A constituição de holding é um instrumento hábil e efetivo às famílias que buscam realizar um planejamento sucessório. Dá-se, então, a transformação dos bens imóveis, móveis e direitos — que estavam lançados nas declarações de imposto de renda pessoa física do casal e de seus futuros herdeiros que, agora, se tornaram sócios entre si — em quotas/ações representativas desse patrimônio.
Sendo, então, o patrimônio transformado em quotas/ações a transferência de tal patrimônio quando da sucessão terá por base de cálculo para fins de tributação o valor das referidas quotas/ações com suporte em laudos de mensuração contábil, podendo afastar a utilização do valor venal.
A discussão a respeito da utilização de valores praticados pelo mercado não é nova. Ela decorre do fato de a base de cálculo do ITCMD, ser a prevista no artigo 38 do Código Tributário Nacional, ou seja, o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.
Importante ressaltar, ainda, que valor venal dos bens ou direitos também é base de cálculo para fins de tributação pelo ITBI. Contudo, o Código Tributário Nacional não traz uma definição de valor venal, limitando-se a estabelecer que o valor venal deve ser a base de cálculo dos referidos impostos (artigos 33 e 38 do CTN).
Com base em tais assertivas podemos definir que o valor venal de imóvel, para fins de ITCMD, ITBI e IR na modalidade Ganho de Capital, é uma avaliação — feita pelo poder público — de quanto vale determinada propriedade sem parâmetros técnicos-científicos, sendo que no âmbito doutrinário muito se discute sobre se o conceito de valor venal deve ser o mesmo para fins de base de cálculo dos referidos impostos.
Referendando tal posicionamento é ver-se que o Tribunal de Justiça de São Paulo tem afirmado que o valor venal a ser aplicado para fins de base de cálculo do ITCMD não pode ser o mesmo para o ITBI, ou seja, o valor de mercado, na medida em que isso acarretaria majoração da base de cálculo de tributo, o que só pode ser feito por meio de lei complementar [1].
Contudo, quando o patrimônio das pessoas físicas é transferido para holding e passa a ser representado por quotas ou ações, para fins de avaliação dessas, no que concerne a tributação pelo ITCMD ou ITBI, podem ser adotados os princípios de contabilidade geralmente aceitos inclusive com base nos pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
Isso porque a contabilidade internacional define métodos a serem utilizados pelas áreas contábil e fiscal para que possam se adaptar e um contexto internacional por meio de um instrumento que foi batizado de International Financial Reporting Standard (IFRS), que em tradução livre significa Normas Internacionais de Relatórios Financeiros, sendo que as IRFS são emitidas pelo International Accouting Standards Board (Iasb), ou seja, o Conselho de Normas Internacional de Contabilidade [2].
À vista disso, para que as demonstrações e relatórios contábeis e financeiros sejam apresentados em um contexto internacional, são necessários que sejam observados os seguintes princípios fundamentais: a) fornecer informações sobre resultados e posições financeiras que tenham utilidade e relevância a investidores, fornecedores, clientes e empregados das empresas; b) clareza, confiabilidade, relevância, comparabilidade e equilíbrio na elaboração das demonstrações contábeis e financeiras; c) tais demonstrações devem incluir o balanço patrimonial, fluxo de caixa, demonstração do resultado do exercício, notas e divulgações incluindo informações por segmento de negócio; d) nas referidas demonstrações devem estar presentes fatores de mensuração e avaliação do curso corrente, custo histórico, valor realizável e valor presente; e) critérios de reconhecimento das receitas, despesas, ativos e passivos [3].
No Brasil, as IFRS foram internalizadas pela Lei nº 11.638/2007, que levou à efeito diversas alterações na Lei nº 6.404/1976 — Lei das Sociedades por Ações, sendo que, ao que aqui interessa, destaca-se o que hoje dispõe o art. 177, §§2º e 5º, da última referida lei:
“Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.
(…)
§ 2º. A companhia observará exclusivamente em livros ou registros auxiliares, sem qualquer modificação da escrituração mercantil e das demonstrações reguladas nesta Lei, as disposições da lei tributária, ou de legislação especial sobre a atividade que constitui seu objeto, que prescrevam, conduzam ou incentivem a utilização de métodos ou critérios contábeis diferentes ou determinem registros, lançamentos ou ajustes ou a elaboração de outras demonstrações financeiras.
(…)
§ 5º. As normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários a que se refere o §3º deste artigo deverão ser elaboradas em consonância com os padrões internacionais de contabilidade adotados nos principais mercados de valores mobiliários.” (grifo do articulista)
Do que dispõe o caput do dispositivo supratranscrito fica muito clara a obrigatoriedade de observância — pelas sociedades que tem obrigação de manter escrituração contábil — dos “princípios de contabilidade geralmente aceitos”, os quais são conceituados por Nelson Eizirik da seguinte forma [4]:
“Portanto, os ‘princípios de contabilidade geralmente aceitos’ referem-se ao conjunto de orientações qualitativas e de regras que devem ser observadas na elaboração e divulgação das demonstrações contábeis, incluindo não só as normas da Lei das S.A. e atos regulamentares, como também as decorrentes da observância generalizada de uma prática (como, por exemplo, de transações muito específicas ou de setores também muito específicos). Decorre desse conjunto de princípios contábeis que as regras, voltadas especificamente para a identificação, mensuração e reconhecimento de ativos e passivos nas demonstrações contábeis, devem ser homogêneas ao longo do tempo e aplicadas uniformemente a todas as companhias, a fim de tornar possível a comparação das informações contáveis entre vários exercícios, entre a mesma companhia ou entre companhias distintas” [5].
O histórico da criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC autoriza afirmar que os seus pronunciamentos são vinculantes a todos os profissionais de Ciências Contábeis.
Nesse sentido, o caput do art. 177, da Lei 6.404/1976, é expresso quanto à observância dos “princípios de contabilidade geralmente aceitos”, os quais são estabelecidos pela IRFS, sendo que no Brasil, estes são adaptados e expedidos pelo Conselho de Pronunciamentos Contábeis (CPC), órgão que surgiu da fusão do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tendo como fontes de pesquisas os seguintes órgãos e instituições: Associação dos Analistas e Profissionais da Investimento do Mercado de Capitais (Apimec); Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa); Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca); Banco Central (Bacen); Conselho Federal de Contabilidade (CFC); Comissão de Valores Mobiliários (CVM); Federação Brasileira de Bancos (Febraban); Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuarias e Financeiras (Fipecafi); Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon); Superintendência de Seguros Privados (Supep); e a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SFRB) [6].
Logo, o artigo 177, caput, da Lei das Sociedades Anônimas erige tais pronunciamentos à categoria de norma legal, obrigatória “para todas as entidades, para fins de apuração do resultado societário, salvo para aquelas em que os agentes reguladores se manifestem, expressamente, de forma contrária” [7].
Ou seja, tem-se que os Pronunciamentos do CPC são de observância obrigatória aos profissionais de contabilidade, pela necessidade de observância aos “princípios de contabilidade geralmente aceitos”, salvo se os agentes reguladores se manifestem de forma contrária. Todavia, havendo a ratificação dos pronunciamentos pelo agente regulador, os mesmos adquirem força de lei, com as respectivas consequências legais pelo seu descumprimento. Elidie Palma Bifano [8] sintetiza a questão de forma precisa:
“Como se observa, os Pronunciamentos do CPC, isolada e rigorosamente, não têm qualquer força normativa que os torne de obrigatória observância, contudo, quando incorporados ao conjunto normativo de agentes que, por lei, desfrutam do poder de compelir em seus âmbitos de atuação, eles se tornam lei, com todas as sanções decorrentes de seu eventual cumprimento. Em consequência, os Pronunciamentos devem ser observados pelos profissionais submetidos à regulação do CFC, contudo, se tais instrumentos não forem total ou parcialmente, aprovados e incorporados ao conjunto normativo de cada agente regulador, CVM, Bacen, Susep e outros, não passarão de meras recomendações sobre as melhores práticas contábeis. […] Como decorrência, os Pronunciamentos que se integraram ao sistema jurídico têm força de lei, a partir de então, sendo sua adoção obrigatória para aquelas entidades que a esses agentes se submetem.”
Nesse contexto, as empresas estão obrigadas a observarem às disposições contidas no Pronunciamento Técnico n. 46, exarado pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis, que, ao tratar do tema, preceituou os seguintes conceitos e/ou procedimentos:
“Pronunciamento n. 46:
Objetivo
1. O objetivo deste Pronunciamento é:
(a) definir valor justo; (b) estabelecer em um único Pronunciamento a estrutura para a mensuração do valor justo; e (c) estabelecer divulgações sobre mensurações do valor justo.
2. O valor justo é uma mensuração baseada em mercado e não uma mensuração específica da entidade. Para alguns ativos e passivos, pode haver informações de mercado ou transações de mercado observáveis disponíveis e para outros pode não haver. Contudo, o objetivo da mensuração do valor justo em ambos os casos é o mesmo – estimar o preço pelo qual uma transação não forçada para vender o ativo ou para transferir o passivo ocorreria entre participantes do mercado na data de mensuração sob condições correntes de mercado (ou seja, um preço de saída na data de mensuração do ponto de vista de participante do mercado que detenha o ativo ou o passivo).
3. Quando o preço para um ativo ou passivo idêntico não é observável, a entidade mensura o valor justo utilizando outra técnica de avaliação que maximiza o uso de dados observáveis relevantes e minimiza o uso de dados não observáveis. Por ser uma mensuração baseada em mercado, o valor justo é mensurado utilizando-se as premissas que os participantes do mercado utilizariam ao precificar o ativo ou o passivo, incluindo premissas sobre risco.
Como resultado, a intenção da entidade de manter um ativo ou de liquidar ou, de outro modo, satisfazer um passivo não é relevante ao mensurar o valor justo.
(…)
Mensuração
Definição de valor justo
9. Este Pronunciamento define valor justo como o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração.
[…]
Ativo ou passivo
11. A mensuração do valor justo destina-se a um ativo ou passivo em particular. Portanto, ao mensurar o valor justo, a entidade deve levar em consideração as características do ativo ou passivo se os participantes do mercado, ao precificar o ativo ou o passivo na data de mensuração, levarem essas características em consideração. Essas características incluem, por exemplo:
(a) a condição e a localização do ativo; e
(b) restrições, se houver, para a venda ou o uso do ativo.”
Assim sendo, ao transformar os bens imóveis, móveis e direitos de pessoas físicas em quotas ou ações, representativas desse patrimônio, transferindo, então, para holding retira-se a obrigatoriedade dos mesmos serem avaliados, para fins de tributação pelo ITCMD, ITBI e IR sobre o Ganho de Capital, apenas e tão somente, com base no valor venal calculado pelo Fisco e, então, abre-se a possibilidade: a) da utilização dos referidos “critérios contábeis geralmente aceitos” inclusive o “valor justo”; b) da transformação de despesas não dedutíveis na pessoa física em custos dedutíveis na pessoa jurídica para manutenção dos bens que compõem conta contábil do ativo imobilizado o que, em determinadas situações — considerando a forma de apuração do lucro contábil — pode determinar a redução da base de cálculo dos referidos impostos.
Cláudio Tessari é advogado tributarista, doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, mestre em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis, especialista em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário Estratégico pela PUC-RS, sócio do Instituto de Estudos Tributários, sócio do Instituto Brasileiro de Direito Processual, membro da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB-RS e autor do livro Holdings: Planejamento Sucessório, Gestão Patrimonial e Tributária.
Camila Bandel Nunes Pinheiro é advogada, pós-graduada em Direito Tributário pelo Ibet, pós-graduada em Direito Tributário pela PUC-RS/IET e em Direito de Família Contemporâneo e Mediação de Conflitos pela Fadergs, especialista em Direito Civil e Processo Civil pelo IDC e autora do livro Holdings: Planejamento Sucessório, Gestão Patrimonial e Tributária.