O Poder Legislativo não pode propor norma que crie ou altere o funcionamento de órgãos da administração pública, pois se trata de competência privativa do chefe do Executivo. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro declarou a inconstitucionalidade da Lei municipal 3.901/2020, de Itaguaí.
A norma instituiu a política pública de proteção à saúde bucal de pacientes com necessidades especiais. A lei incluiu a prática no programa de saúde da família, listou os hospitais e clínicas que devem fazer o atendimento e estabeleceu que despesas decorrentes da execução da medida correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
A Prefeitura de Barra do Piraí questionou a norma, sustentando que ela invade a inciativa privativa do chefe do Executivo de dispor sobre a organização e estrutura da administração pública. A lei foi proposta pela Câmara Municipal.
Em defesa da norma, o Legislativo local argumentou que ela não cria ou altera quaisquer atribuições ou funções dos órgãos do Executivo, apenas garante aos cidadãos o acesso à saúde.
A relatora do caso, desembargadora Leila Albuquerque, mencionou o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 917 de repercussão geral: “Não usurpa competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (artigo 61, parágrafo 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal)”.
Conforme a magistrada, a lei de Itaguaí violou o precedente do Supremo. Afinal, ela especificou que órgãos municipais de saúde deverão prestar atendimento odontológico a pacientes com necessidades especiais. Tal decisão, segundo a relatora, deveria ficar a cargo do Executivo, a fim de melhor aproveitar os recursos materiais e humanos de que já dispõe.
“Não se pode negar que a referida lei possui objetivo louvável, visando ao aprimoramento da proteção à saúde dos pacientes com necessidades especiais. Todavia, o Poder Legislativo não pode impor ao Poder Executivo ato normativo que represente violação ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 7º da Constituição do estado”, afirmou Leila.
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Processo 002469836.2021.8.19.0000
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.