O final de semana foi trágico nos Estados Unidos. No sábado (6/5), um atirador, com um fuzil AR-15, matou oito pessoas e feriu outras sete em um shopping na cidade de Allen, na área de Dallas, Texas. Seis outros massacres ocorreram em outros estados no fim de semana. Até então, este ano já havia registrado 202 massacres semelhantes.
Nos EUA, define-se massacre (mass shootings) como ataques de atiradores que matam ou ferem pelo menos quatro pessoas. E o primeiro marco das estatísticas é o número 200 — um número que foi atingido de 2016 a 2018 no final de julho, em 2019 e 2020 no final de junho, em 2021 e 2022 em meados de maio e em 2023 no início de maio.
É uma contagem que fica mais tétrica progressivamente, de acordo com as estatísticas da organização Gun Violence Archive (GVA). Os dados indicam que 2023 será pior que 2022, quando ocorreram 647 massacres, com mais de 20 mil mortos e quase 40 mil feridos — todos vítimas da violência armada.
No momento, não há propostas viáveis para reverter essa tendência. Há ideias inviáveis dos democratas que, em nível estadual, lutam quixotescamente para aprovar legislação que restrinja a compra e o porte de armas em estados dominados por republicanos. É uma briga intitulada “Gun Rights vs Gun Control”.
Em nível federal, a briga é a mesma, mas nada acontece porque nenhum dos dois partidos tem maioria para mudar esse panorama. E há uma disputa à parte, provocada por democratas que querem revogar a Segunda Emenda da Constituição, a que criou o direito às armas — com a contrapartida de que os cidadãos teriam o direito de criar milícias para combater governos tiranos.
Um dos idealistas que advogam em prol da revogação da Segunda Emenda é o deputado federal democrata pelo Texas Colin Allred, que pretende disputar a eleição para o Senado em 2024 contra o senador republicano Ted Cruz. No Twitter, Cruz mencionou o desejo de seu rival e escreveu: “Não há chance de que iremos revogá-la”.
Orações, pensamentos e corações
O senador Ted Cruz, como outros republicanos, tem outra “solução” para o problema dos massacres: rezar pelas vítimas e suas famílias e enviar a essas pessoas mensagens de que seus pensamentos e seus corações estão com elas, segundo o The Guardian.
Depois do massacre no shopping de Allen, no sábado, Cruz, que é senador pelo Texas, escreveu no Twitter: “Heidi (sua esposa) e eu estamos rezando pelas famílias das vítimas desse terrível massacre no shopping de Allen, Texas. Também rezamos pela comunidade em geral do Condado de Collin, que está em choque por essa tragédia.”
Shannon Watts, fundadora do grupo Moms Demand Action, respondeu no Twitter: “Você ajudou a armá-lo com metralhadora, munição e equipamento tático. Ele fez exatamente o que você sabia que ele ia fazer. Poupe-nos de suas orações e fale sobre justiça a um atirador que está… morto.”
Em outra tragédia no Texas, em que um atirador matou, em maio de 2022, 19 crianças e dois professores na Escola Robb Elementary, em Uvalde, Cruz declarou que estava “elevando em orações toda a comunidade durante esse tempo devastador” e lamentando “as vidas perdidas por esse ato do mal”. “Nenhum de nós pode imaginar a angústia pela qual os pais em Uvalde estão passando. Nossos corações estão com eles.”
Em resposta a um massacre no Walmart de El Paso, Texas, que, em agosto de 2019, deixou 23 mortos, Cruz escreveu no Twitter: “Heidi e eu estamos rezando por todos em El Paso. Conforme os eventos se desenrolam, por favor, preste atenção às advertências das autoridades locais e esteja seguro. Reze por El Paso.”
Dois meses mais tarde, depois que um atirador matou duas pessoas nas proximidades de uma universidade estadual, Cruz escreveu: “Heidi e eu estamos nos elevando em preces por aqueles que foram mortos e feridos por um atirador na noite passada, em uma festa no Texas A&M Commerce.”
A deputada federal republicana Keith Self, cujo distrito inclui a cidade de Allen, disse à CNN: “Deus todo poderoso está em absoluto controle de nossas vidas. Massacres são consequência da falta de tratamento adequado para a saúde mental. O país deve se focar em orações para as famílias das vítimas de Allen.”
Além das orações
Projetos de lei sobre controle de armas não passam no Congresso dos EUA por uma razão nada religiosa: organizações que defendem o direito às armas, por representarem fabricantes e comerciantes de armamentos, despejam milhões de dólares nas campanhas eleitorais dos políticos e em lobby sobre o tema.
O senador Ted Cruz, por exemplo, um dos maiores defensores do direito às armas no Congresso, é um dos principais beneficiados dessas doações: recebeu US$ 442.333 dessas organizações e mais US$ 154.505 de grupos independentes, de acordo com a Open Secrets, organização que rastreia o dinheiro na política americana, e com a Axios.
A lista da Open Secrets mostra que 186 republicanos receberam esse tipo de doação, até chegar a um democrata, o senador Joe Manchin, que recebeu US$ 20.700. Depois continua com republicanos. De uma maneira geral, os políticos democratas receberam mais dinheiro de organizações a favor do controle de armas, conforme mostra a lista da Open Secrets.
De acordo com a Axios, o levantamento da Open Secrets não inclui os milhões de dólares que a National Rifle Association (NRA) investe indiretamente no apoio ou em oposição a políticos específicos.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.