STJ indica que justa causa para busca pessoal deve ser mais flexível

Para as turmas que julgam temas criminais no Superior Tribunal de Justiça, a análise das fundadas razões usadas por policiais para justificar abordagens contra suspeitos na rua deve ser flexível e de acordo com as especificidades de cada caso.

Revista pessoal por policiais depende de justa causa que indique ocorrência de delito

Marcelo Camargo/Arquivo Agência Brasil

Essa orientação é prevalente na 5ª Turma, que é mais refratária à análise do tema em Habeas Corpus, concentrando as concessões de ordem em casos de nulidade evidente. E tem sido adotada também pela 6ª Turma, em julgamentos recentes marcados por votos divergentes.

A intenção ainda é evitar que policiais tenham salvo-condutos para que façam abordagens exploratórias e aleatórias. Esse tipo de ação, portanto, depende da existência de fundadas razões que possam ser concretamente aferidas e justificadas a partir de indícios.

É a mesma lógica usada para avaliar a invasão de domicílio por policiais sem autorização judicial. Essa ação é possível, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, mas o STJ tem tratado com bastante rigor a definição de em quais situações é justificada e válida.

No caso de revista pessoal, o STJ tem consistentemente declarado a nulidade quando decorrente de denúncia anônima, intuição policial ou mesmo em abordagens “de rotina”. O que tem gerado debate é a ação em situações muito comuns no dia-a-dia dos agentes de segurança.

6ª Turma diverge

Recentemente, a 6ª Turma concluiu que demonstração patente de nervosismo de uma pessoa ao avistar a viatura policial, quando bem demonstrada e aliada a outros fatores, pode autorizar a abordagem. Esse cenário não é incomum, como já mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico.

No caso, um homem trafegava com sua moto e, ao ver a viatura, subiu na calçada e parou o veículo, “deixando transparecer seu nervosismo”.  Já durante a abordagem, tentou quebrar o próprio celular e fugir. Por maioria de votos, o colegiado validou a ação policial e as provas obtidas.

Na última terça-feira (12/9), dois casos análogos geraram debate.

No HC 782.742, a defesa tentou derrubar uma condenação por tráfico de drogas em que a abordagem se deu porque policiais em patrulha na madrugada viram uma pessoa conhecida como traficante reunida em grupo próximo a ponto de venda de entorpecentes. Segundo os PMs, esse suspeito, que “não costumava fugir”, dessa vez correu ao ver a viatura.

A abordagem culminou com apreensão de drogas e uma arma de fogo. Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior votou por conceder a ordem e absolver o réu. Para ele, ter fama de traficante, estar reunido em grupo e em local próximo a área de tráfico não basta para configurar fundadas razões para a revista pessoal.

Cidadão é submetido a procedimentos de revista de forma até aleatória em diversas situações, como em aeroportos e eventos

Reprodução

A maioria validou o flagrante dos policiais, inclusive a partir de algo que aconteceu já durante a fuga: a tentativa de se desfazer da arma de fogo. Abriu a divergência a ministra Laurita Vaz. Ao votar com ela, o ministro Antonio Saldanha Palheiro defendeu que o Judiciário tenha uma cautela diferente em relação a casos de revista pessoal e invasão de domicílio.

“A inviolabilidade do domicílio é um direito consagrado como fundamental pela Constituição e, efetivamente, precisa ter uma proteção diferenciada mesmo. Mas na abordagem pessoal, entendo que a gente precisa ter uma flexibilização. Nós somos sujeitos a vistoria pessoal em diversas circunstâncias sem fundada suspeita”, disse, ao citar revistas em aeroportos e eventos.

Para Saldanha Palheiro, uma pessoa que tenta fugir dá motivos válidos para que o policial faça a abordagem. “É preciso ter fundada suspeita, mas ela é mais dilargada do que invadir domicilio de uma pessoa. Veja com certas particularidades a abordagem pessoal”, acrescentou.

Ao votar com a maioria, o ministro Rogerio Schietti apontou que o objetivo do STJ tem sido forçar uma mudança de cultura dos agentes de segurança pública no relacionamento com o cidadão exigindo que exista algo de concreto que não seja somente mera intuição ou suspeita vaga para submetê-lo ao constrangimento de ser revistado.

“Uma pessoa que está em um local já conhecido por tráfico de drogas e, com a simples chegada da polícia, empreende fuga, talvez seja um fator a justificar, pelo menos, uma ordem de parada. E é uma ordem que deve ser respeitada”, afirmou. “E além da fuga, houve o avistamento de uma arma em poder do suspeito. Se até aquele momento talvez a busca não fosse autorizada, quando se viu uma arma em seu poder passa a haver justa causa.”

No caso seguinte, HC 815.998, a situação praticamente se repetiu. Uma pessoa foi vista por policiais saindo de um local de venda de drogas carregando uma sacola e aparentando nervosismo. Ao perceber a presença da viatura, tentou fugir. Houve apreensão de drogas e condenação por tráfico.

Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior votou pela absolvição. Quando a divergência foi inaugurada na terça-feira, indagou dos colegas: “fuga é justa causa para revista pessoal?”. “Depende do local”, respondeu Schietti. “Se está em ponto de droga e sai correndo com uma sacola, é um dado objetivo [a justificar a ação]”, acrescentou.

“Eu acho que, se alguém empreende fuga, isso autoriza a busca pessoal. A forma da abordagem é que pode fazer diferença. A pessoa olha a polícia e foge?”, pontuou o ministro Saldanha Palheiro. Formaram maioria a ministra Laurita Vaz e o desembargador convocado Jesuíno Rissato.

O ministro Sebastião Reis Júnior ainda destacou que a polícia teria meios de comprovar a ocorrência de tais atitudes suspeitas, pelo uso de câmeras nos uniformes. “Ela abre mão desse meio e transfere a responsabilidade de provar que não estava correndo ao investigado”, criticou, em relação à resistência dos estados a adotar tal equipamento.

Objetivo da jurisprudência é garantir que busca pessoal não vire salvo-conduto para abordagens exploratórias e aleatórias

Reprodução

5ª Turma é unânime

A 5ª Turma do STJ segue as mesmas balizas no sentido de evitar que os procedimentos de revista pessoal sejam usados para pesca probatória em pessoas que apenas aparentam alguma suspeita. Especialmente quando ocorrem em situação de “estresse policial”.

Ainda assim, o colegiado é menos benevolente na análise do tema pela via do Habeas Corpus, que tem limitações de conhecimento de prova e fatos. As concessões de ordem são feitas, principalmente, em casos de nulidade evidente. Em outros, a análise fica para as instâncias ordinárias.

Em um caso julgado em 2023, por exemplo, a 5ª Turma validou a revista pessoal em um homem que, ao obedecer ordem de parada de veículo, deu respostas vagas e imprecisas para perguntas simples feitas pelos policiais, como o próprio endereço.

Em processos relatados pelo ministro Messod Azulay como o HC 818.239, a 5ª Turma tem fixado que não há razão “para manietar a atividade policial sem indícios de que a abordagem ocorreu por perseguição pessoal ou preconceito de raça ou classe social, motivos que, obviamente, conduziriam à nulidade da busca pessoal”.

Já no RHC 174.454, o colegiado validou a revista pessoal feita no contexto de uma operação de repressão do tráfico de entorpecentes. O réu foi abordado porque, ao perceber a presença policial, demonstrou nervosismo e acelerou o veículo que conduzia.

“A situação que precede a abordagem, de fato, autoriza a revista do recorrente, por suspeita fundada de que portava elementos de corpo de delito”, concluiu o relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Nesse caso, houve ainda invasão e busca na residência do suspeito, também validadas pelo STJ.

Outro caso julgado pela 5ª Turma é o HC 828.485, em que a abordagem decorreu da observação de policiais. Eles viram um carro parado às 22h10 de um dia de semana em uma rua sem saída. Ninguém descia do veículo. Em certo momento, o carro deslocou-se para outro ponto da rua. Esse cenário levantou suspeitas na guarnição.

“Sob tal contexto, é justa a busca pessoal diante do caso concreto em exame”, afirmou o ministro Ribeiro Dantas, relator. A ação levou o condutor do carro a confessar que portava algo de ilícito. Foram apreendidos 5 kg de maconha escondido do assoalho atrás do banco do motorista. Todas essas votações foram unânimes na 5ª Turma.

HC 827.911

HC 782.742

HC 815.998

HC 807.446

HC 789.491

HC 818.239

RHC 174.454

HC 828.485

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