São direitos básicos do consumidor a proteção da saúde e a segurança contra os riscos no fornecimento de produtos considerados perigosos. Assim, mesmo que o estabelecimento comercial não adote conduta nociva, ele deve zelar pela integridade física dos seus consumidores.
Com essa fundamentação, a 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve, por unanimidade, decisão que condenou um restaurante a pagar indenização a um consumidor por vender refeição com fios de cabelo junto com o alimento.
O caso aconteceu no ano passado. em um shopping da capital paulista. Na ocasião, o consumidor foi ao restaurante para almoçar com sua mulher e, após ingerir parte da comida, notou, em um pedaço de peixe, um tufo de cabelo que havia sido frito junto com o alimento. Ele reclamou com o caixa, que lhe devolveu o dinheiro pago pelo prato.
Ainda inconformado, o cliente ajuizou ação por danos morais. O pedido foi parcialmente deferido na primeira instância, que condenou o restaurante a indenizar o homem em R$ 5 mil. O estabelecimento recorreu.
Na apelação, a defesa apontou, entre outros pontos, ausência de prova do fato na inicial, alegando que o apelado pode ter colocado um fio de cabelo na comida; que o vídeo com imagens do cabelo nada garante; e que não havia provas de que o prato de refeição havia sido comprado no estabelecimento. Sustentou ainda que não houve dano moral a ser indenizado, pois os fatos não causaram abalo psíquico, nem atingiram a integridade física do cliente, e que não caberia a inversão do ônus da prova, que seria impossível de ser produzida.
Responsável por analisar o recurso de apelação, a desembargadora Cristina Zucchi observou, inicialmente, que o consumidor de fato fez a compra no estabelecimento comercial, pagando inclusive o valor de R$ 29,90. “O vídeo gravado no dia dos fatos confirma um prato de refeição e um tucho de cabelo apegado ao alimento”, anotou a relatora.
A desembargadora notou que o estabelecimento poderia negar que os alimentos haviam sido processados em sua cozinha ou mesmo dizer que não serve peixe frito. Tais fatos, porém, não foram alegados. Zucchi destacou também que o cliente informou na inicial que devolveu o prato com a refeição ao estabelecimento. “Ou seja, quem não guardou o objeto de prova foi a própria apelante (o restaurante), e nada demonstrou em contrário.”
Assim, concluiu a relatora, é “indubitável a falha na prestação de serviços”. “Ademais, a responsabilidade dos fornecedores e prestadores de serviços é objetiva, respondendo pelos danos sofridos pelo consumidor, nos termos do art. 6º, inciso VI, 12 e 13 do CDC, bem como pelos artigos 186 e 187 do Código Civil. Basta, assim, a prova dos prejuízos e do nexo de causalidade entre estes e o defeito na prestação de serviços.”
Dessa forma, prosseguiu ela, não há de se cogitar em violação da regra da inversão do ônus da prova do CDC. “A inversão deve acontecer quando, a critério do juiz, afigurar-se verossímil a alegação do consumidor”, explicou. “Nesse diapasão”, concluiu a magistrada, “entendo que o apelado cumpriu o ônus que lhe competia, demonstrando que comprou o alimento da apelante com cabelos, e a apelante nada demonstrou em contrário”.
Sobre os danos morais, Zucchi ressaltou que é irrelevante discutir se o cabelo encontrado no alimento foi ingerido ou não e que são compreensíveis “os sentimentos de horror, de nojo e de desconforto pelo qual passou o consumidor (…), o que, por si só, é uma situação de extrema gravidade”, disse ela ao manter o valor da indenização em R$ 5 mil. O voto foi seguido pelos desembargadores Rômolo Russo e L. G. Costa Wagner.
O consumidor foi representado pelo advogado Marcos Carvalho, do escritório Carvalhos Advogados.
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AC 1014338-72.2022.8.26.0007