A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu afetar os Recursos Especiais 2.007.865, 2.037.317, 2.037.787 e 2.050.751, cadastrados como Tema 1.023, todos de relatoria do ministro Herman Benjamin, para julgamento sob o rito dos repetitivos, com intuito de uniformizar o entendimento sobre a suspensão da exigibilidade de crédito mediante a oferta de carta de fiança e seguro garantia.
O acórdão de afetação determinou, em 30/6/2023, a suspensão da tramitação de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma questão jurídica mencionada e tramitem no território nacional, nos termos do artigo 1.037, inciso II do Código de Processo Civil (CPC).
Isso porque foram identificados na base de jurisprudência do STJ 518 decisões monocráticas e 25 acórdãos tratando da mesma questão conflituosa entre fisco e contribuinte: a apresentação de seguro-garantia ou fiança bancária em equiparação ao depósito integral do crédito tributário, ou seja, a extensão dos efeitos do artigo 151, II do CTN.
O impacto da definição da extensão dos efeitos da suspensão da exigibilidade trará benefícios para contribuintes com menor fluxo de caixa, que não possuem condições financeiras de realizar depósito do valor discutido,o que não evita a inscrição em dívida ativa e consequente ajuizamento de execução fiscal.
A própria aceitação de garantia distinta do depósito provoca contencioso tributário prévio ou apartado do mérito. Assim se uniformizado o entendimento quanto a suspensão do crédito mediante garantias mais acessíveis aos contribuintes que estão discutindo a legitimidade da exigência tributária, proporcionará uniformidade de tratamento e a segurança jurídica em razão da multiplicidade de entendimentos nos Tribunais quanto ao caráter taxativo ou mitigado do rol do artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN).
Demonstra a necessidade de uniformização sobre a questão a existência de posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que em um dos recursos representativos da controvérsia, entendeu ser inviável a equiparação do seguro-garantia e da fiança bancária com o depósito judicial do valor integral em dinheiro para efeito de suspensão da exigibilidade do crédito tributário ou não, em que somente o depósito em dinheiro viabiliza a suspensão determinada no artigo 151 do CTN.
Por outro lado, há orientações da Corte do STJ que concluíram que “é cabível a suspensão da exigibilidade do crédito não tributário a partir da apresentação do seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento” (REsp 1.381.254/PR), afirmando, ainda, que no arcabouço jurídico brasileiro não há previsão legal que trata especificamente dessa questão, o que exige uma interpretação sistemática e integrativa da legislação federal para resolver a situação no caso concreto.
A suspensão da exigibilidade do crédito tributário é uma aliada importantíssima do contribuinte para impedir medidas coercitivas de cobranças por parte do fisco, sendo uma garantia que lhe deve ser conferida, principalmente nos casos em que há incertezas suscitadas quanto à sua exigência, tendo em vista o perfil usualmente de boa-fé do contribuinte e de sua necessidade de arcar com elevados custos.
É comum ações cautelares serem ajuizadas em que a fiança e o seguro-garantia sejam oferecidos antecipadamente à penhora, para que seja garantida a emissão da Certidão Positiva com efeitos de Negativa, ou ainda como contra cautela para a concessão da liminar ou tutela nos termos dos incisos III e IV do artigo 151 do CTN.
Enquanto a atualização do próprio Código Tributário Nacional não ocorre, para que possam ser incluídos expressamente a fiança bancária e o seguro garantia dentre as causas suspensivas, compete ao Superior Tribunal de Justiça definir a extensão ou a melhor interpretação para equilibrar o conflito do contribuinte, buscando o meio menos oneroso para defesa de seu direito, com o interesse do fisco, pela maior liquidez da garantia para o caso de decisão que lhe conceda efetivamente o direito ao crédito tributário.
Portanto, conquanto o tema ainda não tenha data para julgamento, é indispensável o acompanhamento, tendo em vista que impactará em discussões em andamento, especialmente na gestão de passivo tributário, cujo status do crédito poderá se alterar com o resultado do julgamento do Superior Tribunal de Justiça, exigindo medidas por parte do contribuinte para conferir a suspensão da exigibilidade do crédito e afastamento de medidas constritivas por parte do Fisco.
Maria Danielle Rezende de Toledo é especialista em Contencioso Tributário e Aduaneiro e sócia da área de Litigation do escritório Lira Advogados.
Paula Pantoja é estagiária da área de Litigation do escritório Lira Advogados.