Silva e Oliveira: Poder de Polícia da Agência Nacional de Mineração

A Agência Nacional de Mineração (ANM), criada pela Lei n° 13.575/2017, tem como algumas de suas finalidades a de promover a gestão dos recursos minerais da União, incluindo o controle e fiscalização das atividades destinadas ao aproveitamento de tais recursos.

Para tanto, a ANM (assim como todas as demais agências) goza do poder de polícia, como instrumento de fiscalização e coerção do regulado em caso de inobservância dos ditames legais e normativos existentes.

O poder de polícia, nesse deslinde, é ínsito à atividade administrativa e se traduz como um atributo conferido à Administração para regular e restringir determinados direitos ou atividades econômicas em detrimento do interesse público.

Como bem assevera Celso Antônio Bandeira de Mello [1], designa-se poder de polícia como sendo […] “a atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos” […].

Há, entretanto, uma questão sensível neste espectro do exercício do poder de polícia pela ANM: discernir até onde a agência pode regular algo sem invadir competência legislativa que não lhe é dada.

No plano da abstração, o princípio da legalidade exsurge como ponto nevrálgico e limitador do poder de polícia, já que impede que atos inferiores a Lei, por exemplo, inovem no ordenamento jurídico.

A questão, entretanto, é inferir no, plano concreto, eventuais abusos e excessos cometidas pela ANM no exercício do seu poder de polícia.

Neste toar, Bandeira de Mello [2] estipula algumas condições objetivas para o exercício regular do poder de polícia e, entre elas, cita expressamente a necessidade de rigorosa consonância com a razoabilidade e proporcionalidade, de modo a reputar inválido todo o excesso praticado.

Ademais, o preceito da proporcionalidade, inclusive, é o plano de fundo do novel consequencialismo propugnado, na via administrativa, pelo artigo 20, caput [3] da Lindb (Decreto-Lei n° 4.657/1942), e até mesmo seu parágrafo único (que revela o dever de motivação).

Afinal, o dever de motivação estará observado quando o ato administrativo, considerando suas consequências práticas, impor medidas necessárias e adequadas à finalidade propugnada pela Administração Pública.

A razão de ser do princípio da proporcionalidade reside no excesso de poder, tendo como escopo manter o justo equilíbrio entre os meios empregados e a finalidade pública a que se destinam.

Ocorre, entretanto, que, embora venha exercendo a regulação de forma proativa, a ANM, ao que nos parece, extrapolou as balizas do seu poder de polícia ao editar a Resolução n° 122/2022.

A Resolução n° 122/2022 fora editada pela ANM e publicada em 1/12/2022, trazendo profundos impactos sobre o procedimento administrativo sancionador no âmbito do setor mineral.

A norma foi concebida com o escopo de regulamentar a apuração de infrações e disciplinar sanções e valores de multas em virtude do descumprimento de obrigações previstas na legislação mineral, visando, especialmente, aumentar a conformidade do setor com a legislação de regência (eis o poder de polícia).

Conquanto submetida ao Processo de Participação de Controle Social (PPCS), via audiência pública, a norma não foi precedida da devida Análise de Impacto Regulatória (AIR), como determina o artigo 6° [4] da Lei n° 13.848/2019 e artigo 3° [5] do Decreto n° 10.411/2020, sob o frágil e inadequado argumento (ante as peculiaridades do caso) de urgência na regulamentação sobre o tema.

O resultado foi a edição de uma Resolução que trouxe inúmeras preocupações para o setor mineral. Afinal, inobstante os aspectos jurídicos que envolvem a criação de infrações, a norma apresenta um significativa anacronismo entre a finalidade por ela almejada e os meios instituídos para tanto.

Inicialmente, o poder de polícia da ANM, quando da edição da norma, foi extrapolado pela inobservância o princípio da legalidade. Isto porque, o artigo 16 da Resolução atribuiu penalidade de suspensão (total ou parcial) a infrações que a Lei não previu.

Em que pese a penalidade de suspensão das atividades possuir previsão na legislação ordinária (artigo 63, VI do Decreto-lei 227/1967), a Lei não cuidou de disciplinar quais seriam as infrações sujeitas a essa penalidade o que, aliás, gera uma temerária discricionariedade ao agente e não permite uma vinculação jurídica de comando e controle (dever/infração x pena) que privilegiaria a individualização de condutas típicas.

Ora, as hipóteses de infração sujeitas a suspensão temporária previstas pela Resolução deveriam decorrer de lei em sentido formal, o que não ocorre nos casos dos regimes de autorização e concessão, norteados pelo Código de Mineração.

Soa uma inconformidade, pois no regime de aproveitamento mineral regido pela Lei n° 7.805/89 (permissão de lavra garimpeira), o legislador ordinário previu a hipótese de conduta antijurídica que implica em suspensão (artigo 18 [6]).

Por outro lado, a Resolução claramente ignora os limites da proporcionalidade.

Isto, pois, a norma busca tipificar e sancionar condutas que, em verdade, não representam qualquer tipo de impacto ou lesão a bem jurídico tutelado pela norma minerária. Em contrapartida, fixa critérios vagos, lacônicos e confusos que permitem a fixação de penalidade de multa, por exemplo, em patamares suntuosos e absolutamente incompatíveis com a infração prevista.

Tem-se que uma infração por lavrar a jazida em desacordo com o Plano de Aproveitamento Econômico (PAE) ou de deixar de apresentar um mero extrato de inspeção regular permitirá a ANM imputar ao minerador uma sanção de multa (considerando as possíveis variáveis de cada caso) no valor de R$ 150.875.000 e R$ 22.781.250, respectivamente.

O princípio da proporcionalidade fora claramente ignorado pela resolução.

Não há dúvidas de que a ANM claramente extrapolou os limites do seu poder de polícia ao editar a Resolução n° 102/2022 da maneira como foi feita, sobretudo ao ultrajar os princípios da legalidade e proporcionalidade.

E tais ilegalidades, inclusive, atentam contra a nova perspectiva regulatória propugnada pela Lei de Liberdade Econômica (Lei n° 13.874/19), já que configuram claro açoite ao princípio da Intervenção Subsidiária do Regulador, previsto no artigo 2°, III [7] da Lei n° 13.874/19, além de manifesto abuso regulatório, na forma do artigo 4°, II [8] e artigo 4°-A, II [9], ambos da referida Lei.

Como reflexo a toda a manifestação do setor minerário, a ANM realizou recentemente a Tomada de Subsídios n° 2/2022, com objetivo de angariar contribuições e aprimorar a redação da Resolução n° 122/2022.

Portanto, é importante o acompanhamento desse processo de lapidação da Resolução n° 122/2022 iniciado pela ANM, em virtude dos graves excessos cometidas pela norma e o inequívoco abuso regulatório e do poder de polícia da Agência, com o devido e necessário constrangimento epistemológico da comunidade jurídica em prol de uma norma equânime e condizente com as especificidades do setor.

Victor Athayde Silva é sócio do escritório David & Athayde Advogados, mestre pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em gestão e regulação de recursos hídricos e realiza consultoria em Direito Administrativo, integridade corporativa, licitações, contratos administrativos, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

Johann Soares de Oliveira sócio do escritório David & Athayde Advogados, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Multivix, e realiza consultoria em Direito Administrativo, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

Consultor Júridico

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