Thales Bouchaton: Carona sob a ótica da nova Lei de Licitações

A adesão a ata de registro de preços é um instrumento jurídico comumente utilizado pela administração pública para aquisição de produtos e serviços, em atendimento das finalidades da administração pública. Sua previsão legal decorre da Lei 8.666/93, regulamentada pelo Decreto Federal 7.892/2013

Com a Lei 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos  NLLC), a figura do “carona” (órgão não-participante) em atas de registro de preços (ARPs) encontra-se expressamente autorizada, mediante o cumprimento dos seguintes requisitos:

“Artigo 86. Omissis.

(…)

§2º. Se não participarem do procedimento previsto no caput deste artigo, os órgãos e entidades poderão aderir à ata de registro de preços na condição de não participantes, observados os seguintes requisitos:

I – apresentação de justificativa da vantagem da adesão, inclusive situações de provável desabastecimento ou descontinuidade de serviço público;

II – demonstração de que os valores registrados estão compatíveis com os valores praticados pelo mercado na forma do artigo 23 desta Lei;

III – prévias consulta e aceitação do órgão ou entidade gerenciadora e do fornecedor.

(…)

§3º. A faculdade conferida pelo §2º deste artigo estará limitada a órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, na condição de não participantes, desejarem aderir à ata de registro de preços se órgãos ou entidades gerenciadora federal, estadual ou distrital.”

Contudo, há um detalhe importante a ser observado pelos “caronas” em seus processos de adesão: conforme dispõe o §3º do mesmo artigo 86, a faculdade conferida pelo §2º limita-se aos órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, “na condição de não participantes, desejarem aderir à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital”.

No entanto, a nova Lei de Licitações foi omissa no tocante à possibilidade de adesão a ata de registro de preços referente aos municípios e aos consórcios públicos. No entanto, exarou uma proibição expressa, no sentido de que órgãos e entidades federais não podem aderir às ARPs promovidas e gerenciadas por entes municipais. Vejamos:

“Artigo 86 (…)

§8º Será vedada aos órgãos e entidades da Administração Pública federal a adesão à ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal.”

Ou seja, o legislador optou por proibir expressamente apenas órgãos e entidades da Administração Pública federal, não havendo qualquer vedação expressa aos demais entes federados no mesmo sentido. Caso o legislador quisesse vedar a adesão às ARPs dos demais órgãos públicos que não estão na esfera federal, teria o feito expressamente.

Considerando o texto legal, há nítida omissão sobre a possibilidade das ARPs licitadas e gerenciadas por municípios poderem ser objeto de adesão por outros órgãos e entes federativos, incluindo-se outros municípios. No entanto, diante da sistemática da nova lei, há um incentivo expresso para que os municípios, especialmente os com até 10.000 habitantes, constituam consórcios públicos para a realização das finalidades previstas em lei.

“Artigo 181. Os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em grande escala, para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades desta Lei.

Parágrafo único. No caso dos Municípios com até 10.000 habitantes, serão preferencialmente constituídos consórcios públicos para a realização das atividades previstas no caput deste artigo, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.”

Diante desse suposto limbo legislativo, foi apresentado um projeto de lei (PL 2.228/22), de autoria do deputado Otto Alencar Filho (PSD-BA), que propõe alteração ao referido texto da Lei 14.133/21, para autorizar que os municípios possam aderir a atas de registro de preços firmadas por outros municípios.

Em seu texto-justificativa, o autor do projeto destaca o seguinte [1]:

“…considerando a autonomia de que dispõe todos os entes federativos, e levando-se em conta que a presença da autonomia exige atuação fundamentada na cooperação e não na subordinação, parece-nos que a possibilidade de os municípios aderir a atas de outros municípios é uma decorrência lógica dos princípios constitucionais da autonomia e da igualdade federativas estabelecidos na Constituição Federal.

Ademais, a possibilidade de municípios aderir a atas de registro de preços de outros entes municipais, pode contribuir para uma maior celeridade nas contratações públicas…” [2]

Contudo, a NLLC é omissa quanto à possibilidade dos municípios aderirem registros de preços de consórcios intermunicipais, cujo a existência propicia a execução de serviços e políticas públicas com maior eficiência, agilidade, transparência, assim como racionalizar e otimizar o uso dos recursos públicos. No entanto, a única vedação expressa trazida nessa nova legislação diz respeito a adesão de órgãos públicos federais, conforme anteriormente explicitado.

Conclusão

Ainda que se compreenda que o “legislador” buscou proibir a chamada “adesão verticalizada de cima para baixo  do governo federal pegando ‘carona’ de órgãos estaduais e municipais”, não há razão para vedar adesão de ARP de consórcio de municípios por outro órgão municipal.

Em outras palavras: mesmo que se acredite na tese da proibição da adesão verticalizada, ela não seria aplicável entre municípios e consórcios intermunicipais, uma vez que os consórcios estariam uma esfera acima dos entes municipais, em que pese o objetivo de gerir e prover em uma determinada região geográfica, a execução de políticas públicas.

Em nossa compreensão, deve ser conferida ao §3º uma interpretação conforme o artigo 37 Constituição, especialmente no que diz respeito ao princípio da eficiência, porquanto a conclusão lógica é pela possibilidade de adesão de ARP de consórcios regionais por outros órgãos municipais.

Thales Vinicius Bouchaton é advogado e ex-assessor Jurídico da Fundação Piratini, vinculado ao Estado do Rio Grande do Sul.

Consultor Júridico

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