A garantia da liberdade só existe se a mulher puder apenas solicitar a audiência de retratação prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha. Determinar o comparecimento da vítima a essa audiência significa violar sua intenção e, portanto, discriminá-la.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta segunda-feira (21/8) para reconhecer a inconstitucionalidade da designação, de ofício, de tal audiência por parte do juiz, além de afastar a interpretação segundo a qual o não comparecimento da vítima de violência doméstica implica renúncia ao direito de representação. A sessão virtual se encerrará oficialmente às 23h59 desta segunda.
Contexto
O artigo 16 da Lei Maria da Penha prevê que, nas ações penais públicas por lesão corporal leve e lesão culposa — que são condicionadas à representação da vítima —, a renúncia à representação só pode ser admitida perante o juiz, em uma audiência designada especialmente para isso, antes do recebimento da denúncia e após manifestação do Ministério Público.
A ação direta de inconstitucionalidade julgada pelo STF foi ajuizada no último ano pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). A entidade pediu que o Supremo garantisse a continuidade das ações penais nos casos em que a vítima de violência doméstica não comparecesse à audiência de retratação.
Segundo a Conamp, o não comparecimento da vítima a tal audiência vinha sendo interpretada como renúncia tácita, com extinção da punibilidade do agressor e arquivamento do processo.
Na visão da entidade, esse entendimento viola os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, além de retirar do MP a titularidade exclusiva para promover ação penal pública.
Conforme a autora da ação, o objetivo da audiência é a verificação do real desejo da vítima de retirar a representação contra o agressor, e não a sua confirmação.
Fundamentação
Prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin, relator da ADI. Até o momento, ele já foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Kassio Nunes Marques, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
De acordo com Fachin, o artigo 16 da lei “não deve ser lido de forma isolada, como se contivesse apenas dispositivos dirigidos ao juiz”, pois faz parte de um conjunto de normas voltadas ao atendimento por equipe multidisciplinar. Ele apontou que tal sistema é mais eficaz para enfrentar a violência doméstica, já que “viabiliza o conhecimento das causas e os mecanismos” do problema.
Assim, segundo o magistrado, a função da audiência não é apenas “avaliar a presença de um requisito procedimental”, mas permitir que a vítima, ajudada por uma equipe multidisciplinar, possa se manifestar livremente e expressar sua vontade.
“Não cabe ao juiz delegar a realização da audiência para outro profissional, nem cabe ao juiz designar, de ofício, a audiência”, concluiu o relator. Para Fachin, qualquer interpretação de que a audiência é obrigatória “viola o direito à igualdade, porque discrimina injustamente a vítima de violência”.
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ADI 7.267