O Supremo Tribunal Federal reiniciou nesta sexta-feira (16/6) o julgamento virtual da ação que discute se as Guardas Municipais pertencem ou não ao organograma legal de segurança pública, definido pela Constituição. A discussão foi interrompida em fevereiro por causa de um pedido de vista do ministro André Mendonça, que devolveu os autos para análise no último dia 6. O julgamento se encerrará no próximo dia 23, caso não haja novo pedido de vista ou destaque.
A arguição de descumprimento de preceito fundamental foi proposta pela Associação Nacional dos Guardas Municipais (ANGM). A organização de classe entende que há disputa jurídica sobre o tema, o que pode resultar em contestações sobre a atuação das Guardas.
A associação quer que as Guardas entrem no rol dos órgãos de segurança pública apresentado pela Constituição, que hoje é composto por Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares, Corpos de Bombeiros Militares e polícias penais. A despeito de prever a existência dessas Guardas, a Carta Magna não assegura os mesmos direitos e deveres a essas instituições.
Antes do pedido de vista de Mendonça, os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso já haviam votado por declarar inconstitucionais todas as interpretações judiciais que não consideram as Guardas Municipais integrantes do sistema de segurança pública.
Para Alexandre, que é relator do caso, o fato de as Guardas não estarem listadas no rol da Constituição “não implica a desconfiguração do órgão como agente de segurança pública”. O ministro afirma ainda que, conforme o parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição, as Guardas Municipais exercem as atividades de proteção de bens, serviços e instalações dos municípios, que são típicas da segurança pública.
Já o ministro Edson Fachin votou por não conhecer da ADPF, porque, segundo ele, a ANGM não comprovou sua legitimidade para propor a ação, nem cumpriu os requisitos da petição inicial.
Entre as entidades que podem ajuizar ADPFs, estão as de classe. Conforme a jurisprudência do STF, tais entidades precisam demonstrar, de modo inequívoco, seu caráter nacional, e não somente por meio das declarações de seus estatutos. O magistrado não constatou documentação nesse sentido.
Além disso, as petições iniciais das ADPFs precisam indicar o ato questionado e provar a violação do preceito fundamental. A ANGM não apontou atos normativos ou decisões judiciais específicas, de acordo com Fachin.
Conflitos com o STJ
O julgamento ocorre em meio a uma série de decisões desfavoráveis às Guardas Municipais no Superior Tribunal de Justiça. As turmas da corte vêm reconhecendo quase diariamente atuações ilegais dos guardas, que invariavelmente lavram prisões em flagrante sustentadas por busca pessoal ou invasão de domicílio, o que contraria o escopo de atuação dessas instituições.
Na última segunda-feira (12/6), por exemplo, a ministra Laurita Vaz anulou a prisão de um homem detido com drogas pela Guarda em São Paulo. Ela afirmou que a instituição não tem competência para patrulhar supostos pontos de tráfico de drogas, fazer abordagens e revistar suspeitos da prática desse crime. A essa decisão somam-se dezenas de outras semelhantes, sempre fundamentadas na ilegalidade da atuação ostensiva dos guardas municipais.
Até o Tribunal de Justiça de São Paulo, tido como conservador em julgamentos que envolvem segurança pública, também deu entendimento recente contrário ao trabalho ostensivo das Guardas.
Em decisão de abril deste ano, a 12ª Câmara de Direito Criminal da corte paulista reformou sentença para absolver um homem condenado a um ano e oito meses de reclusão, em regime inicial aberto, pelo crime de tráfico de drogas, em razão da atuação ilegal dos guardas.
Na decisão, o desembargador Heitor Donizete de Oliveira, relator do caso, citou justamente o artigo 144 da Constituição (que versa sobre o rol da segurança pública) para afirmar que a Guarda Civil usurpou sua função.
O tema já foi pacificado no STJ, mas não de forma vinculante. Em agosto passado, o relator de um caso semelhante, ministro Rogerio Schietti, elaborou tese em que delimita a atuação das Guardas e rechaça seu poder de polícia.
Schietti observou que, apesar de estar inserida no mesmo capítulo da Constituição, a corporação tem poderes apenas para proteger bens, serviços e instalações do município, não possuindo a mesma amplitude de atuação das polícias.
Conforme o ministro, as Polícias Civis e Militares estão sujeitas a um rígido controle correcional externo do Ministério Público e do Poder Judiciário, que é uma contrapartida ao exercício da força pública e do monopólio estatal da violência. As Guardas Municipais, todavia, respondem apenas administrativamente aos prefeitos e às suas corregedorias internas.
Para Schietti, seria potencialmente caótico “autorizar que cada um dos 5.570 municípios brasileiros tenha sua própria polícia, subordinada apenas ao comando do prefeito local e insubmissa a qualquer controle externo”.
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