Quando, em maio, o Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) elegeu o desembargador Rogério Favreto para diretor da Escola da Magistratura por unanimidade, uma página foi virada. A mesma corte, anos antes, o havia perseguido, anulado arbitrariamente uma decisão sua e quase o aposentado compulsoriamente. O Habeas Corpus concedido por Favreto a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 8 de julho de 2018, motivo da insurgência de um tribunal ainda refém da “lava jato”, completou cinco anos no último sábado.
Na ocasião, Favreto, que despachava no plantão durante o recesso do TRF-4, recebeu um pedido da defesa de Lula. O argumento era que o ex-presidente decidira disputar as eleições presidenciais de 2018 — fato que exigia nova análise pelo Judiciário. Preso após condenação ainda não transitada em julgado, Lula faria jus ao pedido.
A decisão de Favreto, no entanto, acendeu o estopim que desmascarou a confraria entre o Ministério Público Federal do Paraná, o então juiz Sergio Moro, o desembargador João Pedro Gebran Neto, padrinho de casamento de Moro e relator da “lava jato” na 8ª Turma, e Carlos Eduardo Thompson Flores, presidente da corte.
Todos articularam pela desobediência da decisão pela Polícia Federal, pela anulação do HC e, depois, pela punição a Favreto no Conselho Nacional de Justiça, com ampla exposição pela mídia. Os 13,9 mil resultados que o Google hoje traz para a pesquisa com os termos “Rogério Favreto”, “HC” e “Lula” dão a dimensão da repercussão.
Discreto, Favreto não se abalou. Reiterou sua decisão e foi para o embate público com a convicção de quem sabia que o argumento dos lavajatistas era inconsistente: a Súmula 122 do TRF-4, que Favreto teria “contrariado”, dizia que a execução penal “deve” ter início após condenação em segundo grau.
Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal que pacificou o entendimento no país apenas “permitia” a execução antecipada, a depender do caso.
Mais tarde, o STF reconheceu a legitimidade e idoneidade de Favreto no caso, o CNJ arquivou os processos disciplinares e o desembargador venceu processos movidos contra quem ofendeu sua honra. Durante a corrida pela vaga deixada pelo ministro Ricardo Lewandowski no STF, Favreto chegou a ter apoio de figuras importantes dos três poderes — embora sua discrição tenha impedido que isso chegasse aos jornais.
A postura corajosa no episódio do HC gerou admiração. “Agora é fácil defender a decisão de Favreto, mas me lembro à época quantas pedras e quantas vaias foram direcionadas a alguém que apenas cumpria a lei e sua função, com muita dignidade”, afirma o criminalista Pierpaolo Bottini, a quem Favreto sucedeu na Secretaria Especial da Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, em 2007.
“Quando muitos se calaram ou se acovardaram diante do punitivismo penal mais primitivo, o magistrado Rogério Favreto foi corajosamente fiel aos princípios garantistas”, enaltece o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Felipe Santa Cruz. “Certamente não foi fácil, nunca seria, mas ele não cedeu nem diante dos piores ataques e por isso merece nossa admiração e respeito.”
O pânico do delegado
O domingo em que Rogério Favreto concedeu o Habeas Corpus a Lula foi agitado. Adalberto Rocha, advogado responsável por fazer cumprir a decisão, lembra dos detalhes. “Desde que nos reunimos na sala do delegado, começaram as ligações telefônicas para que não cumprisse o mandado. Praticamente todas as autoridades que oficiavam na Lava Jato ligaram, pressionando o delegado”, conta.
Segundo o advogado, ao receber um despacho de Moro determinando o não cumprimento da decisão, o delegado telefonou para o juiz e explicou que “infelizmente, não poderia acatar porque um juiz de primeiro grau não tem autoridade para revogar a ordem de um desembargador”.
Eram 11h30 quando Favreto ligou para a delegacia. O delegado o ouviu por cerca de dois minutos e desligou, empalidecido. “Ainda vai sobrar para mim, que não tenho nada com isso”, lamentou.
À tarde veio a decisão de Gebran Neto desautorizando Favreto. “Ele (Gebran Neto)estava no recesso, não tinha competência sobre atos do desembargador do plantão”, conta o advogado que, no entanto, notou o alívio do delegado. Minutos depois, porém, uma nova decisão de Favreto, reafirmando sua competência, restaurava a ordem de soltura e reacendia a disputa. “O delegado só saiu do pânico quando, no fim da tarde, o desembargador Thompson Flores, em decisão também inusitada, encerrou o assunto e determinou que o mandado não fosse cumprido.”
Segundo Adalberto Rocha, a postura de Rogério Favreto o surpreendeu. “Naquele dia tomei conhecimento de que, no TRF-4, existia um desembargador firme, convicto das suas razões de decidir e com uma coragem que talvez não coubesse naquele tribunal, naquele momento da história”, pondera. “Em 35 anos de advocacia, eu nunca tinha visto coisas tão inusitadas: o sistema de Justiça agindo de modo combinado para desobedecer a uma ordem do próprio sistema.”
Dentro de um vulcão
A anulação do HC não encerrou a discussão, que agora seria travada nas instâncias disciplinares contra Favreto, sob a alegação de abuso de autoridade. As corregedorias do TRF-4 e do CNJ se mobilizaram. A Associação dos Magistrados Brasileiros entrou no caso. A Associação dos Juízes do Brasil se recusou a defender o desembargador. O Superior Tribunal de Justiça recebeu um pedido da Procuradoria-Geral da República para investigá-lo por prevaricação.
Para defendê-lo, Favreto ligou para um amigo de Brasília. “Eu estava em viagem de férias na Islândia com a família, dentro de uma van para um passeio em um vulcão, quando meu telefone tocou”, conta Marcelo Nobre, advogado experimentado nos tribunais superiores e ex-conselheiro do CNJ. “Atendi ao telefone e passei a ouvir de meu amigo Favreto o relato sobre a perseguição que ele estava sofrendo de seu próprio tribunal. Era um impiedoso e parcial processo, apesar de ele ter feito o que qualquer juiz deveria fazer no lugar dele: dar uma decisão.”
Nobre recorda-se que, naquele momento, já havia acompanhado a história pela imprensa. Porém, não havia ainda clareza sobre as relações espúrias entre o MPF e Moro. Sua indignação foi a motivação que o levou a trocar o vulcão islandês pelo brasileiro. Desceu da van, voltou ao chalé onde estava hospedado e começou a rascunhar a defesa do desembargador no próprio celular.
“Eu jamais o deixaria ter outro defensor mesmo nessas circunstâncias geográficas. Os lavajatistas tinham ampliado seus tentáculos no tribunal sobre muitas desembargadoras e desembargadores e estavam usando a concessão do HC para tentar punir o juiz Favreto com a aposentadoria compulsória. Queriam punir o juiz porque não gostavam de quem era parte naquele processo.”
Ao protocolo da defesa seguiram-se conversas com o então presidente do TRF-4, Thompson Flores, e o então corregedor-nacional de Justiça, Humberto Martins.
“Uma parte considerável do TRF-4 queria julgar o Favreto no próprio tribunal, e rápido. Na verdade, esse não seria um julgamento, mas, sim, um linchamento, com sua exclusão dos quadros da magistratura”, lembra Marcelo Nobre.
A saída encontrada pelo advogado foi concentrar todos os processos no CNJ, com o argumento de que Moro e os próprios desembargadores do TRF-4 também foram alvo de processos a respeito. Na segunda tentativa, e às vésperas do julgamento de Favreto pelo TRF-4, o ministro Humberto Martins atendeu ao pedido e avocou o processo.
“A justiça e o bom senso prevaleceram, com o arquivamento de tudo que tinha contra ele. As representações contra Moro, Gebran e Thompson Flores acabaram arquivadas também, sendo essa uma escolha do CNJ naquele momento turbulento pelo qual passávamos”, avalia Nobre.
A ‘Terra plana’ girou
Desde 2018, os abusos da “lava jato” e suas consequências ficaram mais evidentes. Sergio Moro virou ministro do presidente Jair Bolsonaro, que ajudou a eleger, tirando Lula da disputa.
Deltan Dallagnol, procurador que emprestava o rosto para a milícia lavajatista e um dos articuladores da derrubada do HC de Favreto, foi o deputado federal mais votado pelos paranaenses — mas seu mandato não resistiu à Lei da Ficha Limpa. Augusto Aras, nomeado chefe do MPF pelo presidente escolhido pela “lava jato”, desfez as chamadas “forças- tarefas” e retomou o controle sobre o trabalho dos procuradores.
A investigação apelidada de “vaza jato” trouxe à luz mensagens trocadas entre membros da “República de Curitiba” e comprovou as ilegalidades que todos os advogados dos acusados já haviam denunciado. Finalmente, o Supremo reconheceu que Sergio Moro tinha interesses pessoais ao julgar suas vítimas e anulou suas condenações. Lula, depois de 580 dias preso injustamente, pôde concorrer e venceu as eleições para presidente da República.
Só é possível perceber a importância de Rogério Favreto na história fazendo essa digressão. E projetando: tivessem os lavajatistas sido descobertos antes, a decisão do desembargador poderia ter salvado centenas de milhares de vidas durante a pandemia de Covid-19, perdidas em função de decisões erradas da gestão federal.
Em maio deste ano, ao ser eleito diretor da Escola da Magistratura do TRF-4, Favreto apontou para a raiz do problema. “Não devemos estimular e emular heróis ou salvadores da pátria, sob pena de fragilizarmos ainda mais o sistema de Justiça, como estamos experimentando pelos recentes devaneios e personificação de alguns agentes, a partir da excessiva exposição midiática e do foco em projetos pessoais e políticos”, discursou (leia o discurso completo ao fim da reportagem).
Onde tudo começou
Natural de Tapejara (RS), Favreto tem 57 anos, é casado e tem um filho de 7 anos. Formou-se em Direito pela Universidade de Passo Fundo em 1989. Pós-graduado em 1991 pela Unisinos e mestre em 2016 pela PUC-RS, escreveu as obras Comentários à Lei de Improbidade Administrativa e Comentários à Nova Lei do Mandado de Segurança. Foi filiado ao PT entre 1991 e 2010.
Foi também procurador do município de Porto Alegre de 1995 a 2011 e procurador-geral entre 1997 e 2004. No governo federal, assumiu os cargos de assessor especial da Casa Civil em 2005, como subchefe de assuntos jurídicos; e de consultor jurídico do Ministério do Desenvolvimento Social em 2006, ambos no primeiro governo Lula. Na gestão Dilma, foi secretário nacional da Reforma do Judiciário entre 2007 e 2010. No ano seguinte, foi nomeado desembargador do TRF-4.
À frente da reforma do Judiciário, entre 2007 e 2010, Favreto se tornou conhecido dos caciques da República. A responsabilidade da Secretaria Especial que comandava no ministério da Justiça era colocar em prática os consensos dos três poderes nos Pactos Republicanos I e II, e as determinações da Emenda Constitucional 45, aprovada em 2004.
Democratização do acesso à Justiça, reformas administrativas no Poder Judiciário e aperfeiçoamento de outras instituições do sistema de Justiça foram metas que culminaram com mais de duas dezenas de leis, todas negociadas diretamente por Favreto e outros membros do governo com parlamentares e chefes do Judiciário.
Entre as mais marcantes estão a regulamentação do teletrabalho; a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas; a Lei de Acesso à Informação; a Lei de Abuso de Autoridade, sancionada só em 2019; a Lei 12.403/11, que entre outras mudanças introduziu novas medidas cautelares alternativas à prisão em processos penais; a Nova Lei do Mandado de Segurança; a Lei Orgânica da Defensoria Pública; e a Lei 12.063/09, que definiu regras para a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO).
Também foram resultado direto da ação de Favreto a criação dos Juizados da Fazenda Pública, que acelerou o julgamento de demandas contra estados e municípios, e a interiorização da Justiça Federal, com a criação de 230 novas varas, em 2009.
“Não foi só uma mera criação de varas, mas o estabelecimento do critério de necessidade, de acessibilidade, de demanda, e não só de distância geográfica”, explicou, a respeito desta última, o secretário em rara entrevista dada à ConJur, em 2010. “O principal foco da minha gestão é o acesso universal à Justiça. Falta aproximar o Judiciário do cidadão. Hoje, o cidadão comum vê a Justiça de longe.”
Favreto foi ainda um dos principais articuladores da criação de varas especializadas em processos da Lei Maria da Penha. “Fechamos 2009 com 60 Juizados, todos já implantados, com recursos tanto do Ministério da Justiça quanto da Secretaria da Mulher”, comemorou.
Especificamente sobre jurisprudência defensiva, assunto caro ao Supremo e aos tribunais superiores, Favreto assim a defendeu: “Sem uma mudança radical na priorização das ações coletivas em detrimento das ações individuais de massa, não há como resolver (…). Com isso, uma decisão valeria para todos os casos sobre o mesmo tema. [Mas] É preciso cuidado para que a concentração não prejudique direitos. É difícil o cidadão entender que é necessária uma demora para maturação de uma decisão, mas há casos que demandam maior cuidado. O Supremo tem dado sua contribuição, ao tematizar ações que têm repercussão. Começa a sinalizar seu papel de corte constitucional.”
Outros projetos legislativos aprovados durante sua gestão:
1. Lei 11.925/2009 — autenticação de cópias para advogados no processo trabalhista.
2. Lei 11.965/2009 — participação de defensores públicos em atos extrajudiciais.
3. Lei 11.969/2009 — permite a carga rápida aos advogados.
4. Lei 12.011/2009 — estruturação da Justiça Federal de primeiro grau.
5. Lei 12.012/2009 — criminaliza o ingresso de celulares em penitenciárias.
6. Lei 12.016/2009 — nova disciplina o Mandado de Segurança individual e regulamenta o Mandado de Segurança coletivo.
7. Lei 12.019/2009 — regulamenta a convocação de magistrados para instrução de processo de competência originária do STJ e STF.
8. Lei Complementar 132/2009 — atualiza a Lei Complementar 80 de 1994, que organiza a Defensoria Pública da União e promove normas gerais às Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal.
9. Lei 12.063/2009 — regulamenta o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
10. EC 61/2009 — altera normas sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
11. Lei 12.100/2009 — retificação de erros pelos próprios Oficial do Registro Público.
12. Lei 12.126/2009 — dá nova redação ao § 1º do art. 8º da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
13. Lei 12.137/2009 — altera o § 4º do art. 9º da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.
14. Lei 12.153/2009 — dispõe sobre a criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
15. Lei 12.275/2010 — determina o depósito recursal nas hipóteses de interposição de agravo de instrumento em processo trabalhista.
16. EC 66/2009 — implementa medidas para agilizar o processo de divórcio consensual (deve ser publicada nesta quarta-feira).
Planos para o futuro
Hoje, os olhos do desembargador estão na Escola da Magistratura. Sua preocupação é com a atualização dos magistrados em relação a temas mais recentes, como os que envolvem meio ambiente, diversidade e direitos de indígenas e quilombolas. E com a preparação para a criação do juiz de garantias, que aguarda decisão do Supremo.
“Atualmente somos desafiados por demandas judiciais que envolvem questões dos povos originários, comunidades indígenas e quilombolas, que precisam ser melhor compreendidas na sua dimensão histórica e dos seus direitos fundamentais envolvidos”, disse em seu discurso de posse na Emagis. “Precisamos buscar conhecimentos e compreensão mais humana e de respeito àqueles que deram origem e sustentação ao nosso país.”
Segundo ele, há uma “maré crescente” de raiva e homofobia, inclusive em projetos de lei. “É uma ofensiva em todo mundo contra os direitos das pessoas LGBTQIA+, a que precisamos estar atentos e melhor preparados para que o Direito e a Justiça sejam palcos de resistência e proteção das conquistas já alcançadas, e evitar retrocessos normativos e jurídicos.”
O desembargador também se preocupa com uma conduta mais isenta dos magistrados. “Todos os homens e mulheres são e devem ser contra o crime e a corrupção, mas não é papel do juiz fazer esse combate direto. Isso cumpre aos órgãos de controle do estado e ao Ministério Público. Juiz tem que imparcial e se ater ao direito e aos fatos, buscando a melhor decisão judicial, sem se preocupar com o rugir da imprensa ou redes sociais, nem temer em ser contramajoritário.”
Sobre a onda de juízes famosos nas mídias sociais, Favreto é enfático: “Necessitamos nos preparar para uma melhor comunicação social e uso de redes sociais para dar transparência do trabalho do Judiciário, mas sem protagonismo pessoal e autopromoção. Quem divulga e fala com a sociedade deve ser a instituição. O juiz, repito, deve agir sempre com discrição e preservação dos direitos pessoais e individuais dos envolvidos nas ações judiciais.”
Leia o discurso de posse do desembargador Rogério Favreto como diretor da Escola da Magistratura do TRF-4, feito no dia 28 de junho de 2023:
“Exmo. Desembargador, Dr. FERNANDO QUADROS DA SILVA, Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região;
Exmo. Desembargador JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Vice-Presidente dessa Corte e atual Diretor da EMAGIS, em nome dos quais saúdo todas as autoridades presentes;
Eminentes desembargadores integrantes dessa Corte;
Magistrados e servidores presentes;
Exmo. Procurador Regional da República;
SAÚDO todos os ADVOGADOS (AS), assistentes nessa sessão de posse;
Demais autoridades que acompanham essa posse pelo sistema virtual;
Familiares e amigos presentes e os que também acompanham pelo sistema de transmissão virtual.
Como disse o presidente Fernando Quadros no seu discurso de posse na sexta-feira passada, já que está no roteiro a previsão de proferir algumas palavras, vamos aproveitar…
Desde já, agradeço a distinção dos colegas do TRF4 pela indicação para dirigir a EMAGIS, nossa Escola Judicial, em conjunto com os colegas Roger Raupp Rios, Vice-Diretor, e os Conselheiros Alexandre Lippel e Angelo Roberto Ilha.
Hoje é um dia de muita FELICIDADE, não só para mim, minha família e amigos, mas para todos aqueles que compartilham da minha vida, por mais esta oportunidade e missão profissional e acadêmica que recebo.
Como disse, sinto-me honrado e feliz com esse momento!
Hoje, duplamente feliz. No início da tarde recebi uma comitiva de vereadores e amigos que me comunicaram a concessão do Título de CIDADÃO PORTO-ALEGRENSE.
Uma das honrarias que se não me oferecessem, gostaria de pedir. Minha identificação e vida em Porto Alegre supera o tempo vivido na cidade que nasci. Quase 34 anos de vida na capital.
Sempre procuro viver intensamente cada momento da vida. De regra, não faço planos de longo prazo. Acredito que isso decorre da história de vida de cada um, ajuda coletiva, lutando, superando obstáculos e encarando os desafios que se apresentam pelo caminho, com dedicação e humildade!
Assim, recebo a missão de dirigir a nossa Escola Judicial, ao lado do conselho eleito e da qualificada equipe de servidores da EMAGIS, com quem já tive oportunidade de interagir em alguns cursos.
Recebo esse desafio facilitado pela caminhada e acúmulo da nossa EMAGIS, em especial pela transmissão do cargo pelo amigo e atual diretor JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, que com brilhantismo conduziu a instituição no último biênio.
Ante de escrever essas reflexões, lembrei de quando fui indagado pelo meu pequeno filho Frederico que me queria saber que tipo de diretor eu ia ser.
Difícil explicar para uma criança de 7 anos, mas tentei associar que dirigir uma escola para juízes e juízas, que precisam continuar estudando para melhorar o seu trabalho, seria similar ao que ele faz na sua turma de 2º ano da Escola João XXIII, para aprender a ler e buscar outros conhecimentos de história, matemática e escrita.
Entretanto, disse que meu desafio seria maior que o da professora e diretora dele, porque os meus alunos não são tão comportados e obedientes como as crianças da sala de aula dele, já que adultos e bem donos de si.
Daí me lembrei Presidente Fernando Quadros do recado que falaste para a nova corregedora, que os colegas não irão ligar para pedir mais processos judiciais.
E, na EMAGIS, provavelmente, vão demandar cursos, mas nem sempre ficarão o tempo todo na sala de aula, dedicados aos estudos e farão voluntariamente os temas de casa.
Enfim, feita essa brincadeira, sempre sou otimista e acredito na boa luta que, com a contribuição de todos poderemos anteder algumas dessas demandas colocadas como desafio na gestão da EMAGIS que ora se inicia.
Sabemos que dentre as atribuições da nossa Escola Judicial está o aperfeiçoamento contínuo da magistratura federal da 4ª região, mas que nesse momento me propicia um complemento desejável e de justiça com nossos colegas servidores, com a sua incorporação na formação continuada.
A recente Resolução nº 296/23 desse Tribunal, conferiu nova conformação a EMAGIS, passando a ser a Escola judicial de MAGISTRADOS e SERVIDORES do TRF4, propiciando uma merecida isonomia na qualificação conjunta.
Por isso, um dos compromissos será a formação e aperfeiçoamento técnico e humano dos magistrados e servidores lado a lado.
Às vezes vivemos uma certa hipocrisia de tratar apartado os projetos dos servidores, quando devemos assumir que os bons resultados da prestação judicial passam pelas mentes e mãos das nossas equipes, ou seja, somos um corpo único.
Então, a primeira diretriz será a edição de cursos de qualificação conjunta entre magistrados e servidores, a fim reafirmar a parceria cotidiana de trabalho, aliada a complementação de conhecimento e aplicação nas demandas judiciais, voltadas à busca de uma justiça efetiva, humana e de afirmação dos direitos.
Óbvio que devemos ter cursos mais específicos a magistrados e outros a servidores, mas a diretriz será a qualificação continuada conjunta e de auto complementação profissional.
Sobre as linhas de atuação da EMAGIS, teremos as diretrizes da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados (ENFAM), as quais servirão de norte e substrato para nosso trabalho.
Quanto ao conteúdo, além dos cursos de formação continuada, voltados à atualização processual civil e penal, questões tributárias, matérias previdenciárias, demandas de servidores, controle administrativo, dentre outros temas, precisamos avançar na compreensão de temas contemporâneos.
Atualmente somos desafiados por demandas judiciais que envolvem questões dos povos originários, comunidades indígenas e quilombolas, que precisam ser melhor compreendidas na sua dimensão histórica e dos seus direitos fundamentais envolvidos. Para tanto, precisamos buscar conhecimentos e compreensão mais humana e de respeito àqueles que deram origem e sustentação ao nosso país.
Da mesma forma, todas as questões de assédio, diversidade, discriminação social, sexual, de gênero e raça, dentre outras, exigem conhecimento contemporâneo dos direitos envolvidos e a melhor forma de serem protegidos.
Hoje a imprensa nacional e internacional noticia uma maré crescente de raiva e homofobia, por meio de projetos de leis, não só nos estados americanos, como também no nosso congresso nacional. É uma ofensiva em todo mundo contra os direitos das pessoas LGBTQIA+, a que precisamos estar atentos e melhor preparados para que o DIREITO e a JUSTIÇA sejam palcos de resistência e proteção das conquistas já alcançadas e evitar retrocessos normativos e jurídicos.
Essa luta também passa pela nossa formação continuada e agir adequado na prestação jurisdicional.
Os temas de proteção da nossa natureza, fauna e substratos imateriais apontam desafios além de meio ambiente equilibrado e desenvolvimento sustentável. Importante entender a dimensão da finitude da nossa água, solo e ar, pensando nas gerações futuras e mostrando que a aplicação mais protetiva do direito pode contribuir para a preservação desses bens e evitar as catástrofes já experimentadas e noticiadas diariamente. Precisamos usar os direitos em debate para projetar uma vida social mais duradoura e com menos desigualdades sociais.
Os desafios de demandas coletivas, desde pretensões de grupos de servidores, trabalhadores, segurados da Previdência Social, organizações da sociedade civil, posse e aquisição de propriedade, impõem melhor apropriação e resoluções dos direitos envolvidos.
Necessário também estarmos mais preparados para buscar a composição de conflitos, por meio da conciliação e outros meios de pacificação social, mormente porque todos carecemos dessa formação, já que somos gestados numa permanente guerra jurídica, com a oferta de armas de luta material e processual, desde a formação acadêmica, seleção de concursos até o exercício profissional.
Esse tema estará no cronograma permanente do nosso aperfeiçoamento.
A efetivação dos direitos fundamentais apresenta desafios mais elevados, desde a concretização dos preceitos constitucionais que, mesmo depois de 35 anos de vigência, ainda clamam por aplicação plena e controle de convencionalidade na aplicação dos direitos humanos regulados nos tratados e convenções internacionais.
Tudo isso passa pela abertura das nossas mentes e desprendimento da formação individualista para incorporar compreensões mais humanizadas e voltadas a aproximar nossa jurisdição das reais necessidade dos jurisdicionados, desafiadas no cotidiano da ampla judicialização dos conflitos.
Interrogações, incompletudes e desafios existem. Podemos e devemos buscar luzes e apoio na nossa escola, por meio da troca de conhecimento e experiências judiciais internas.
Também teremos ajuda e ensinamentos com outros operadores do Direito e especialistas de diferentes academias.
Outros desafios se voltam à utilização positiva dos meios digitais e da inteligência artificial, os quais inevitavelmente vão se incorporando pela evolução tecnológica, mas que não podem substituir o olhar e a sensibilidade humana nas nossas decisões, sob pena de descolamento da realidade social.
O equilíbrio da tecnologia com a percepção humana também passa por uma formação filosófica, histórica e política dos magistrados e servidores.
As cobranças da mídia e da própria sociedade civil de combate ao crime e corrupção devem ser mais bem compreendidas.
Nossa missão é a aplicação da Constituição Federal e das leis nas questões judicializadas, a partir de um olhar imparcial das provas e partes envolvidas.
Acima de tudo, devem ser respeitados os preceitos basilares da presunção da inocência, ampla defesa, contraditório e paridade de armas, evitando-se pré-condenações que podem destruir pessoas, famílias, profissionais e empresas, antes de um julgamento imparcial e justo.
Todos os homens e mulheres são e devem ser contra o crime e a corrupção, mas não é papel do juiz fazer esse combate direto. Isso cumpre aos órgãos de controle do estado e ao Ministério Público. Juiz tem que imparcial e se ater ao direito e os fatos, buscando a melhor decisão judicial, sem se preocupar com o rugir da imprensa ou redes sociais, nem temer em ser contramajoritário.
No plano penal, se aproxima o desafio de adoção do esperado juiz de garantias, que só depende de confirmação da constitucionalidade pelo STF. Esse tema está nas prioridades da nossa escola.
A essência do DIREITO é a divergência de entendimentos e o convencimento se forma pelo debate de teses, sem contaminação de influências externas ou preconceitos.
O julgador deve ser discreto e atuar dentro das linhas do processo. Não devemos estimular e emular heróis ou salvadores da pátria, sob pena fragilizarmos ainda mais o Sistema de Justiça, como estamos experimentando pelos recentes devaneios e personificação de alguns agentes, a partir da excessiva exposição midiática e foco em projetos pessoais e políticos.
Precisamos retomar o rumo da normalidade e recuperar a confiança da sociedade na busca de solução dos seus conflitos.
Mais ainda: necessitamos nos preparar para uma melhor comunicação social e uso de redes sociais para dar transparência do trabalho do Judiciário, mas sem protagonismo pessoal e autopromoção. Quem divulga e fala com a sociedade deve ser a instituição. O juiz, repito, deve agir sempre com discrição e preservação dos direitos pessoais e individuais dos envolvidos nas ações judiciais.
Esses dilemas passam pela humildade de reconhecimento de erros e busca do aperfeiçoamento permanente que, nessa gestão da EMAGIS, resta mais desafiador pela próxima formação do grupo de novos juízes e juízas que estão na fase final do concurso de ingresso na magistratura.
Um destaque final que merece atenção é a necessidade de o Judiciário estar preparado para contribuir com a defesa da democracia e proteção das instituições do nosso Estado Democrático de Direito, tão torpedeadas no passado recente, e que ainda necessitam de vigilância e proteção.
Se voltamos a respirar democracia e normalização no funcionamento das instituições públicas, precisaremos ainda estar vigilantes para não vislumbrarmos novos retrocessos, como a tentativa de golpe de Estado e ataque aos três Poderes da República, no recente 8 de janeiro.
O Poder Judiciário, em especial nossa Justiça Eleitoral, com respaldo da Suprema Corte, deu sua contribuição de proteção e preservação do Estado Democrático de Direito.
Melhor não precisar agir, mas se a Justiça for instada, que sempre esteja ao lado da DEMOCRACIA.
A DEMOCRACIA é um empreendimento compartilhado e em aperfeiçoamento constante. Sua manutenção e destino depende de todos nós.
Se, dentre tantos desafios e perspectivas, conseguirmos melhorar nossa formação permanente e, em especial dos novos colegas, aproximando os magistrados e servidores da dura realidade e desigualdade social, a fim de melhor entender as angústias, sonhos e pretensões judicializadas pelos cidadãos, desde o simples trabalhador urbano e rural, passando pelos pequenos empreendedores, médios e grandes empresários, bem como dos gestores públicos, sem criminalizar a política, estaremos realizados em boa parte nessa missão.
E, certamente, vamos ofertar uma JUSTIÇA mais efetiva, humana e com resolução positiva dos conflitos judicializados.
MUITO OBRIGADO pela presença e assistência de todos.
ROGERIO FAVRETO”.