Os acórdãos dos tribunais superiores que confirmam a condenação do réu ou a decisão de pronúncia também servem para interromper o curso da prescrição da pretensão punitiva, conforme preveem os incisos III e IV do artigo 117 do Código Penal?
O tema está em análise na 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. Até o momento, só foram proferidos dois votos. Há divergência estabelecida. O julgamento foi interrompido nesta terça-feira (26/9) por pedido de vista do ministro Joel Ilan Paciornik, para melhor exame do assunto.
A discussão decorre de um desdobramento da decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal que, em 2020, fixou que as sentenças colegiadas confirmatórias da condenação também interrompem o prazo prescricional. O caso foi julgado no HC 176.473.
O STF interpretou o artigo 117, inciso IV, do Código Penal, que diz que o curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível. A posição é de que não há distinção entre acórdão condenatório inicial ou confirmatório da decisão.
Por analogia, essa posição é aplicável também nas hipóteses do inciso III do artigo 117 do CP, que trata da interrupção da prescrição pela decisão confirmatória da pronúncia — que confirma que uma pessoa acusada de crime contra a vida será julgada pelo júri popular.
A dúvida é se esse entendimento só vale para as decisões confirmatórias proferidas pelas instâncias ordinárias, quando ainda é possível análise de fatos e provas para definição da culpa do acusado, ou se é aplicável também quando os recursos chegam ao STJ e ao STF.
O caso concreto julgado pelo STJ é o de um homem acusado pela morte de um líder sindical de Guarulhos (SP), em 2001. A decisão de pronúncia de primeira instância foi mantida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) no julgamento do recurso em sentido estrito.
A defesa, então, recorreu ao STJ, que conheceu do recurso especial, mas negou provimento a ele. Se esse acórdão for considerado marco interruptivo da prescrição, ele ainda poderá ser responsabilizado pelo crime, em caso de condenação.
No Habeas Corpus apresentado à corte, o advogado Alberto Zacharias Toron defendeu que as causas interruptivas da prescrição são taxativas e restritivas e que o acórdão do STJ não interrompe a prescrição, inclusive porque não obstou a realização do julgamento pelo Tribunal do Júri.
Prescrição interrompida
Relator da matéria, o ministro Ribeiro Dantas não conheceu do HC. Para ele, a decisão do STJ que confirma a condenação ou a pronúncia também serve para interromper o curso da prescrição da pretensão punitiva, desde que o recurso tenha sido conhecido pelo órgão julgado.
Em sua análise, o vocábulo “decisão”, inserido no inciso III do artigo 117 do CP, abrange todas as espécies de pronunciamentos judiciais, inclusive as feitas pelo STJ. Ele defendeu que essa interpretação é a que mais se adequa à posição firmada pelo Supremo em 2020.
Além disso, segundo o ministro, há um elemento de política criminal envolvido. No seu entendimento, o STF decidiu dessa forma para evitar que a perpetuação do processo por recursos interpostos, inclusive nas instâncias superiores, redunde em prescrição da pretensão punitiva.
“No caso concreto, temos alguém que pratica um crime doloso contra a vida e não tem condenação, porque precisa passar pela pronúncia. Então ele já começa a recorrer da pronúncia. Se não houver decisões com essa força interruptiva, ele talvez possa obter a prescrição por meio de recursos muito delongados”, explicou o relator.
Não interrompe
Abriu a divergência o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, para quem não é possível, nem recomendável, inserir, como regra, uma decisão proferida pelo STJ como marco interruptivo da prescrição, quer no inciso III, quer no inciso IV do artigo 117 do CP.
Para ele, esses dispositivos devem ser interpretados restritivamente porque guardam estreita relação com a formação da culpa, a qual não é propriamente examinada nos recursos para os tribunais superiores. E em nenhum momento o STF se debruçou sobre essa possibilidade.
“Os recursos interpostos ao STJ não confirmam propriamente a decisão de pronúncia ou mesmo uma sentença condenatória, porquanto incabível o exame fático condenatório. O que se tem é analise a respeito da observância da legislação infraconstitucional”, explicou o magistrado.
Ou seja, se a pronúncia já foi confirmada por acórdão do TJ-SP, autorizando, inclusive, o julgamento pelo Tribunal do Júri, não há necessidade de nova confirmação pelos recursos manejados às instâncias extraordinárias.
“O STJ não pode ser considerado uma terceira instancia recursal, porque sua missão é a uniformização da jurisprudência infraconstitucional por meio da interpretação e correta aplicação dos textos legais, não pela aferição da justiça e avaliação dos fatos.”
Segundo o ministro Reynaldo, a única hipótese de interrupção da prescrição seria se a pronúncia de primeiro grau fosse derrubada pela decisão do tribunal de apelação, e, então, restabelecida pelo STJ.
Se essa posição vencer, a consequência será a declaração da prescrição da pretensão punitiva no caso concreto julgado, a qual deve ser contada pela metade porque o réu já completou 70 anos. O crime ocorreu em 2001; a denúncia foi recebida 2003; a pronúncia, feita em 2010; a confirmação pelo TJ-SP, em 2012; e a decisão do STJ, em 2020.
HC 826.977