Pedro Santoro: Contratos empresariais e inteligência artificial

O Direito, assim como todas as demais modalidades de conhecimento criadas pelo homem, sofre com as influências exercidas pelas constantes evoluções e transformações pelas quais as relações humanas perpassam.

Nessa ótica, nos últimos anos, uma das principais transformações que, de maneira deveras rápida, já vem produzindo profundos impactos no exercício do Direito pelos mais diversos tipos de agentes jurídicos é a inteligência artificial (IA).

Afinal, exemplos não faltam das formas como as ferramentas surgidas a partir do uso da inteligência artificial vem sendo implementadas como instrumentos que auxiliam no exercício da atividade jurídica, seja no uso por advogados como mecanismo auxiliar na elaboração de petições [1], seja no manejo por tribunais [2] e magistrados [3] objetivando não só a organização do processo, como a própria elaboração de sentenças.

Nesse sentido, ao invés de oferecer resistência ou de alguma forma negar a influência que a inteligência artificial já exerce, e exercerá ainda mais, no Direito, é importante buscar compreender esse fenômeno e, mais do que isso, analisar e destrinchar outras formas de impacto que a IA poderá gerar nos mais diversos campos do saber jurídico.

Destarte, o presente artigo busca, de maneira breve e eminentemente provocativa, analisar os impactos que a Inteligência Artificial poderá provocar nos contratos empresariais, especificamente em relação à isonomia contratual no contexto de contratos nos quais as interações não sejam, exclusivamente, entre humanos.

Acerca disso, importante destacar a opinião do professor Paulo Brancher em artigo publicado recentemente sobre o tema, no qual o doutrinador destaca que nesse cenário estar-se-ia diante não de mera assimetria informacional, mas sim de uma verdadeira “anomalia” informacional [4].

Afinal, o que se tem posto é uma relação contratual na qual uma das partes não apenas possui uma vantagem informacional em relação à outra, o que é plenamente comum e aceitável dentro cálculo/jogo de risco das relações empresariais, mas sim um verdadeiro nível de conhecimento informacional infinitamente superior e o qual a outra parte, entenda-se a humana, nunca poderia autonomamente alcançar.

A codificação civil, em seu artigo 421-A [5], já estabelece que a paridade dos contratos empresariais é presumida até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção.

Tendo isto em conta, o cenário que se abre aqui é a possibilidade de construção de relações e contratos empresariais que poderão ser formados por partes que partirão de pontos de partida não só diferentes, como, a depender do contexto, verdadeiramente inalcançáveis, especialmente quando já existem programas de IA que superam o nível de compreensão de texto dos humanos [6].

Assim, em consonância com as provocações pontuadas pelo professor Paulo Brancher [7], surgem duas indagações a partir da análise dessas relações contratuais: 1) estar-se-ia diante de verdadeira situação de hipossuficiência nos contratos, quando máquinas passam a negociar diretamente com seres humanos? e 2) até que o ponto o Estado deve intervir para equilibrar tais relações?

É nesse momento, assim como em tantos outros mais, que urge a necessidade de reflexão e debate, especialmente do ponto de vista regulatório (vide o Projeto de Lei n° 2.338/2023 [8] atualmente em tramitação no Senado Federal) acerca de como tais ferramentas devem ser incorporadas ao Direito.

Por fim, uma última provocação sobre o tema a ser levantada é a seguinte: o artigo 425 do Código Civil [9] expressamente permite a estipulação de contratos atípicos, desde que observadas as normas gerais da referida legislação.

Dessa forma, inserido no contexto em que estaremos diante de contratos empresariais que poderão ser formados a partir de partes não humanas com capacidade de conhecimento quase infinita se comparada a parâmetros/limites humanos, quais serão os leques de novas possibilidades de formatações contratuais que se abrirão?

Que os juristas (e, por que não, as IAs) reflitam sobre isso.

c

Pedro Santoro de Mello é advogado de Direito Societário no Eskenazi Pernidji Advogados.

Consultor Júridico

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