos administradores da sociedade afetada, que podem ser acusados de agirem de forma contrária ao interesse da sociedade e/ou de seus sócios [11].

Por isso, a definição do valor da cláusula de break-up fee demanda cautela de administradores, advogados e operadores do direito envolvidos na elaboração da cláusula.

Com um breve panorama geral sobre a break-up fee, nota-se que, embora à primeira vista, o instituto possa se assemelhar à cláusula penal, confundindo-se com a multa por inadimplemento, a cláusula possui uma finalidade diversa. Trata-se na realidade de um mecanismo de alocação eficiente dos riscos existentes nas operações de M&A, que muitas vezes serão identificados na due diligence. Sua função é estabelecer um preço de desvinculação, ou seja, uma taxa a ser paga por uma das partes caso o negócio não seja concluído.

Há um grande potencial para a utilização desse instituto nos negócios celebrados no Brasil, sendo fundamental que sua função e natureza sejam bem compreendidas pelas partes e que o seu valor represente tal entendimento e esteja dentro dos patamares de mercado.


[6] MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula break up fee: qualificação perante o direito brasileiro. Revista de Direito Societário e M&A. vol. 1. ano 1. São Paulo: Ed. RT, jan.-jun. 2022.

[9] Segundo entendimento do Cade: Existe uma miríade de disposições contratuais possíveis para se formalizar atos de concentração, impossibilitando a listagem de quais cláusulas devem ser entendidas como ilícitas pela autoridade antitruste. Não obstante, entre aquelas que são merecedoras de maior atenção estão todas que podem implicar a integração prematura das atividades das partes envolvidas no ato de concentração. Essas disposições contratuais incluem: (…) cláusula de pagamento antecipado integral ou parcial de contraprestação pelo objeto da operação, não reembolsável, com exceção de (c.i.) pagamento de um sinal típico de transações comerciais, (c.ii.) depósito em conta bloqueada (escrow), ou (c.iii.) cláusulas de break-up fees (pagamentos devidos caso a operação não seja consumada). Extraído do Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica, disponível em https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/gun-jumping-versao-final.pdf.

Adriano Ferraz é sócio na área Societária e de Fusões e Aquisições do Freitas Ferraz Advogados.

Fernanda Dolabella é associada na área Societária e de Fusões e Aquisições do Freitas Ferraz Advogados.

Marcelo Matos é associado na área Societária e de Fusões e Aquisições do Freitas Ferraz Advogados.

Consultor Júridico

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