Rosa Weber: Existência para além das grades e arte que ressignifica

Concluímos a semana de lançamento do novo mutirão penal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em São Paulo, cidade superlativa que nos sugere um olhar estratégico e sofisticado para que boas ideias se convertam em resultados. Não se trata de coincidência, mas o reconhecimento de que uma nova política penal, em que o Judiciário se posiciona de forma central pela garantia de direitos, passa necessariamente por este estado que reúne um terço da população prisional do país, e que tão bem nos acolheu nesta ocasião.

Ministra Rosa Weber, presidente do STF, esteve ontem no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo do estado de São Paulo

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Enquanto recebemos notícias de uma verdadeira marcha nacional para a revisão de mais de 100 mil processos de execução penal, retomando o sentido de política em movimento dos mutirões carcerários que marcaram a história do CNJ, mais uma vez nos aproximamos do sistema prisional.

Em Guarulhos, visitei o Centro de Detenção Provisória, colosso cimentado que compõe a paisagem do entorno da cidade de forma a nos lembrar que o cárcere não é (e nunca pode ser) um espaço de exclusão. Devemos refletir, inclusive, sobre a lógica de falarmos em reinserção, em reintegração de pessoas que nunca deixaram de fazer parte de nossa sociedade, estando apenas privadas de liberdade pelo prazo determinado pela pena.

Devemos pensar nas prisões com um sentido pragmático, e assim, Poder Judiciário e Poder Executivo devem concorrer alinhadamente para uma atuação que prestigie os direitos dos que cumprem penas e dos que trabalham nos presídios. Manter o bom funcionamento de um sistema prisional pressupõe concertação de esforços que se complementam de forma permanente.

Quando defendemos o bom funcionamento dos espaços penais, evidentemente que não o fazemos para reivindicar apenas o tradicional, o trivial. Há que se pensar para além dos muros, e apesar deles. Dessa forma, em São Paulo também celebramos a conclusão da implantação nacional da Ação de Identificação Civil e Documentação para Pessoas Privadas de Liberdade, que mobilizou mais de 150 parceiros em todo o país para a criação de fluxos permanentes de identificação e emissão de documentos a esse público.

Rosa Weber esteve num centro de detenção provisória em Guarulhos, na Grande SP

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Trata-se de projeto conduzido pelo CNJ desde 2019 e viabilizado com importante apoio de recursos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, compondo o portfólio de atividades do programa Fazendo Justiça. O programa tem ainda a parceria do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e conta com diversos apoiadores para acelerar transformações no campo da privação de liberdade considerando suas diferentes fases, da porta de entrada à porta de saída.

Quando eu ainda estava na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, com o ministro Dias Toffoli na presidência do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, estabeleci parceria no sentido de enfrentar um cenário de restrição injustificada de direitos por pessoas que vivenciaram o cárcere por ausência de documentação. Não imaginava que o destino me permitisse agora festejar a conclusão desse ciclo virtuoso.

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A regularização da documentação civil é apontada como uma das demandas básicas mais importantes na saída imediata da prisão. A restauração da cidadania de uma pessoa privada de liberdade pressupõe, necessariamente, a individualização da pena e a possibilidade de acesso às políticas de educação, saúde, distribuição de renda, moradia e trabalho, durante e após o cumprimento da pena. Esse acesso, porém, somente se alcança com documentos.

Cabe destacar que a ação ainda supre a inaceitável lacuna na gestão de dados prisionais, lacuna esta que impede uma eficiente execução de políticas públicas. Desse modo, concluir a implementação desta importante ação de cidadania patrocinada pelo CNJ nas 27 unidades federativas é acreditar que podemos, sim, reverter o estado de coisas inconstitucional em que se coloca o sistema prisional brasileiro, proclamado pelo STF no julgamento cautelar da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347.

Em São Paulo anunciamos ainda, em parceria com a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, projeto pioneiro, único e sem precedentes, em que buscamos reafirmar os espaços de privação de liberdade e das pessoas que ali estão enquanto partes indissociáveis de nossa sociedade. Muralhas, que em seu sentido literal cercam e separam, serão ressignificados por meio da arte para promoverem inclusão e cidadania.

Em breve, os muros do Centro de Detenção Provisória de Guarulhos receberão as intervenções artísticas e as mensagens de paz de Eduardo Kobra, muralista internacionalmente reconhecido, por meio do projeto Solta a Arte.

A intervenção sobre os muros de uma prisão e para além deles, realizada com a participação essencial das pessoas que ali cumprem pena, é uma ação de vanguarda e um feito que bem poderia estar compreendido (pela mudança dos paradigmas que irá realizar) em meio aqueles conceitos que nasceram com “Semana de Arte Moderna de 1922”, com a qual pretendemos inspirar todo o país, promovendo ainda o direito à remição de pena, por meio de práticas sociais educativas conforme normativa expedida pelo CNJ em 2021.

Ao celebramos também a adesão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos Humanos, lembramos Hannah Arendt, para quem os direitos humanos não são um dado, mas uma invenção humana em constante processo de construção e de reconstrução. Em setembro apresentaremos os resultados consolidados do mutirão processual penal, certos de que avançamos para a igualdade de todos perante a lei e de que aproximamos a justiça de todas e de todos, sem exceção.

Rosa Weber é presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Consultor Júridico

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