Trump tentará transferir processos da justiça estadual para a federal

Em 4 de julho de 2023, os Estados Unidos completaram 247 anos de história, a contar da Declaração da Independência. Durante quase todo esse período, nenhum presidente ou ex-presidente teve de responder a processos criminais. Então, entra em cena o ex-presidente Donald Trump. Nos últimos quatro meses e meio, ele passou a responder quatro processos criminais, que apresentam, em soma, 91 acusações.

Isac Nóbrega/PRTrump pode recorrer ao perdão presidencial na esfera federal, mas não na estadual

Dois desses processos correm na justiça federal (Washington, D.C. e Flórida) e dois na justiça estadual (Geórgia e Nova York). Na Flórida, Trump enfrenta 40 acusações associadas à subtração de documentos classificados da Casa Branca; Em Washington, D.C., enfrenta quatro acusações associadas à invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021 — essa pode torná-lo inelegível para cargo público, se provado que comandou uma insurreição.

Na justiça estadual de Nova York, o ex-presidente enfrenta 34 acusações associadas a pagamento de suborno para silenciar uma atriz de filmes pornográficos, na campanha eleitoral de 2016. Na Geórgia, ele enfrenta 13 acusações, por seus esforços para reverter, a seu favor, o resultado da eleição de 2020 no estado, onde ele perdeu por menos de 12 mil votos. Nisso, ele teve a ajuda de 18 pessoas, que também foram processadas.

Para Trump, os processos na justiça estadual são os mais inconvenientes. Em contraposição, os processos na justiça federal lhe oferecem algumas conveniências. Por isso — e por estratégias de defesa — seus advogados estão trabalhando para transferir os processos da justiça estadual para a federal. Está em consideração:

1. Perdão

Se Trump for condenado na justiça federal, ele poderá conceder a ele mesmo perdão presidencial — embora essa seja uma possibilidade que nunca foi testada na justiça do país. Se um candidato republicano for eleito presidente, ele também poderá ser perdoado.

Se for condenado na justiça estadual (Nova York ou Geórgia), o novo presidente não poderá lhe conceder o perdão, porque isso está na esfera do estado. Em Nova York, Trump, um republicano, terá de ser perdoado pela governadora do estado — uma democrata. Na Geórgia, o governador não tem poder para perdoar condenados. Isso cabe a uma comissão de liberdade condicional, que só examina o caso após cinco anos de prisão.

2. Júri

Trump foi processado no Condado de Fulton, na Geórgia, que é um reduto democrata. O presidente Joe Biden recebeu 73% votos que Trump nesse condado, nas eleições de 2020. E é de lá que virão os jurados.

Mas, se o processo for para a justiça federal, boa parte dos jurados virá de um condado que é um reduto seguro do Partido Republicano. Assim, os jurados serão muito mais simpáticos à causa de Trump e será difícil obter uma condenação unânime do júri.

3. Imunidade

Trump poderá insistir na transferência dos processos estaduais para a justiça federal com base na teoria da supremacia da Constituição. A teoria é a de que autoridades federais são imunes a persecução nos estados, quando seus atos fazem parte de seus deveres oficiais do governo dos EUA.

Na justiça federal, Trump poderá pedir a extinção do processo, alegando que todos os seus atos na Geórgia foram atos oficiais, na condição de presidente — em contraposição ao argumento da Promotoria de que foram atos políticos. Assim, a lei federal pode lhe garantir imunidade a processos na justiça estadual.

Quanto às declarações de que a eleição foi fraudulenta no estado, ele se defenderá com o argumento de que ele realmente acreditava que foi o vencedor e que simplesmente lutou pela integridade do processo eleitoral — um ato que, de qualquer forma, é protegido pela liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda da Constituição.

4. Juiz

Se os processos forem transferidos para a justiça federal, existe a possibilidade de que ele seja julgado por um juiz nomeado por um presidente republicano. Esse é o caso, por exemplo, do processo que tramita em um tribunal federal na Flórida, que caiu nas mãos da juíza Aileen Cannon, que foi nomeada pelo próprio Trump, há três anos.

Ela atendeu, desde logo, o primeiro pedido de Trump, o de autorizar a nomeação de um especialista independente, chamado de “special master”, para examinar os documentos classificados, alguns deles secretos e ultrassecretos, que Trump levou para sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, quando deixou a Casa Branca. A decisão da juíza foi anulada pelo Tribunal Federal de Recursos da 11ª Região.

5. Procrastinação

Adiar a resolução de processos é uma velha tática usada por Trump e, nesses casos, muito conveniente. Por exemplo, os juízes que presidem os julgamentos nos dois casos estaduais não mostraram muita boa-vontade para atender os pedidos de transferência deles para a esfera federal. Mas Trump irá recorrer até a última instância.

À Suprema Corte ele poderá perguntar se, na condição de presidente, é imune a ser processado pelos estados — uma questão que a Suprema Corte nunca julgou, mas poderá fazê-lo pela primeira vez.

Se a Suprema Corte lhe der razão, todos os processos irão correr na justiça federal. Nesse estágio, Trump, se eleito em 2024, já será presidente do país. E, nesse caso, todos os processos serão engavetados, porque o Departamento de Justiça dos EUA tem uma política de longa data de não processar presidentes no exercício do cargo. Só se conhecerá o destino deles em 2029.

Com informações adicionais do USA Today, The Hill, Politico, CNN, Forbes e The Guardian.

João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

Consultor Júridico

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