Há pouco tempo, numa tarde de quinta-feira em um restaurante da cadeia Denny’s, em Long Beach, na Califórnia, um robô de 1,20 m de altura se aproximou da mesa de Diane Deconnick. Nas bandejas de três níveis que carregava poderia ter trazido um banquete, mas estavam vazias, exceto por uma tigela de sopa e uma salada com frango frito.
Quando chegou perto da mesa, parou. Um display digital anunciou: “A comida chegou.”
“Ele fala!”, exclamou Deconnick. Frequentadora do Denny’s, ela estava curiosa para conhecer o robô desde que aparecera algumas semanas antes. Essa foi a primeira vez que ela foi servida por ele.
Ou, digamos, parcialmente servida. Na prática, um garçom seguiu o robô, tirou a comida da bandeja e a colocou sobre a mesa. “Qual é seu nome, robô?”, perguntou Deconnick. “Lily”, respondeu o garçom que revelou que ele mesmo tinha dado esse nome à máquina.
Deconnick deu a gorjeta habitual de 20% e falou: “Gosto de Lily. É uma boa trabalhadora.”
Há uma década que a prometida era de hambúrgueres virados na chapa por robôs e de baristas automatizados está sempre por perto. Mas a automatização dos restaurantes, pelo menos nos Estados Unidos, continua a ser uma novidade. Isso não se deve ao fato de os robôs e os assistentes com inteligência artificial (IA) não conseguirem cumprir tarefas. De modo geral, a tecnologia existe e, em alguns casos, está por aí há anos.
À medida que os custos trabalhistas aumentam e os robôs se tornam mais sofisticados, o argumento econômico frio para a automação se torna irresistível. Mas, enquanto isso, nossas emoções humanas suaves e irracionais, como a maneira de reagirmos a esses assistentes robôs, desempenharão um papel decisivo em quanto e quão rápido eles começarão a administrar nossos restaurantes. Mesmo em um mundo de cozinhas que não são vistas, QR codes e entrega sem contato, os restaurantes ainda são, de muitas maneiras, lugares sentimentais.
Michael Giebelhausen, professor da Escola de Negócios Wilbur O. e Ann Powers, da Universidade Clemson, estuda a interseção entre tecnologia e hospitalidade. Ele acredita que “não deveríamos pensar em quais empregos os robôs assumirão, mas nos empregos que os consumidores permitirão que os robôs ocupem”.
Até agora, surpreendentemente talvez, grande parte da automação implantada nos Estados Unidos está voltada para atender os humanos: garçons robóticos, drive-thrus com tecnologia de IA e telas sensíveis ao toque proliferam cada vez mais.
Contudo, as pessoas frequentam os restaurantes para se sentirem conectadas a outros humanos. Querem encontrar pessoas e não interagir com um chatbot, fazer o pedido para um quiosque ou ser servido por um braço mecânico. Portanto, integrar com sucesso os robôs é um desafio que vai mais além de um problema de engenharia.
Giebelhausen descobriu, por exemplo, que os consumidores preferem chefs humanos a robôs, em parte porque acreditam que os humanos cozinham “com amor”. Em um artigo atualmente em revisão, ele e seus coautores descobriram que, se os consumidores tivessem um bate-papo amigável com o robô, essa preferência desaparecia. “O ponto crucial é que, se você sente que o robô o ama, acredita que o robô cozinha com amor”, ele disse.
As emoções humanas também são decisivas para os funcionários do restaurante, embora, no caso deles, a questão seja menos sentir amor do que amenizar os medos inerentes ao surgimento da inovação. Um estudo observacional conduzido na Flórida Central descobriu que se a gerência do restaurante tivesse consultado os funcionários antes de trazer um robô, eles o usariam de forma mais eficiente. Em restaurantes onde um robô simplesmente apareceu um dia, sem nenhuma contribuição dos trabalhadores da casa, a equipe ficou mais propensa a se sentir frustrada.
Mindy Shoss, professora de psicologia organizacional na Universidade da Flórida Central (UCF, sigla em inglês), que trabalhou no estudo, afirmou que a automação pode deixar os trabalhadores temerosos de perder o emprego ou até mesmo de que seus postos de trabalho desapareçam. “Dadas as discussões que avançam no imaginário popular sobre a tecnologia substituindo a mão de obra humana, essa é uma preocupação bem comum, especialmente quando a organização onde trabalham não fala claramente o motivo pelo qual a tecnologia está sendo trazida.”
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Um motivo pelo qual os robôs podem ser introduzidos no serviço é para que façam o trabalho pesado.
Juan Higueros, diretor de operações e cofundador da Bear Robotics, empresa norte-americana de robótica que participou do estudo da UCF e cujo robô estava deslizando pelo Denny’s de Long Beach, revelou que os cofundadores da Bear usaram sua experiência anterior como donos de restaurante para projetar robôs de serviço. Os garçons andavam muito e carregavam muito peso; algumas “bandejas com rodas” poderiam ajudar.
Dados levantados pela Bear demonstram que os robôs podem carregar muitos quilos de comida no lugar de garçons humanos. “Os operadores dizem: uau, minha equipe não precisa mais fazer isso. Os robôs funcionam muito bem fazendo coisas mundanas que as pessoas não querem mais fazer”, disse Higueros.
É claro que os temores gerados pela substituição de mão de obra não são infundados. Peter Kim, diretor de tecnologia da Navia, empresa de robôs de serviço, percebeu um aumento no interesse por eles na Califórnia desde que o salário mínimo subiu para US$ 20 a hora para grandes redes de restaurantes, em abril deste ano. “Com robôs você não precisa se preocupar com ausências por doença. Estão disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana e 365 dias por ano; você não precisa nem se preocupar com o clima ou com o trânsito – eles funcionam em qualquer situação”, comentou.
A Bear Robotics também optou por se concentrar em robôs de atendimento nas salas de jantar, porque ofereciam uma solução viável. A cozinha seria uma coisa muito mais complicada. “Na equipe de nosso restaurante tínhamos quatro idiomas diferentes sendo falados. As pessoas trabalhavam amontoadas tentando fazer tudo a tempo, correndo para entregar os pedidos e a comida para os clientes. Os bastidores de um restaurante são um campo de batalha”, afirmou Higueros.
Gennadiy Goldenshteyn é fundador e sócio-gerente da Dinemic Ventures; anteriormente, foi chefe de engenharia global da Yum Brands, conglomerado que inclui Taco Bell, KFC e Pizza Hut. Ele acredita que o desenvolvimento de hardware para automação de cozinha leva anos e enfrenta desafios logísticos, como a segurança do trabalho e os franqueados céticos em relação ao emprego de inovação. Como resultado, mesmo que as redes de restaurantes pareçam externamente futuristas, suas cozinhas funcionam, em grande parte, como antigamente. “É como se tivéssemos feito um carro automatizado a partir de um Ford Modelo T 1920.”
Segundo Goldenshteyn, toda a automação de recebimento de pedidos, incluindo quiosques e IA, acabará sendo substituída por um hardware conhecido e ao qual os consumidores já têm um forte apego emocional: o smartphone. A maioria das grandes redes possui aplicativos que permitem que os clientes façam pedidos por telefone sem muitos problemas.
Mas, enquanto os chefs humanos se destacam na criação de novos pratos, ele acredita que a cozinha automatizada será o futuro, independentemente de os consumidores acreditarem ou não que robôs podem cozinhar com amor. “O pepperoni não se importa se foi colocado na panela por uma mão humana ou por uma máquina”, observou.