Reestruturação do Fundo Amazônia e desenvolvimento sustentável

No último dia 22 de março, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participou de encontro com o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, para tratar do aceleramento das doações da Noruega para o Fundo Amazônia[1][2].

Da mesma forma, após encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no início de fevereiro[3], o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sinalizou a intenção de destinar recursos ao Fundo Amazônia, o que foi, posteriormente, reforçado pelo enviado especial dos EUA para o Clima, John Kerry[4].

Tais movimentações da comunidade internacional podem ser uma importante janela para a retomada do papel central do Fundo Amazônia como agente propulsor do desenvolvimento econômico e sustentável brasileiro. Em vista do mais recente Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC)[5], segundo o qual as emissões de gases do efeito estufa aumentaram, de forma preocupante, ao longo da última década, essa oportunidade não só é relevante para o Brasil, mas para toda a comunidade internacional.

O Fundo Amazônia foi proposto pelo governo brasileiro em 2006, durante a COP-12, buscando a contribuição voluntária de outros países para a redução de emissões de gases do efeito estufa resultantes do desmatamento e da degradação das florestas (Redd). Em seguida, o Fundo foi criado em 1° de agosto de 2008, pelo Decreto n° 6.527/2008, tendo como principal objetivo a captação de recursos voltados à conservação e ao uso sustentável, principalmente, do bioma amazônico, nos limites da área denominada Amazônia Legal. De todo modo, o art. 1º, §1º, do Decreto n° 6.527/2008 permite que até 20% dos recursos sejam utilizados no desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento em outros biomas brasileiros e em outros países tropicais.

Desde a sua concepção original, o Fundo Amazônia é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Nos termos do artigo 1º do Decreto n° 6.527/2008, alterado pelo Decreto nº 8.773/2016, o BNDES ficou autorizado a destinar o valor das doações recebidas em espécie, apropriadas em conta específica denominada Fundo Amazônia, para a realização de aplicações não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal”.

Como se vê, o Fundo Amazônia depende inteiramente de doações. Entre 2008 e dezembro de 2018, o Fundo Amazônia captou mais de R$ 4,3 bilhões[6]. Historicamente, os principais doadores são a Noruega, a Alemanha e a Petrobras[7].

Os doadores não recebem nenhum tipo de contrapartida pelas doações, nem mesmo créditos de carbono e afins[8]. Contudo, a Noruega, por exemplo, sempre condicionou os repasses à implementação de medidas efetivas de combate ao desmatamento e, consequentemente, de redução das emissões de gases de efeito estufa[9].

Para assegurar a devida destinação dos recursos e a consecução da finalidade das doações, o Fundo Amazônia passa por diversas auditorias: auditoria contábil, externa ao BNDES; auditoria de cumprimento, para verificar se a aplicação dos recursos atende aos critérios de redução de emissões definidos pelas diretrizes nacionais do clima; e auditorias anuais do Tribunal de Contas da União.

Dentre os projetos apoiados pelo Fundo Amazônia, destacam-se iniciativas dentro e fora da Amazônia Legal. Segundo estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), os projetos financiados pela iniciativa levaram a mais de 746 mil produtores rurais a se inscreverem no Cadastro Ambiental Rural (CAR), instrumento voltado à regularização fundiária; combate a queimadas e incêndios florestais em estados como Pará e Rondônia; e, mais recentemente, proteção de comunidades indígenas como o território Yanomami, em Roraima, que enfrenta severa crise humanitária[10].

A partir de 2019, o Fundo Amazônia foi objeto de controvérsias relevantes, que foram inclusive judicializadas, gerando precedentes paradigmáticos do Supremo Tribunal Federal.

Em junho de 2020, os partidos PSB, PSOL, PT e Rede ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 59 (ADO 59)[11], requerendo o reconhecimento da “inconstitucionalidade do comportamento omissivo lesivo do Poder Público em não dar andamento ao funcionamento sistemático do FUNDO AMAZÔNIA, vedando-se novos atos omissivos que venham a ser feitos nas programações futuras, em respeito ao pacto federativo e aos direitos fundamentais relativos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e dos povos indígenas”.

Como atos omissivos do Poder Público, os requerentes suscitaram, dentre outras coisas, que o Fundo foi desestruturado por meio dos Decretos nº 10.144/2019 e 10.223/2020, que extinguiram, respectivamente, o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA) e o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). Esses comitês, compostos por cientistas, integrantes de governos estaduais, ambientalistas e membros da sociedade civil organizada, tinham como escopo determinar as diretrizes, acompanhar resultados e, na área técnica, verificar os impactos das atividades financiadas pelo fundo nas emissões de carbono e prevenção do desmatamento[12].

Nesse contexto, alegam os requerentes que “mais de 1,5 bilhão de reais de recursos encontram-se represados sem contratação de novos projetos e sem que qualquer medida de equilíbrio seja implementada”. Para agravar o cenário, segundo as suas razões, dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que, a partir de 2019, houve um crescimento significativo no desmatamento, das queimadas e de conflitos de terras na Amazônia[13].

Desse modo, em 3 de novembro de 2022, o Plenário do STF, por maioria, julgou parcialmente procedente a ADO 59, determinando que a União retomasse as medidas necessárias para reativar o Fundo Amazônia, abstendo-se de tomar novas condutas omissivas e de utilizar os recursos disponíveis para fins diversos daqueles descritos no artigo 1º do Decreto nº 6.527/2008. Ademais, o STF declarou a inconstitucionalidade do Decreto que havia extinguido o CTFA.

A inconstitucionalidade do Decreto que extinguiu o Cofa, por sua vez, foi declarada pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 651 (ADPF 651). O partido Rede Sustentabilidade ajuizou essa ação argumentando, dentre outras coisas, que a extinção desse órgão mina “a participação da sociedade civil e dos governadores envolvidos no processo decisório”. Assim, ao julgar procedente a ADPF 651, entendeu o STF que “a exclusão da participação popular na composição dos órgãos ambientais frustra a opção constitucional pela presença da sociedade civil na formulação de políticas públicas ambientais”[14].

Dessa forma, em 1º de janeiro de 2023, foi editado o Decreto nº 11.368/2023, que resgatou o formato de governança do Fundo Amazônia, em termos muito similares ao original proposto pelo Decreto Federal nº 6.527/2008. Dentre outras medidas, restabeleceu-se as estruturas e atribuições de seus comitês, CTFA e COFA.

Ainda, neste mês de março, a Comissão do Meio Ambiente do Senado aprovou a reabertura da Subcomissão do Pantanal e a realização de uma série de audiências públicas para discutir alterações climáticas. Dentre os temas que constarão dessa nova pauta da comissão, o Fundo Amazônia, após essa reestruturação, ocupará, novamente, papel de destaque[15].

Em vista do papel central do bioma amazônico para desacelerar as alterações climáticas, as iniciativas do Poder Público para retomada das atividades do Fundo e os precedentes do Supremo que possibilitaram sua rearticulação são relevantes não só para restabelecer relações diplomáticas com os parceiros históricos do Fundo e com novos doadores, mas também como mecanismo de promoção do desenvolvimento econômico sustentável brasileiro.

Luís Inácio Adams é advogado e ex-procurador da Fazenda Nacional. Foi Advogado-Geral da União (2009 a 2016).

Mauro Pedroso Gonçalves é sócio de Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown, doutorando e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de Direito Processual Civil na especialização da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), membro da Associação Brasiliense de Direito Processual Civil (ABPC) e coordenador regional do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr) em Brasília.

Caio Viana de Barros Thomé é associado de Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown e bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP).

Carolina Marcondes Fraga é estagiária de Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown e bacharelanda em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.

Consultor Júridico

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